¨... and we are young
wandering the face of the Earth
wondering what our dreams might be worth
learning that we're only immortal for a limited time...¨
¨Dreamline¨ (de ¨Roll the Bones¨, 1991)
Quatro
de julho, ¨Independence Day¨ na terra do tio Sam, feriadão
prolongado, verão quente dos infernos. Mas o que importa mesmo
é que ontem foi 3 de julho, dia do show da banda canadense Rush
em Virginia Beach, e eu estava lá. O que eu vou tentar fazer agora
é o que não pode ser feito: colocar em palavras como foi
aquilo pra um fã como eu. Afinal, não é sempre que
a gente realiza um sonho que achava que nunca iria deixar de sê-lo...
Primeiro, chegar até lá
Viginina Beach fica a 100 milhas (160 km) de Richmond. O show
estava marcado pras 7:30, então saí daqui eram 4:15, uma
boa idéia ao se considerar que era véspera de um feriado
de 4 dias e teria uma, digamos, ¨razoável¨ quantidade
de carros se dirigindo ao litoral. Dito e feito, cheguei lá às
7:10, vinte minutos antes do início marcado do show. Mas isso
por que me arrisquei a pegar um caminho alternativo pra fugir de um congestionamento,
uma vez que painéis na estrada avisavam de um atraso de cerca
de 30 minutos no túnel da I-64 (a gente tem de passar por baixo
da baía de Chesapeake pra chegar lá, e a vista da água
é linda na longa ponte que leva ao túnel, tipo uma ponte
Rio-Niterói só que mais perto da água). Não
se pode dizer que eu estava exatamente tranqüilo com essa história
de desvio, uma vez que só tinha ido a essa cidade uma vez, com uma
turma, e não conheço nada na área. Mas deu tudo certo
e eu estava lá com 20 minutos de folga - se tivesse calculado não
teria encaixado tão certo.
Estando lá...
Agora era encontrar minha cadeira - sim, show com cadeira,
como a Carol tinha me contado anos atrás quando ela assistiu a
um show do Rush aqui nos Isteites - K23 do setor 102. Where the hell...
Bom, show com cadeira é uma coisa meio decepcionante, especialmente
para um rato de pista como eu, mas no caso eu não estava me
importando muito - esse seria um show que exigiria concentração,
não iriam sobrar muitos recursos pra agitar e etc. (embora em alguns
momentos mais pesados e/ou empolgantes tenha sido inevitável). Resumindo,
eu devia estar a uns vinte ou trinta metros do palco, e obviamente assisti
ao show todo de pé, como a grande maioria (alguns manés,
sempre tem, sentaram durante algumas músicas mais calmas e/ou desconhecidas).
A galera já começou a gritar quando tiraram o pano
de cima da bateria, e que bateria linda. As ferragens todas douradas,
peças que não acabavam mais (e acreditem, o cara usou
tudo), acústico e eletrônico tudo misturado, depois deu
pra ver direitinho no telão. A pele de retorno do bumbo tinha a
bola incandescente que aparece na capa
do novo CD
, ¨Vapor Trails¨.
O telão era grande, com certeza mais de 10 m de largura,
talvez uns 15m (tomava uns 3/4 da largura do palco), e uns 4 m de
altura.
A aparelhagem do guitarrista ficava do lado esquerdo, os teclados
e microfone, do lado direito, e a bateria sobre uma plataforma. Bem simples,
nada mais que isso. O detalhe surreal eram três secadoras de roupa
daquelas de lavanderia
, com porta de vidro, à direita da bateria e logo atrás
do equipamento do baixista/ vocalista/ tecladista/ sei-lá-mais-o-que.
Eram umas 7:30 quando um cara da produção foi lá
e colocou uma moeda em cada secadora e as três começaram a
rodar (tinha luz dentro e dava pra ver tecidos rodando lá). Detalhe:
cada secadora tinha um microfone no chão, em frente (um tipo ambiente
e dois direcionais). Vai saber...
Finalmente, o show
Eram 7:42 quando apagaram as poucas luzes acesas (afinal, o pavilhão
é coberto mas entra muita luz diurna pelas laterais abertas, e
foi sutil a mudança) e lá do fundo do palco foram entrando
uns caras - quem estava distraído pode até ter achado
que eram mais roadies pra terminar alguma regulagem ou coisa do gênero.
Mas com o barulho do povo tal impressão passaria rapidinho - eram
os três integrantes de uma das bandas mais idolatradas, e a platéia
deixou isso bem claro pra quem por acaso estivesse lá de bobeira,
só acompanhando alguém. Entrada simples, sem firula. O único
detalhe é tema tradicional que toca de fundo. Eles vão tomando
suas posições e o guitarrista coloca três bonecos sobre
seu conjunto de amplificadores enquanto ao fundo toca a música tema
dos Três Patetas. Acho que eles fazem isso em todos os shows, pois
tenho um CD de um show gravado mais de 15 anos atrás (¨A Show
of Hands¨) em que eles fazem exatamente a mesma coisa. O telão
mostrou de perto, mas nem precisava - os bonecos eram os próprios
Três Patetas, e assistiram ao show até o fim dali mesmo.
Só que desta vez, ao invés de ¨Big Money¨,
a música que começa no final do tema de abertura é,
oh glória, ¨Tom Sawyer¨! Já posso morrer tranqüilo,
vi isso (e muito mais) ao vivo. Bom, pensando bem ainda não posso,
não - falta ver o Eddie Van Halen, de preferência tocando ¨Eruption¨.
Talvez mais uma ou outra coisa também. Mas tô quase lá...
Acho que cabem aqui algumas apresentações, para aqueles
pobres coitados que não sabem de quem estou falando esse tempo
todo, e algumas rápidas análises da performance de cada um
dos integrantes da banda.
Os três Magos
Alex Lifeson (Guitarra
e Background Vocals - foto) - é o mais palhaço da turma, ficou
fazendo micagem e andando de lá pra cá o tempo todo. É,
dos três, o que mais mudou em relação a fotos de uns
anos atrás: tá bem mais gorducho, o mais cara de tiozinho,
o topo da cabeça loira ficando careca. Difícil reconhecer
o cara. Mas muito simpático. Obviamente tocou muito, e trocou de guitarra
diversas vezes. Na boa, com certeza mais de cinco guitas, talvez dez. O
cara preenche muito o espaço sonoro, não parece ser um guitarrista
só tocando. Não se costuma prestar muita atenção
nele e sua habilidade, por que guitarrista prodígio fazendo firula
tem um em cada esquina, mas o cara é bom mesmo, podem acreditar.
Geddy Lee (Vocal, Baixo e Teclados) - disputa apertada com
Alex pelo posto de mais palhaço, Geddy também não
parou quieto exceto pelo mínimo necessário pra cantar -
afinal, como vocalista que também toca baixo (e de vez em quando
sola no teclado), ele não pode pegar o mic e sair por aí
quando dá na telha. Mas sempre que não estava cantando ou
ao teclado, ele estava correndo pelo palco, imitando aquele passo do Angus
Young e/ou Chuck Berry (quem conhece sabe), perturbando o baterista carrancudo,
essas coisas. Sempre sorrindo, com aquele narigão maior do que nunca
e uns óculos pequenos, redondinhos à la John Lennon, só
que levemente escuros. Era também o que estava vestido mais ¨à
vontade¨, digamos assim: parecia pronto pra ir no mercado comprar
pão - tênis, calça larga marrom com aqueles bolsos
enormes, e uma camisa de flanela por cima de uma camiseta regata branca.
Da camisa de flanela ele se livrou mais tarde quando o show esquentou.
Geddy também trocou de baixo umas duas ou três vezes, mas
nada comparado a Alex. Ele também tocou violão numa versão
acústica de ¨Resist¨, do CD ¨Test for Echo¨. Não sei se é
por ter sido guitarrista no começo da carreira, mas ele toca baixo
de forma bem inquieta, umas bases complexas, dificilmente fica só
marcando tempo como muito baixista faz durante quase o tempo todo.
Neil Peart (Bateria - foto)
- o cara é uma máquina de tocar bateria, quase que literalmente.
E ele não sorriu NENHUMA vez no show, nem mudou a expressão
facial, seja durante uma base simples ou durante as viradas mais loucas
do solo (que deve ter durado uns 6 ou 7 minutos, mas pareceu tão
curto...). Bom, pra falar a verdade, apareceu um fantasma de um sorriso
no final de uma historinha surreal que Alex contou no meio de ¨La Villa
Strangiato¨, e algo um pouco mais próximo de interação
com o público quando saíram do palco no final, quando ele
levantou e ficou erguendo ora um braço, ora o outro, acenando e
agradecendo. Isso antes de sair correndo (literalmente) do palco - como
fizera antes, no intervalo e antes do bis. Ele estava de preto e com um
chapeuzinho sem aba, sei lá como chama aquilo - barrete, talvez (ver foto no link acima). Parece
que é mania dele, agora, por que fotos da turnê anterior,
do CD ¨Test for Echo¨, já mostravam ele usando isso. Mas
ele não está ficando careca como o Herbert Vianna, que tinha
o mesmo costume. Sei lá por que maluquice ele resolveu usar aquilo.
Como já disse antes, a bateria era maravilhosa e, no telão,
deu pra ver a quantidade insana de coisas que tinha ali, peças acústicas
misturadas com eletrônicas de diversos tipo, só de pratos acústicos
tinha nove ou dez, além de uns pratos eletrônicos mais pra
baixo que só dava pra ver pelo telão. E a bateria girava
ao redor de Neil de acordo com o que ele precisava acessar - e a galera
delirava, obviamente. Eu posso escrever horas aqui que vocês não
vão ter idéia do que é esse polvo tocando bateria
ao vivo, tem que ouvir e, de preferência, ver de perto - até
morto ele ainda vai tocar melhor do que 99,9999% dos outros bateras, pobres
mortais...
O
set list
E afinal, o que eles tocaram? Bom, me lembro de muitas músicas,
mas certamente não é tudo o que rolou. Tocaram umas duas
ou três que conheço, mas cujos nomes não me lembro,
e mais duas ou três que eu nunca tinha escutado. Quanto ao resto,
aí vai, fora de ordem pero no mucho:
¨Tom Sawyer¨ (a primeira
mesmo)
¨Distant Early Warning¨
¨Roll the Bones¨
¨New World Man¨
¨Vital Signs¨
¨Red Sector A¨
¨Secret Touch¨
¨Between Sun and Moon¨
¨YYZ¨
¨Earthshine¨
¨2112 - Overture¨
¨2112 - The Temples of Syrinx¨
¨Leave That Thing Alone¨
¨One little victory¨ (primeira depois do intervalo)
Solo de bateria
¨Resist¨ (versão acústica);
¨Limelight¨
¨Dreamline¨
¨Big Money¨
¨La Villa Strangiato¨ (aqui,
no meio da música, Alex conta, com seu sotaque francês e falando
rápido e quase sem pausas, uma história completamente louca
e surrealista de aventuras num zôo na Alemanha (!?), e a conseqüente
ida à cadeia (!?!!), antes de chegar ao palco pra tocar...)
¨Spirit of Radio¨ (última antes do bis)
¨By-Tor And The Snow Dog¨
¨Cygnus X-1¨
¨Working Man¨ (a última mesmo)
Obs.: Se você não conhece nada de Rush,
destaquei em vermelho algumas sugestões por onde ter uma idéia,
clássicos indispensáveis, digamos (se você lembra da
abertura do ¨Profissão Perigo¨, do McGyver, aquele cara que
explode uma barragem com um canudo, uma caneca e uma goma de mascar usada,
você já ouviu Rush e nem sabe - aquilo é ¨Tom Sawyer¨)
. Pra falar a verdade, eu recomendaria todas, mas como é só
pra começar... :-)
Certamente tem mais algumas que me fogem agora, provavelmente um total
de 30 músicas, mas é por aí.
Os jogos de luzes em geral foram lindos, muito legais. Um truque de que
gostei particularmente foi um com lasers e gelo seco, simples mas muito
legal: dois leques de laser de baixa potência passando pela nuvem
do gelo seco dão uma imagem de nuvens em 3D se movendo no meio do
palco, só que verdes ao invés de brancas.
O telão era um show a parte, uma definição
absurda de imagem. A maior parte do tempo, mostrava imagens abstratas e
animações, às vezes misturando com os músicos.
E às vezes só mostrava mesmo closes da performance da banda.
E em duas ou três musicas, mostrou algum vídeo.
No meio disso tudo, teve um intervalo (!?) de vinte minutos.
Coisa estranha, show de rock com intervalo, as luzes acesas (agora tinha
escurecido lá fora), o povo saindo pra ir comprar coisa pra comer
e beber, etc. Bom, ¨when in Rome, do as the Romans do¨, mas eu
não saí da minha área.
A volta desse intervalo é que foi o interessante. O telão
não foi desligado, ficou escuro, mas ligado, e um barulho ficou
de fundo. Com o tempo, o barulho foi aumentando de volume, e deu pra perceber
que era um ¨barulho noturno¨, grilos e quetais. E o telão,
notei depois de não sei quanto tempo, estava clareando. Estava amanhecendo,
entendi depois de mais uns minutos! E o barulho noturno ia diminuindo,
e a tela clareando, o sol quase surgindo. Até que amanheceu (e as
luzes do pavilhão foram apagando), e os músicos voltaram.
Aí a ação começou no telão: uma ¨câmera
voadora¨ vai entrando no cenário, meio estilo ¨Nordeste
na seca¨, e pára mostrando o chão rachado. Aí um
pé de dinossauro pisa nesse chão, e outro. A câmera
afasta e não é um dinossauro, mas um bando de dragões.
Um deles, com cara de líder, acende um charuto (!?) e dá
umas duas baforadas antes de olhar pra câmera e, previsível,
cuspir chamas na nossa cara. Mas o legal foi o imprevisível - ao mesmo
tempo que o dragão cuspia fogo, uns dez lança-chamas colocados
escondidos entre a banda e o telão produziram uma cortina de fogo
de cerca de 5 ou 6 metros de altura, a julgar pelo tamanho dos músicos,
por uns 2 segundos. Dava pra sentir o bafo quente lá de onde eu estava,
imagine no palco... O fogaréu foi o gatilho da música ¨One
Little Victory¨ (começa com a bateria detonando), principal
¨música de trabalho¨ do novo CD, que aliás é
bem diferente do habitual do Rush - é mais pesado, bastante guitarra,
e não tem nenhum teclado.
Uma das partes mais aguardadas do show, o solo de bateria, não
decepcionou. Afinal, era o melhor de todos os tempos que estava sentado
ali no meio daquela tralha toda. E a bateria girando de vez em quando.
Foi muito bonito, e ele usou uma parte de ¨The Rhythm Method¨,
solo gravado no CD ao vivo ¨A Show of Hands¨ - pra quem conhece,
é a parte dos xilofones, que ele faz em uns pads de percussão
eletrônica que eu nunca tinha visto. Na parte final, ele faz uns
¨teclados¨ na bateria, e o negócio se funde com uma música
estilo ¨big band anos 40¨, com um vídeo muito engraçado
no telão, coletânea de coisas daquela época em PB,
e de vez em quando o próprio Peart ao vivo, também em PB,
pra combinar... E ele detonando no acompanhamento da música. Sem
noção.
Quanto às três secadoras de roupas (que de vez em quando
paravam de rodar, e lá ia um cara da produção colocar
moedas pra começar a funcionar de novo), não sei em que
música elas tocaram. Mas na volta para o bis, Alex e Geddy (Neil
correu pra bateria e ficou esperando a hora de trabalhar) abriram uma
secadora cada um, pegaram os panos que estavam lá e jogaram pro
público.
Sorry, time to go back home...
O show acabou de vez eram umas 10:45, e o povo foi saindo, feliz
(pelo menos era o tom dos comentários que consegui entender, alguns
¨impublicáveis¨...). Não lotou completamente, mas
devia ter umas 10 mil pessoas lá, então levei um certo tempo
pra sair - do pavilhão e do estacionamento. Esperei a muvuca acalmar
e aproveitei pra pegar uma fila e comprar uma camiseta e um poster, claro,
por que tão memorável ocasião não poderia passar
sem uns souvenirs.
Agora era passar em algum 7-Eleven da vida, comprar algumas porcarias
pra comer e um litro de Coca pra beber, e voltar feliz pra Richmond. Ou
seja, 2 da manhã eu estava na minha cama.
That's all, folks! Espero que tenham sobrevivido até aqui
e que eu tenha sido capaz de fazê-los sentir pelo menos um pouco
do gostinho do que foi tudo aquilo.
Inté
J
Depois de uns dias de escrever isso, achei um site chamado Vapor Trails Tour Spoilers, algo como os "estraga-prazeres da Tour Vapor Trails". Tem várias outras informações que não coloquei aqui.