PATATIVA DO ASSARÉ                                                            Voltar


PERFIL

        A pequena cidade de Assaré, encravada na região do Cariri no sul do Ceará, a 580 quilômetros de Fortaleza, seria anônima tanto quanto outros povoados não fosse a terra de Antônio Gonçalves Filho, o Patativa do Assaré (foto) . Maior poeta vivo do sertão é dono de uma obra formada de milhares de poemas e de uma lucidez que compensa as marcas deixadas pelo tempo no seu corpo pequeno e frágil. Ele quase não enxerga, ouve pouco e caminha com dificuldade. Mas o mundo dos homens pulsa na sua intuição de poeta e sertanejo. E é com essa sensibilidade duplamente aguçada de artista e caboclo que consegue ver e cantar o país, o Nordeste e sua gente. Um canto de uma agudeza implacável. A obra de Patativa ultrapassou os limites do cancioneiro popular. O poeta tem vários livros editados e deles, Cante Lá  Que Eu Canto Cá, publicado pela Vozes, está praticamente esgotado depois de sete edições. Sua poesia saltou duas barreiras monumentais. A do preconceito cultural e o muro de pedra da Chapada do Araripe, que envolve a cidade de Assaré. Ela decolou das feiras da caatinga para invadir o espaço urbano e tornar-se conhecida no resto do mundo. Hoje, os versos de Patativa são estudados em várias universidades, até no curso de literatura popular universal da Sorbonne, de Paris, uma das mais importantes escolas do mundo.
       O que diferencia sua arte da literatura de cordel tradicional nordestina não é apenas o esmerado do verso, mas especialmente a temática. O poeta elegeu o sertão pobre como personagem de sua lira e não faz concessões. Numa linguagem rude "linguagem de caboclo", como ele próprio denomina, investe contra o "Brasil de cima" em defesa do "Brasil debaixo". As utopias sertanejas de um nordeste sem seca e de colheita farta também povoam sua obra. Mas o que a distingue mesmo é a atualidade cortante da temática social, uma quase obsessão do "velho bardo do Cariri", como dizem os estudiosos de sua arte. Patativa não idealiza o passado e, mesmo quando se deixa seduzir por certo bucolismo setanejo, a realidade nunca abandona suas rimas. Ele conhece o mundo de que fala e sabe que não é um espaço de delicadezas.
            Casado há quase 60 anos com dona Belinha, ele aparentemente não deixa herdeiros de sua arte. Cinco dos sete filhos continuam na roça, no mesmo sítio da serra de Santana que lhe foi deixado pelo pai, Pedro Geraldo da Silva, de quem herdou também o gosto pela escrita e pelo verso. Mesmo trôpego, a visão sombreada, Patativa não abandonou o hábito de passear pelas ruas de Assaré, onde é reconhecido e cumprimentado a cada passo. No bar de dona Zenilda, onde se come a melhor lingüiça caseira do Cariri, ele recebe o carinho dos sertanejos vindos das encostas do Araripe para a feira semanal da cidade. Os mais corajosos se aproximam para um abraço; os tímidos acompanham sua lenta caminhada como o olhar vasado de ingênua admiração. Numa roda que se forma perto de uma barraca de cebola e legumes, Patativa atende a vontade popular, pede silêncio e anuncia o poema "Reforma Agrária". É o tema de sua vida, marca registrada desse cearense baixo e atarracado, de voz grave e compassada. Ele tem centenas de versos sobre a presença do latifúndio, do agregado e dos sertanejos pobres da história nordestina. Um dos mais belos diz que a terra é como vento, a chuva, o sol e a lua - "um bem comum para ser repartido". Mas alerta quem ouve com religiosa atenção:
 

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Texto retirado da edição de setembro/94 da revista GLOBO RURAL
 
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