Para entender verticalização
Paulo Kramer*
Antes de
mais nada, queira o leitor Custódio Toscano Costa desculpar o atraso com
que respondo às questões sobre verticalização.
Por esse mecanismo, o partido que participa da coligação para a
candidatura presidencial X não pode se coligar com outro, que apóia a
candidatura presidencial Y, em nenhum estado.
A verticalização vigorou na eleição passada (2002). Tudo começou
com uma consulta do deputado Miro Teixeira ao Tribunal Superior
Eleitoral, então presidido pelo ministro Nelson Jobim. A pergunta:
partidos podem integrar, nos estados, alianças diferentes daquela que
celebrarem para a Presidência? A resposta de Jobim virou decisão
normativa com força de lei; por isso, continua em vigor enquanto o
Congresso não mudá-la.
Alguns teóricos da conspiração acreditam que a dobradinha, com Miro
consultando e Jobim respondendo, na verdade fora arquitetada por este
último para ajudar o então candidato do PSDB, José Serra, na crença de
que a força aglutinadora do partido do governo federal (FHC) influiria
nos arranjos políticos estaduais, fornecendo muitos palanques para a
campanha de Serra Brasil afora. Não funcionou.
Lembro que, nas palestras que proferi naquela época, eu dizia que a
verticalização era ótima para dois tipos de partidos: os absolutamente
fiéis, como o PT de então, ou aquelas siglas que adoram uma
infidelidade. Não estranhei, portanto, quando foram divulgados os
resultados das eleições para a Câmara dos Deputados: as maiores bancadas
foram as do PT (91) e do PFL (84). Lembrar que a Frente Liberal, depois
de o caso Lunus ter implodido a candidatura Roseana Sarney, ficou sem
candidato à Presidência, de maneira que houve líderes pefelistas
apoiando Serra e outros embarcando na canoa de Ciro Gomes, de acordo com
as alianças articuladas em cada estado.
Aliás, esse é um ponto importante para quem quiser entender a forte
resistência da maioria dos partidos à verticalização e o seu intenso
lobby para derrubá-la (desde os grandes, como o PMDB e o PFL aos nanicos
e seminanicos): as alianças políticas no Brasil, desde sempre, foram
feitas da periferia para o centro, isto é, quem faz política no plano
federal depende, para a sua sobrevivência eleitoral, de acordos firmados
nas bases estaduais e municipais, com a participação de prefeitos,
vereadores, deputados estaduais, governadores e outros grandes e
pequenos cabos eleitorais locais.
É verdade que, desde a Constituição de 1946, exige-se dos partidos
que tenham caráter nacional, em contraposição aos partidos estaduais da
República Velha (Partido Republicano Paulista, o PRP; Partido
Republicano Mineiro, o PRM, etc.). Mas, na prática, a teoria é outra.
Assim, uma mesma legenda poderá ser mais ou menos progressista, mais ou
menos fisiológica dependendo do estado.
Pois muito bem: por que Lula, que quer derrubar a verticalização,
abriu mais essa frente de conflito com os deputados de seu próprio
partido? Ora, o presidente está inseguro diante do cenário atual, em que
PSDB e PFL antecipam os preparativos de uma aliança oposicionista em
2006, e o PMDB agita enigmaticamente a bandeira do candidato próprio,
enquanto o PT, por ora, pode contar apenas com o apoio do PCdoB e do
PSB. Do ponto de vista de sua reeleição, o presidente está certíssimo,
porque, parafraseando a propaganda daquele banco, ninguém chega ao
Palácio do Planalto sozinho: Lula, FHC, Serra, Alckmin, Aécio, César,
Heloísa, Jefferson Péres, Cristovam Buarque, enfim, qualquer um que
pretenda disputar a Presidência da República precisa do apoio da grande
maioria do eleitorado, que é conservadora e cuja expressão política e
eleitoral são os partidos de centro e centro-direita.
O problema é que o tempo está passando rápido, e a inabilidade
crônica do governo para negociar com o Congresso poderá acabar mantendo
as coisas como estão – com verticalização.
Bem, e quanto aos teóricos da conspiração mencionados acima, convém
lembrar uma frase que os psicanalistas adoram repetir: até mesmos os
paranóicos têm inimigos.
* Professor de Ciência Política da Universidade de
Brasília (UnB) e analista da Kramer & Ornelas – Consultoria.