A
INCRÍVEL BOMBA ATÔMICA CAETITEENSE
Pro Sr. José Henrique Fausto, e seu
irmão fratello brother, Galdino Neto.
Para quem não
sabe, meu avô, o alemão, era mecânico. Tinha uma inventividade capaz de
adaptar-se a vários trabalhos, encontrando soluções simples, porém eficazes.
Foi preso, como já tivemos ocasião de apurar numa pesquisa, durante a Segunda
Guerra Mundial, por ser alemão, e teve apreendidos vários instrumentos de
trabalho, e muitas armas – quebradas, que estavam em sua oficina para conserto.
Cinqüenta anos depois, eu, o neto que
pouco sabia de tudo isto, gozava das férias na faculdade, no começo de 1991. A
cidade ainda era aquele paradeiro, onde nos esforçávamos para encontrar uma
diversão e as mornas tardes de verão eram passadas em conversas amenas na
Esquina do Padre – a mesma onde fizéramos o Jornal da Esquina.
Reunidos um grupo pequeno de rapazes,
dos quais somente me recordo de Zé e seu irmão Gal, ambos filhos da querida
Confreira Palmira Guanais, papeávamos abobrinhas quando passou um rapaz bêbedo,
àquela hora, dando motivo para que um dos dois mexesse com o dito cujo, parente
de outro bêbado contumaz e, portanto, merecedor de igual apelido:
_Fala, Zé Melete!
O moço, cambaleando, voltou no seus
passos trôpegos, e iniciou um interminável libelo:
_Eu conheço você. É filho de Seu
Thales! Eu conheço seu pai.
Prosseguindo neste diapasão, ele me viu
e, embora estivesse quieto, sem ter nada a provocá-lo, fui também alvo:
_Você é neto de Ota Alemão! Pensa que
não sei que seu avô foi preso? Pensa que não sei por que? Ele foi preso porque
pegaram ele fazendo uma bomba atômica lá em Guanambi e escondeu ela aqui em
Caetité. Era pros alemães dominarem o Brasil. Eu sei! Ele escondeu a bomba num
buraco, pra ninguém achar.
.........
De fato, meu avô morara algum tempo na
vizinha cidade, quando esta nem era emancipada de Monte Alto – algo anterior
mesmo ao episódio de sua prisão, o que revelava como as pessoas sabem das
coisas por aqui... mas o fato foi que os companheiros acharam graça.
Zé, mais atencioso, quis saber de mim
se era verdade o quanto foi dito, respondi que sim, quanto à prisão, mas não,
quanto à tal bomba atômica, algo que não existia na Terra, naquele tempo.
Rimos um bocado, e depois fomos embora.
O dia seguinte, porém, veio a revelar mais e mais detalhes deste tenebroso
episódio da “Desestória” de Caetité...
.......
Quando cheguei, a prosa já estava
adiantada. Logo fui informado pelos amigos que, na verdade, a bomba atômica
tinha mesmo sido construída por meu avô, e estava escondida num local secreto
que apenas aqueles rapazes ali sabiam – e logo todos os fatos que ocorriam na
cidade e no mundo ganharam contornos jamais imaginados pelo resto da
humanidade:
O motel, sabe-se lá por que apelidado
de Vaticano II, que tinha sido há pouco inaugurado, junto a uma churrascaria, e
era uma das novidades daqueles tempos, era em verdade o esconderijo da bomba. Isto mesmo,
motel e churrascaria eram mesmo para despistar os moradores. Aquilo lá era um
bunker, muito bem guardado.
O bunker, por sua vez, tinha uma cópia
fiel da cidade, ou melhor: Caetité é que era a cópia da cidade que estava lá
enterrada. Tudo porque, sendo Caetité uma rica reserva de Urânio, era o próximo
alvo do Iraque e Saddam Hussein. Era o tempo da primeira Guerra do Golfo, com
Bush pai atacando o poço de petróleo da Arábia.
A Praça da Catedral, então sendo toda
reformada, na verdade obedecia a uma outra que estava na Caetité subterrânea, e
a cada relato mais e mais detalhes apareciam, brincando com as pessoas, os
lugares, os fatos.
Não havia conhecido que por ali
passasse que não viesse a entrar na brincadeira, alguns iam apressados, e
acabavam parando, até ouvir todos os detalhes do mais fantasioso e fantástico
segredo de Caetité! Tinha gente que esquecia dos compromissos, alguns até davam
sua contribuição para a estória...
Foi assim que surgiu o cartão
magnético, que apenas alguns moradores – os “eleitos” – teriam condições de se
abrigar quando os mísseis scud nos atingissem: sirenes ocultas iriam
tocar, e todos os portadores do cartão correriam até o Brás, onde a passagem
secreta se abriria: o motel prum lado, a churrascaria pro outro – e então todos
se abrigariam com segurança, continuando normalmente suas vidas, pois até as
casas eram iguais ali, tinha até o SuperLar...
Cada transeunte era abordado, então,
com a pergunta:
_Você já tem seu cartão magnético?
E
então era revelado que a Guerra do Golfo, a Operação Tempestade no Deserto,
tudo eram meras fantasias, pois o objetivo real de Saddan não era o Kuwait, mas
Caetité, seu urânio e uma tal bomba atômica enterrada num local secreto que,
claro, o interrogado ficava curioso por saber onde ficava.
..........
A
coisa toda prosseguiu, por dias a fio, era nossa diversão, nas tardes mornas e
amenas do começo dos anos 90, quando o século acabava e a gente sonhava um
mundo sem Bush, sem Saddam, sem guerras no Golfo...
Textos de André Koehne - Academia
Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2004 - Direitos do Autor