A ÁGUIA QUE (QUASE) VIROU GALINHA
 
 

        “O tempo está chegando quando todas as águias se transformarão em galinhas”. A história não é minha. Meu é só o jeito de contar sobre uma águia que foi criada num galinheiro...
 

        Certa vez um homem, quando caminhava na floresta, encontrou uma pequena águia. Levou-a para casa, colocando-a no galinheiro com as galinhas. Ela foi aprendendo logo o jeito “galináceo” de ser, de pensar de ciscar a terra, de comer milho, de dormir em poleiros, ...

        E na medida que aprendia ia perdendo as poucas lembranças que lhe restaram do passado. É sempre assim: todo aprendizado exige um esquecimento. E ela desaprendeu os cumes das montanhas, os vôos das nuvens, o frio das alturas, a vista se perdendo do horizonte, o delicioso sentimento de dignidade e liberdade.

        Como não havia ninguém que lhe falasse dessas coisas, e todas as galinhas cacarejarem o mesmo catecismo, ela acabou por acreditar que ela não passava de uma galinha com perturbação hormonal, tudo grande demais, aquele bico curvo, sinal de acromegalia.

        Um dia apareceu por lá um homem que vivera nas montanhas e que vira os vôos orgulhosos das águias. “Quem e o que você faz aqui?”, ele perguntou. “Esse é o meu lugar”, ela respondeu. “Todo mundo sabe que galinhas vivem em galinheiros, comem milho, ciscam o chão, botam ovos, e finalmente, viram canja: nada se perde, utilidade total. Mas você não é galinha”, ele disse. “É uma águia!”

        “De jeito nem um! Águia voa alto, e eu nem sei sequer voar. e para falar a verdade, nem quero. A altura me dá vertigens. É mais seguro ir andando, passo a passo...” E não houve argumento que mudasse a cabeça da águia esquecida. Mas isso até que o homem não agüentando mais ver aquela coisa triste, uma águia transformada em galinha, agarrou-a a força e a levou até o alto de uma montanha.

        A pobre águia começou a cacarejar de terror, mas o homem não teve compaixão: jogou-a no vazio do abismo... Foi então que o pavor, misturado com as memórias que ainda moravam em seu corpo, fizeram as asas baterem, a princípio, em pânico, mas aos poucos com tranqüila dignidade, até se abrirem confiantes, reconhecendo aquele espaço imenso que lhe tinha sido roubado. E ela finalmente compreendeu que o seu nome não era galinha, mas águia...
 
 

        Esta história foi escrita na África, onde uma pessoa falava aos outros companheiros: “Vejam a que estado os brancos nos reduziram: a águias que andam como galinhas. É preciso voar de novo!!...”

        Mas eu senti que era muito mais que isto, porque comecei a ver galinheiros espalhadas por todas as partes, e águias domesticadas e humilhadas, felizes por ciscar na terra e comer milho... E me perguntei se não é isto que acontece nesta coisa que se chama lar, de chinelo, de pijama, “bob” na cabeça, e os mesmos cacarejos milharescos, que estão longe, muito longe do ar frio das alturas.

        E nos púlpitos das igrejas, galinheiros sagrados, em que os cacarejos se transformam em doutrinas, e as águias são condenadas ao silêncio, e quem anda diferente é mandado para o inferno.

        E nas escolas, que se especializaram nessa curiosa metamorfose de transformar águias em galinhas, para que não falte canja. E os pais se rejubilam quando a magia chega ao fim, e as águias solitárias (sempre perigosas e imprevisíveis) recebem seus diplomas galináceos. Agora são iguais como todos os demais, podem arranjar seus empregos, botar seus ovos, chocar seus filhos, até o momento glorioso de serem transformados em canja.

        E esta coisa a que se dá o nome de Estado, incrível abstração, com a diferença d’agente vê aqueles rostos terríveis, galináceos, e que discutem se devem ou não usar gravata no plenário, e acham certo que se fabriquem armas (é bom negócio), e que não percebem os sinais do furacão que se aproxima... Terrível mesmo é saber que as águias acabaram por se convencer que o tempo já passou.

        Porém cabe apenas a nós mesmos dizermos se o tempo já passou ou se ainda chegará, temos que estar preparados para tudo, aguçar o senso crítico a tudo que nos é imposto, e não aceitarmos tudo de “mão beijada” sem ao menos saber o porquê!

        Aqui quem vos escreve é apenas uma águia com jeitos galináceos que espera confiantemente, esperançosamente e exaustivamente pelo tempo em que as águias se rebelem e tomem o que lhe é por direito...o céu! Esperando a chegada da ultima revoada, que despertará a “águia adormecida” dentro de cada uma das galinhas postiças, para que então possamos fazer a Revoada Final!!! E só assim estaremos livres de tudo, estaremos libertos...para todo o sempre!

        É preciso voar novamente...

 

“Há um lugar onde as pessoas evitam estar,
Temido por todos,
Odiado por muitos, mas no íntimo admirado.
Que por não compreenderem, os atribuem vários títulos grotescos,
Títulos apenas por serem sinceros, por verem com outros olhos,
Por vislumbrarem além do véu da Ignorância,
Além da Mortalha das Mentes Fracas e Pequenas,
Por não estarem presos aos grilhões do vulgar...A Realidade”
- Wagner Assis
 
 
 
 
 
 
 
 

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