Fernando Pessoa
( Ilustração de Extractos da "Mensagem" )
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Deus quere, o homem sonha, a obra nasce,
Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente,
Quem te sagrou criou-te português.
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O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis Movimentos da esp'rança e da vontade, Buscar na linha fria do horizonte A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte - Os beijos merecidos da Verdade. |
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A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus Que, da obra ousada, é minha a parte feita: O por-fazer é só com Deus. E ao imenso e possível oceano
E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
13-9-1918 |
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Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer três vezes: "Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um Povo que quer o mar que é teu; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!" 9-9-1918 |
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Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro, O mar é o mesmo: já ninguém o tema! Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro. |
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Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca O Longe e faz dele história. E por isso a sua glória É justa auréola dada Por uma luz emprestada. 2-4-1934 |
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Com duas mãos - o Acto e o Destino -
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu Uma ergue o fecho trémulo e divino E a outra afasta o véu. Fosse a hora que haver ou a que havia
Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
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Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada, Pulso sem corpo ao leme a guiar As naus no resto do fim do espaço: Que até ausente soube cercar A terra inteira com o seu abraço. |
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Os deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspendem de repente o ódio da sua guerra E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus, Primeiro um movimento e depois um assombro. Ladeiam-o, ao durar, os medos, ombro a ombro, E ao longe o rasto ruge em nuvens e clarões. |
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Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu. |
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Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta Que teve? Deus guarda o corpo e a forma do futuro, Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro E breve. Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
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Senhor, a noite veio e a alma é vil. Tanta foi a tormenta e a vontade! Restam-nos hoje, no silêncio hostil, O mar universal e a saudade. Mas a chama, que a vida em nós criou,
Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -,
31-12-1921
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'Sperai! Cai no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus Para o intervalo em que esteja a alma imersa Em sonhos que são Deus. Que importa o areal e a morte e a desventura
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Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar, Sem que um sonho, no erguer de asa, Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar! Triste de quem é feliz!
Eras sobre eras se somem
E assim, passados os quatro
Grécia, Roma, Cristandade,
21-2-1933 |
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Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado, E ergue-te do fundo de não-seres Para teu novo fado! Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,
19-1-1934 |
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São ilhas afortunadas,
São terras sem ter lugar, Onde o Rei mora esperando. Mas, se vamos despertando, Cala a voz, e há só o mar. 26-3-1934 |
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Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa? Na Cruz Morta do Mundo A Vida, que é a Rosa. Que símbolo divino
Que símbolo final
21-2-1933
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Que jaz no abismo do mar que se ergue?
Nós, Portugal, o poder ser. Que inquietação do fundo nos soergue? O desejar poder querer. Isto, e o mistério de que a noite é o fausto...
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Haverá rasgões no espaço
Que dêem para o outro lado, E que, um deles encontrado, Aqui, onde há só sargaço, Surja uma ilha velada, O país afortunado Que guarda o Rei desterrado Em sua vida encantada? 15-2-1934 |
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Queremos ir buscá-los, desta vil
Nossa prisão servil: É a busca de quem somos, na distância De nós; e, em febre de ânsia, A Deus as mãos alçamos. |
Fotografias tiradas na Torre de Belém em 21 e 25 de Fevereiro
de 1991.
Colocado na Internet em 29 de Novembro de 1999.
LINKS:
Fernando Pessoa e seus heterónimos
Fernando Pessoa (1888-1935), Instituto Camões
Fernando Pessoa, Projecto Vercial
Visita
guiada à Torre de Belém
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Em inglês
Message by Fernando Pessoa, tradução de Mike Harland © 1997
Isabel Monteiro on Fernando Pessoa
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"O Marinheiro. Drama estático em um quadro"
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Última actualização: 20 de Março de 2000