TITANIC: A IMAGEM DO NAUFRÁGIO DO MUNDO
 

         De repente eu me vejo perguntando: o mundo todo bestou de vez ou, em definitivo, fiquei gagá? É que procuro e não vejo nem uma novidade - dessas que fazem a excelência da grande arte - nesse recente subproduto cultural americano, o filme Titanic. A não ser - comparado com filmes anteriores - mais luzes, mais luxo, mais figurantes, o navio é maior...etc. Não terá sido em virtude desse excesso que o barco afundou...(!) Por que tamanho frenesi? Por que o disparate de um escrevinhador (de periódico lá das bandas do sul) de comparar a obra de Cameron ao clássico de Shakespeare, Romeu e Julieta? Ora, além de um desrespeito à história esse Titanic é apenas mais um produto cultura de massa, travestido de arte elevada. E isso tem nome. Trata-se de um Kitsh(Kit). Um narcótico para o indivíduo(homem-zumbi da cidade grande) que procura pateticamente descansar do seu cansaço rotineiro, fugindo de qualquer reflexão sobre a realidade. para a adolescência(l' age batê, segundo os franceses), o navio do senhor Cameron é mais um clichê, elaborado para preencher um imaginário que se satisfaz com o imediatismo das sensações superficiais e imediatas? Uma leitura, um mínimo de discernimento crítico revelará o emprego de fórmulas, chavões, estereótipos e técnicas já usadas e, de tão usados, gastos e sem nem uma força artística. O chavão romântico do amor impossível entre a moça rica bonita, e o rapaz pobre, também bonito; os suspenses e desfechos absolutamente previsíveis; a seqüência dos amantes de mãos dadas, correndo, em câmara lenta; as pequenas doses de gracejos, as pitadas picantes, leves, de erotismo; e(coisa terrível!!) o homem traído também estava lá – a cena não poderia Ter sido mais poética: o corno, de arma na mão, dentro d’água , num navio a naufragar, alvejando o casal infiel...em correria. Ufa! O apelo ao mecanismo da reação controlada dá a tônica o roteiro do filme. Prevê-se tudo, sem muito esforço:  do momento em que o público sentirá medo e soltara aquele Ufa! Até a ocasião em que baterá palmas. Até ao recurso de convocar um narrador-personagem-testemunha(prática de romances do século passado!) o diretor recorreu! O que, porém, mais agride nesse filme de trezentos milhões de dólares é o seu final. O Capitalismo é mesmo descarado...! Ridiculariza a crença das pessoas em outra dimensão em vida fora da existência material. Como sempre fez, admite como única realidade a do mundo dos negócios. Mas, quando convém ao seu ideário de lucro, então o Capitalismo utiliza-se do que sempre menosprezou, transformando-o, igualmente, em mercadoria. O happy end, de tão usado, deixava de provocar o suspiro de alívio entre os historiadores ingênuos, pois até esses começaram a perceber o ludíbrio que nesse chavão se formalizara durante décadas. O que a máquina comercial cinematográfica burguesa americana passou a fazer? Encontrou uma nova seiva para a fórmula. Pois é, o happy end projeta-se, agora, nos umbrais da eternidade! Assim os amantes do Titanic são felizes, na eternidade...Ei-los lá, encontrando-se, depois de mortos e dando-se as mãos! Fracamente, é de pasmar...! Nunca vi filme de roteiro tão medíocre fazer tanto barulho. A arte de senhor James Cameron é a arte do puro efetismo. Simples efetismo é a negação da arte: é própria do kitsh, a arte de massa que brota banca desrespeitável, como diz Merquior.

        A excelência da arte consiste em prover a reflexão, dando condições de o indivíduo atravessar incólume a enxurrada de besteira que assola o mundo contemporâneo:

         Por falar em naufrágio, entre tantas leituras possíveis desse mais novo produto comercial da megalomania americana, é possível  vê-lo como uma alegoria do próprio naufrágio do mundo que ocorrerá se o homem não desviar das montanhas do egoísmo e da ganância que estão ditando o curso da sua viagem. O seu talento para o efetismo não lhe permitirá ver tanto. Impossível para a sua mente enxerga-se como co-participante do fim da própria história. Na imensa réplica americana do navio símbolo da outra megalomania - a britânica em razão dos domínios dos mares – o senhor Cameron, pôs, de forma nítida, inconscientemente, é claro, a concepção do mundo, que vai pela cabeça do cidadão Ianque. Ali, naquela nave, estão duas únicas classes, seguindo a baixo. A de baixo, jogada no desconforto e na faina estafante, movimenta as engrenagem da grande máquina, que é o mundo Capitalista; a de cima, mergulhada no luxo da ociosidade, é sustentada e transportada nos ombros, enquanto usufrui do completo bem-estar material.

        Naquele barco está, por inteira, a concepção do mundo capitalista americano. Perpassam, igualmente, pelas imagens do écran, alguns dos princípios doutrinários, safados e descarados, da ideologia burguesa americana. Note-se que há seqüências inteiras, no filme, mostrando a alegria, a descontração, a fraqueza, mas no lado dos pobre, enquanto o lado dos ricos, a chatice, a monotonia, e até incultura – os ricos não sabem sequer quem é Freud; chegam a perguntar se é algum tripulante do navio. Então é horrível ser rico...Por que você deixaria de ser pobre? Para conviver com gente antipática, fria, calculista? Viva, pois, a alegria de ser pobre! Que processo sacana e sórdido de incultar uma ideologia...! para compensar o conflito oriundo do recalcamento que essa forma que essa forma da sociedade impõe, a primeira classe oferece a fantasia... É isto: a aproximação entre a primeira e a terceira classe só é possível através da utopia, que é oferecia no vazio em que viajaria uma segunda classe. Por aí se estende aquela estrutura narrativa entre os dois jovens, a maça rica e o rapaz pobre. Clichê amoroso(o do amor impossível entre pessoas de classes sociais diferentes) que sempre teve lugar garantido na produção da indústria cultural, desde o advento do ultra-romantismo até as novelas de televisão dos nossos dias. É que a primeira classe sempre soube como criar e preencher o imaginário da terceira. Para isso, aquela é competente e essa, besta.

        Esta leitura autorizada a ver a intensificação da alegoria no descaso da primeira classe diante dos aviso de icebergs à frente...Ora, não é difícil ver, também ali, uma alusão indireta a própria estupidez do homem, ao qual não basta o que as comunidades cientificas vêm dizendo a respeito da destruição da Terra... Os mananciais de água potável estão secando... As florestas pegam fogo... As pessoas se agridem como se fossem feras... Mesmo assim, reluta-se em desviar do itinerário do navio...

        ...Até quando?
 
 

"Não são as circunstâncias que fazem o homem,
mas sim, como ele as reage"
- Wagner Assis
 
 
 
 
 
 

Hosted by www.Geocities.ws

1