Ernesta Tomaelo
Vó
25/03/1.915 - 08/09/2.003


Hoje terminou o sofrimento iniciado naquele 27 de maio, 1.999. A manhã em que a Vó Ernesta teve o derrame (provavelmente decorrente da diabetes) que a deixaria com o lado direito do corpo paralisado. A manhã responsável por colocá-la pela primeira vez na vida em um hospital, aos 84 anos. Por colocá-la na cadeira de rodas (o "carrinho", segundo ela). Conto aqui um pouco do que me lembro e mostro algumas poucas fotos que trouxe comigo para o exterior.

Vó no Sítio No Sítio, tomando sol no quiosque.

Me lembro bem: eu, chegando em casa no fim do dia, encontro minha mãe e minhas irmãs de saída. E lá vou eu junto. A Vó estava no hospital, com meu pai. Ela passara boa parte do dia lá, fazendo exames, em observação. Minha mãe disse que notou a boca torta pela manhã e correu com ela. Mais tarde ficou sabendo de uma queda no banheiro, também. Mas ao chegarmos ao hospital, a surpresa - ao menos para mim. Ela estava sentadinha, assistindo à TV. A boca estava meio estranha, sim, e a fala um pouco arrastada. Mas nada de assustador. O assustador seria a manhã seguinte. Ela não acordou - e não abriria os olhos pelos próximos dias - e sua fisionomia estava completamente mudada. Perdera o tônus muscular, parece, envelheceu uns cinco anos em uma noite. Achávamos que ela nunca mais acordaria.

Mas com o passar do tempo, ela começou a mostrar resposta ao som do que falávamos (embora não abrisse os olhos), e a mão esquerda não parava quieta. Ao final de alguns dias, saiu do hospital. Ela era muito forte, esse foi o seu problema. Agüentou mais de quatro anos naquela situação. Logo ela, que dizia querer morrer rápido, para não dar trabalho pra ninguém.


Foram anos em que minha mãe ganhou uma hérnia de disco. Minha irmã, mais jovem e forte, pelo menos escapou de conseqüências físicas do esforço que era, várias vezes por dia, levantar a Vó, da cadeira pra cama, pro banho, pra cadeira de novo, etc. Não há nem como agradecer a elas por toda a dedicação. Grande ajuda também foi a Joana, que por boa parte desse tempo esteve lá em casa ajudando a cuidar da Vó durante o dia. Ela gostava da Joana, e isso diz tudo.

Esta manhã, ela não acordou. Ao notar a respiração ofegante e irregular, logo cedo, meus pais tentaram chamar socorro. Mas não deu tempo, e aproximadamente às 11 da manhã as terríveis dores pelo corpo, as coceiras, as noites acordadas na cama chamando pela mãe (a dela) e os dias dormindo na cadeira finalmente acabaram.

Ela sempre foi forte. Criou sete filhos praticamente sozinha depois que meu avô João Pereira morreu, ataque cardíaco fulminante, por volta de 1.954. O filho mais novo, João Roberto, tinha um ano de idade. A mais velha, Mercedes, menos de 18. Dois outros filhos morreram prematuramente, não sei ao certo a história.

Família Pereira
A família Pereira, em Getulina. Estimo que essa foto seja de 1.948, mais ou menos, pela idade aparente de meu tio José Roberto (o pequeno sentado). É a mais antiga que já vi na família. Ainda faltavam ali minha mãe, Darci, e meu tio João Roberto. Da esquerda pra direita: Mercedes, Eurico (falecido alguns anos atrás), Ernesta, José Roberto, Maria Aparecida, João Pereira (imigrante português) e Meire (hoje bisavó!). A Vó tinha entre 30 e 35 anos de idade, e já tinha tido sete filhos - cinco sobrevivendo. Para quem a via na cadeira de rodas, notem um detalhe curioso -  a mão direita, na mesmo posição que ela costumava manter.

Tomaelos et al.
Uma boa parte da família reunida. Os dois últimos sentados à direita eram os pais da Vó Ernesta: os imigrantes italianos Maria Zupello e Agostinho Tomaelo. Pela idade da minha mãe (lá na sombra à direita), uns 10 anos, essa foto deve ser do início dos anos 1.960. Suas filhas Mercedes, Cidinha e Meire também podem ser vistas na foto, assim como a sobrinha Bia e seu marido Bilim (?), e seu irmão João. No detalhe ampliado, abaixo, pode-se ver melhor o tio João Tomaelo (último à esquerda, falecido há muitos anos) e a Vó Ernesta, ao lado dele.
Detalhes tão pequenos...

Três
Da esquerda: Anita (irmã), Vó Ernesta e Maria (mãe), pouco depois da morte de Agostinho Tomaelo. Ela tinha ainda uma outra irmã, Pierina, que não cheguei a conhecer nem nunca vi em fotos (mas me lembro de quando ela morreu). A foto deve ser de algo entre 1.965 e 1.970. Sei que Maria faleceu por volta de 1.974, não me lembro ao certo se antes ou depois.

Varanda
Na varanda do Sítio, lugar de que gostava muito, pois aqui ela podia andar e ver as plantas e os animais. Colocava um chapéu de palha (que minha mãe sempre chamava de "aquele chapéu horrível de Santos Dummond") e saía a passear.

Nóis
Num início de março alguns anos atrás, provavelmente 98 ou 99. Era meu aniversário e estávamos tirando fotos com todo mundo. A Vó, sua filha Darci, eu com Bendj, e João. Segundo a tia Mercedes, as primeiras coisas que ela perguntou no hospital ao recobrar a consciência foram "como está Geiza" (minha irmã) e "cadê meu cachorrinho" (o Bendj), que ela costumava levar para passear na coleira quando íam para a Praia Grande. Ela era a única pessoa com quem ele não puxava a corrente. Era engraçado, a cada alguns passos ele olhava para trás, para ver se ela estava acompanhando. Ele só é comportado assim com um outro membro da família, a Geiza.

Vós Reunion
Com minha outra avó, Antonia Spinoza, por volta de 1.997.

A Vó Ernesta foi provavelmente a pessoa mais bondosa que encontrei na vida. Os outros estavam sempre em primeiro lugar. Ela nunca começava a comer sem se preocupar se a gente já tinha se alimentado (típica nonna, realmente), mesmo quando a senilidade já estava mais avançada e ela ia voltando a um estado cada vez mais infantil. A preocupação dela era sempre saber como estava o serviço, se estava tudo bem, se já tinha tomado café, almoçado, etc. E ela assegurava que não tinha problema, ela iria preparar algo, "esquecendo" que estava na cadeira. Aliás, essa foi uma constante nos três primeiros anos após o derrame: ela sempre queria ir lavar roupa, cozinhar, arrumar as camas, fechar portas e janelas (o medo de bichos, "uns mosquitões desse tamanho" e ladrões), qualquer coisa. Fazia até o movimento de levantar da cadeira de rodas. Não é de se espantar que ela quisesse fazer essas coisas, foi o que fez a vida toda, cuidar da família. Primeiro, dos filhos. Depois, dos netos, tendo morado conosco desde 1.981 até o fim.

Com Meire





Com a filha Meire, em um fim de semana em que o pessoal de Getulina/ Lins foi vê-la no Sítio, pouco antes de minha prima Luciana e família iriem morar no Japão.


Com Mercedes Com a filha mais velha, Mercedes.


E com o bisneto Pedro Ernesto.Com Pedro

Aniversário
Em um aniversário em que ela ainda cantava o parabéns junto, animada com o bolo.

Com Geiza Com a neta Geiza, com quem sempre se preocupou. No final, Geiza ajudou a cuidar da Vó, servindo-lhe refeições muitas vezes e fazendo-lhe companhia.

A Vó sempre foi de temperamento muito doce. Incrivelmente, não me lembro de tê-la visto se queixar nesses anos de cadeira de rodas. Nunca reclamou da vida, diretamente. Claro que reclamava das coceiras e das dores - especialmente no último ano, quando perdeu cada vez mais a lucidez. Mas enquanto teve controle, manteve para si mesma a maior parte do que se passava. Era até um certo alívio quando ela tinha seus surtos de "loucura" e falava coisas malucas e engraçadas, por que imaginávamos que, não estando lúcida nem pensando na sua situação, estaria sofrendo menos. Sempre mostrava genuína alegria quando recebia visitas, e nunca vou esquecer dos momentos em que ela me viu e ficou bem alerta no final de 2.002, quando fui ao Brasil passar o ano novo. Ela disse algo do tipo "nossa, há quanto tempo que você não vem aqui! onde você estava?", riu e conversou por mais alguns minutos e voltou ao estado meio sonâmbulo que era cada vez mais comum e que ficou constante nos últimos meses. Foi a última vez que eu a vi lúcida, acho. Nem quando me despedi para pegar o avião de volta ela conversou e ficou esperta (o que meu pai, que ela idolatrava, chamava de "cara de passarinho", que era realmente muito engraçada).

Deixou uma irmã, seis filhos, 19 netos, mais de 16 bisnetos (já perdi a conta) e uma tataraneta!

Sentimos muita saudade.
Marcelo.
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