Envolta em mistérios de acesso antigamente restrito apenas
aos homens, o termo Cabala já teve má reputação na
língua portuguesa, vinculado a conceitos de maquinação
secreta e até à magia negra. Mas ela nada mais é do que uma
corrente mística da religião judaica que busca levar o homem
para mais perto de Deus.
Cabala
Cabala é o conhecimento esotérico da Torá (Pentateuco).
Enquanto as interpretações literais, legislativas e
homiléticas (que trata da composição e do pronunciamento de
sermões) eram de domínio de todos os judeus, inclusive os
mais simples, a interpretação mística - Cabalá - só
pertencia à elite, sendo transmitida de geração em geração
apenas para alguns justos eruditos e privilegiados. Porém,
uma grande mudança ocorreu a partir do Rabino Yitschak Luria
(1534-1572 d.e.c.) que, por meio de seus ensinamentos, fez a
Cabalá chegar a todos que tinham espírito e comportamento
adequados para entender as alegorias contidas nesta ciência.
A Cabala é uma das correntes místicas do judaísmo. O termo
significa literalmente recepção e, por conseqüência,
tradição. O primeiro cabalista seria o patriarca Abraham,
que viu as maravilhas da existência humana, perguntou
questões ao Criador e os mundos mais elevados foram
revelados a ele. O conhecimento que ele adquiriu e o método
que ele usou para aprende-lo foram passados para seus
descendentes e a Cabala foi sendo transmitida oralmente
durante séculos.
O primeiro trabalho sobre a Cabala, o Sefer Yetzirah, o
Livro da Criação, é atribuído a Abraham. Este texto básico
da Cabala explica os 32 caminhos da sabedoria que foram
utilizados no processo da Criação. Estes caminhos estão
incluídos nas dez Sefirot, as luzes divinas, que agem como
canais criativos e conscientes da criação, e nas 22 letras
do alfabeto hebraico. As letras são os alicerces, os vasos,
e incluem todas as combinações e permutações através das
quais Deus criou o mundo com palavras. A Cabala ensina que
as palavras, combinações e permutações de letras são vasos
através dos quais o processo criativo se realiza.
"A Cabala procura essencialmente descobrir a origem de tudo
o que existe: o mundo, o ser humano, a vida, a morte, e
elevar o ser humano espiritualmente para ele poder entrar em
contato com Deus"
Rabino
Yehuda Busquila, da Congregação Israelita Paulista.
Sete gerações depois de Abraham, no Monte Sinai, a Torá -
nome pelos qual a Bíblia é chamada pelos judeus - foi
entregue em duas dimensões a Moisés: a parte pública, que
nós conhecemos, com o corpo de leis que expressam as
vontades de Deus e que compõem o Pentateuco, e uma parte
secreta, com a compreensão dos segredos da criação.
Ao longo dos séculos a busca pela Cabala seguiu um movimento
pendular, partindo de períodos de grande interesse e
produção cabalística para períodos em que ela ficou
totalmente restrita a pequenos círculos de estudo.
De acordo com a tradição, o primeiro grande período de
sistematização deste conhecimento ocorreu durante o século
III, quando o livro Zohar ("Livro do Esplendor") teria sido
escrito pelo rabi Shimon Bar Yochai (150 D.C -230 D.C), o
Rashbi, pupilo do rabi Akiva ( 40 D.C - 160 C.E). Bar Yochai
e quatro outros foram os únicos a sobreviverem ao massacre
de 24 mil discípulos de Rabi Akiva, sendo autorizado por ele
e pelo rabi Yehuda Bem Baba a ensinar a Cabala às gerações
futuras. Após a prisão de rabi Akiva, o Rashbi escapou com
seu filho, Eliezer. Ambos ficaram escondidos em uma caverna
por 13 anos, de onde saíram com o Zohar, livro escrito em
forma de parábolas e em aramaico, língua que era falada nos
tempos bíblicos e que seria o lado oculto do hebraico. O
Zohar explica que o desenvolvimento humano é dividido em
6000 anos, durante o qual as almas seguem um contínuo
processo de desenvolvimento a cada geração. No fim do
processo, todas as almas alcançam a posição chamada "o fim
da correção", o mais alto nível de espiritualidade e
completude.
Shimon Bar Yohai foi um dos grandes de sua geração. Ele
escreveu e interpretou muitos temas cabalistas e é
conhecidos até hoje. Entretanto, de acordo com a lenda, o
Zohar desapareceu depois dele, sendo mantido escondido em
uma caverna nas vizinhanças de Safed em Israel. Achado
depois pelos árabes que residiam na área, o Zohar foi
reconhecido por um cabalista de Safed, que havia comprado um
peixe embrulhado naquele papel de incalculável valor no
mercado. Depois de comprar o resto daquela páginas
preciosas, ele as reuniu em um volume. Somente no século
XIII é que estes escritos vieram à luz, publicados pelo
Rabino Moisés de Leon, de Castela, durante o florescimento
da Cabala na Penísula Ibérica. Até então o estudo do Zohar
vinha sendo conduzido secretamente por pequenos grupos. Hoje
em dia, estudos mais acadêmicos, como o de Gershom Sholem,
apontam que o autor de fato do Zohar teria sido o próprio De
Leon.
Outro grande momento da Cabala foi o período de Ari, o rabi
Yitzhak Luria. Nascido em Jerusalém, mas criado no Egito,
ele trabalhava com comércio, mas devotou grande parte de seu
tempo ao estudo da Cabala. Uma lenda conta que ele passou
sete anos isolado na ilha da Roda no Nilo, onde além do
Zohar estudou livros dos primeiros cabalistas e escritos de
outro grande sábio de sua geração, o Rabi Moshe Cordovero, o
Ramak.
Em 1570 ele foi para Safed, em Israel. Bastaram somente dois
anos, já que ele morreu em 1572, aos 38, para que Luria
tivesse sua grandiosidade reconhecida a ponto de todos os
estudiosos de Safed terem ido estudar com ele. Exemplos de
seus escritos famosos são "A Árvore da Vida", "O Portal das
Intenções", "O Portal da Reencarnação". Em seus estudos, Ari
desenvolveu o primeiro mito cabalista conhecido, que
compreende o primeiro auto-desenvolvimento de Deus, a
criação do universo e da humanidade, as origens do mal e, o
mais importante, um método para reparar o mal (tikkun) e
restaurar a unidade original de Deus e da criação. No fim,
ele instituiu um sistema elaborado de meditação e práticas
rituais para conectar a humanidade com o divino. Alguns dos
hinos e práticas da escola de Luria são usados até hoje.
Através da larga publicação do trabalho de seus discípulos,
a Cabala de Ari se espalhou por todo o mundo judaico,
tornando-se não somente a forma mais aceita da Cabala, mas
de todo o Judaísmo, na medida em que isso é possível.
"A religião judaica incorporou muito da parte mística",
explica o rabino Adrian Godfrid, da Comunidade Shalom, de
São Paulo. Segundo ele, o serviço de sexta-feira à noite,
realizado em todas as sinagogas do mundo, o chamado Kabbalah
Shabat, foi instituído pelos místicos de Safed. Até mesmo um
dos hinos mais conhecidos deste ritual, o Leha Dodi, foi
concebido por Shlomo Alevi, um destes místicos, durante um
transe.
No século XIII, foi a vez do movimento Hassídico inspirar
nova vida no misticismo judaico, tornando-o acessível para
uma larga audiência. O Hassidismo vem da palavra hebraica
hasid, que quer dizer pio, e é baseado nos ensinamentos do
curandeiro judeu polonês Israel Bem Eliezer (1700-1760),
conhecido como Baal Shem Tov. Ele ganhou o respeito dos
judeus pobres e oprimidos socialmente por insistir que a
melhor maneira de alcançar Deus não era através do estudo
avançado do Talmud ou das complicadas fórmulas de meditação
de Luria, mas pela prática simples e sincera da devoção na
reza, associada a alegres canções, danças e histórias.
Embora ele não fosse rabino, Shem Tov conseguiu atrair
muitos rabinos para seu círculo. Após duas gerações,
centenas de rabinos elaboraram os ensinamentos de Shem Tov,
atraindo mais discípulos e fundando "dinastias" de sucessão,
assim promovendo o nascimento do movimento hassídico. Na
época do auge deste movimento, quase todo grande rabino era
um cabalista. Com o passar dos anos, o hassidismo foi se
tornado exatamente o contrário, esquecendo-se de sua fonte
original e tornando-se praticamente indistinguível do
judaísmo tradicional. Junto a esta descaracterização da
essência do hassidismo, a crescente secularização do
judaísmo contribuiu novamente para isolar o misticismo
judaico, cujo interesse veio a renascer novamente no final
do século XX.
Fonte:
Congregação Israelita Paulista