VII. OS PICHADORES
PR�LOGO
   Durante a ditadura militar os jovens encontravam v�rias formas de expressar  seu pensamento. A m�sica, com mensagens cifradas, era uma delas. Mas a mais democr�tica (nem todos podiam ser um Chico Buarque) era a via mural (literalmente), das picha��es.

   Em 1981, morando em Salvador, pude acompanhar a evolu��o de muitas destas manifesta��es. Ali assisti � repress�o, capitaneada pelo Sr. Antonio Carlos, passando por um Campo Grande feito em pra�a de guerra, ap�s o quebra-quebra de �nibus promovido por estudantes. Numa parede da Ladeira da Barra a resposta, pichada:
ACM = Abuso, Corrup��o, Mordomia...

  
Foi assim, no Col�gio S�o Paulo, onde estudava, que uma colega de Feira de Santana me contou que uns amigos pichavam muros l�, e assinavam "Chato", junto ao desenho do popular aracn�deo pubiano.

   De volta a Caetit�, cidade de muita tradi��o na cultura, e por isso mesmo perseguida pelo regime autorit�rio instalado no Pa�s, nada mais necess�rio que o envolvimento com movimentos culturais, ent�o marginalizados. Foi sob este clima que a gente viu a cria��o, pelo querido Arnoldo Paes, da Casa da Cultura; foi com esse esp�rito que eu e Nelsinho lan�amos uma chapa para o Centro C�vico do IEAT.

   Lembro-me, ainda, de um personagem criado por um pichador e que, nos passeios de �nibus em Salvador, acompanhava a trajet�ria. Seu nome era "Faustino", e o autor contava sua vida em p�blico: "
Faustino faz xixi no box", ou "Faustino tira meleca do nariz". Se n�o tinha cunho pol�tico, Faustino era puro non sense, uma cr�tica aos costumes e � burguesia... 
  Reunida no s�t�o, a Turma decidiu fazer picha��es. A agita��o era grande, e somente nesses per�odos de arma��o coletiva por ali apareciam o Nelsinho e o resto do pessoal. Tudo tinha de ser muito bem programado, para que n�o f�ssemos descobertos...
  A gera��o de nossos irm�os mais velhos, estes em f�rias por aqui, sempre marcavam sua passagem com frases ap�crifas nas paredes, em escritos e assinaturas copiadas dos lugares em que moravam, em estudo. Foi assim que Caetit� se via atacada Sin (assinado dentro de uma ma��); Glu e outros. Pudemos ler p�rolas como: Pobre quando v� queijo sabe que por a� tem ratoeira...

   Por minha sugest�o assinar�amos
Chato, como a minha ex-colega sugerira. Mas nossas frase estavam destinadas muito mais a incomodar, a chatear mesmo os poderes constitu�dos, fosse onde fosse, imbu�dos do mais puro sentimento iconoclasta, as frases foram sendo boladas e reunidas num caderno. A aquisi��o das latas de spray seria feita com o benepl�cito do filho do dono da loja, de nossa idade.

   Tudo perfeito, at� a chegada do
GRANDE DIA!

PARTE UM - AS PICHA��ES COME�AM
  Chegado o grande dia, reunimo-nos no s�t�o - onde o material estava guardado. Gilson aparecera com uma peruca (est� comigo at� hoje), mas desistiu de se disfar�ar depois que Tairone disse que ficava "a cara da m�e" dele. J� pensaram no resultao, no dia seguinte: "D. �urea foi vista pichando muros"... n�o dava, n�?
  Est�vamos eu, Bolivar, Tairone, Nelsinho, Dimas, Tib�rio e Solon. Entreguei todo mundo ou esqueci algu�m? Bom, o crime est� mais do que prescrito mesmo... A primeira frase, c�pia de outra que foi feita no mesmo local, foi em plena Pra�a, no muro dum pol�tico: Oh, bondosa M�e Santana / Livrai-nos dessa tropa de sacana.

   Depois, na casa do pichador de
Glu, escrevemos, para demonstrar que sab�amos quem era: Chato grudou em voc�.

   E sa�mos pelas ruas  marcando com tinta vermelha e frases os muros mais respeit�veis, mesmo os mais inacess�veis. Quando escrev�amos uma frase no hospital , por�m, uma porta se abriu e todos corremos, com receio de sermos descobertos, imaginando as conseq��ncias se isto ocorresse. Algo muito terr�vel: �ramos todos menores, levar�amos o mais grave dos castigos - a bronca de nossos pais!

   Descemos a rua Ruy Barbosa, parando na esquina da rua da Biquinha. Ali, exaustos da corrida, discutimos se continuar�amos ou n�o. Mas o barulho dum carro que descia pela via nos dispersou, antes de deliberarmos algo.

   Com medo, foram todos embora. Ficamos eu e Tairone. Tai revelou ent�o uma coragem que n�o sabia ser possuidor: se eu topasse, terminar�amos a frase inacabada. Claro que topei. Demos uma volta imensa para chegar ao Hospital, passando pela rua das Na��es, escura e cheia de �rvores. Quando est�vamos no meio dela um grupo de b�bados apontou na esquina. Sem poder recuar para n�o despertar curiosidade, colocamos os sprays no ch�o, escondidos, empurrei Tai contra uma reentr�ncia da parede de forma que este n�o pudesse ser visto, tapei sua boca com minha m�o, e tasquei o beijo nas costas da m�o. Os caras passaram, pensaram tratar-se dum casal de namorados, fizeram umas pilh�rias e seguiram adiante.

   Ent�o, os dois mais corajosos da Turma (� verdade, p�), foram terminar a dita frase que, em si, n�o acrescentava muito, mas estava sem acabar.

Acho que me enganei l� atr�s: teve uma frase bem pol�tica, feita por Tairone - "O Brasil n�o se resume em com�cios"... at� hoje ele diz que tem muito significado...

PARTE DOIS - THE DAY AFTER
   O dia seguinte foi de ressaca. Os caras mais velhos, ao toparem comigo, pediram logo pra ver minhas m�os, e l� viram, mesmo depois de horas esfregando solvente, a marca do crime: os cantos das unhas pintados de vermelho...

   Os dias passando, e os boatos crescendo. Ora diziam que o juiz mandara investigar; ora era Tib�rio que tinha sido descoberto; noutra era Nelsinho. Mas tudo continuou como dantes, no quartel de abrantes.

   O tempo das picha��es, assim como a ditadura, estava chegando ao final. Gra�as a Deus!
(no bom sentido, � claro)
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