ANIMAÇÃO
COMUNITÁRIA E O ASSOCIATIVISMO
Francisco Reis
Luís Mesquita
As
Associações reflectem a dinâmica da vida das comunidades. A vitalidade de uma
comunidade pode aquilatar-se pela rede de grupos e associações existentes. De
onde, um dos caminhos decisivos para a dinamização da comunidade será criar
condições para a revitalização das associações existentes e para o surgimento
de novas.
Pela associação, a
comunidade actualiza os seus valores e potencial idades, afirmando-se como
poder que lhe possibilita a negociação, essencial para que o desenvolvimento,
no seu interior se processe.
Particularmente, as associações
"constituem uma importante fonte de inspiração e campo fértil para fazer
crescer a democracia. [...] Nenhuma instituição, na sociedade portuguesa, dá
maiores esperanças no que respeita à formação de um novo tipo de educadores e
de um novo tipo de educação. Só elas têm a oportunidade única de radicarem as bases
da indispensável educação para o desenvolvimento numa tradição democrática portuguesa.”
(1)
Identificamo-nos
totalmente com esta perspectiva optimista de Norbeck,
mas não podemos deixar de nos questionar se efectivamente, no associativismo,
têm sido actualizadas essas potencialidades.
O movimento associativo, nomeadamente o que resulta da evolução de grupos primários,
é, no contexto da sociedade actual, a restauração, em termos renovados, dos vínculos ancestrais e primordiais subjacentes à vida comunitária, à tribo, que garantiam a continuidade e a coerência
do tecido social. A sociedade moderna
que, cada vez mais, impõe a descontinuidade ao indivíduo, espelhando-o por
múltiplas tarefas e solicitações,
exigindo-lhe sucessivas readaptações aos espaços em que necessariamente se movimenta,
descaracteriza-o e, paulatinamente, desidentifica-o e
desenraíza-o. É
a inexorável evolução para o tipo de relação que Tonnies
denomina de “gesellschaft” onde domina a condição, o individualismo, o progressismo
como objectivo, e a especialização.
O associativismo popular tende a
recuperar o ânimo comunitário
que a vida social quotidiana exturque.
Não será o desânimo, hoje
reinante em tantas comunidades, o resultado da incapacidade dos seus elementos lutarem contra o espartilhamento que lhes é imposto, dividindo as suas forças,
tornando-os inertes e apáticos?
As novas formas associativas
O grupo
adquire hoje um novo valor, uma significação actualizada. Por um lado ele é uma
resposta aos interesses individuais, proporcionando espaços de realização
pessoal, de encontro. de relação pessoal; por outro
constitui uma oportunidade privilegiada de participação cívica.
Assistimos
hoje à emergência de uma nova socialidade. Não já os
grandes agrupamentos institucionais, os grandes movimentos de massas, mas os
pequenos grupos com projecto, lugares de experiências, de acção partilhada, com
objectivos concretos e concretizáveis no tempo e no espaço. Os novos modelos organizativos
são também ajustados às preocupações e interesses dos indivíduos e são
controlados pelos participantes. Não há cargos para repartir, responsabilizando
uns e inibindo outros. O que se reparte são tarefas, que há para todos, sendo
cada um responsável por ela(s)
perante o grupo. Não existe portanto a tradicional distância entre dirigentes e
dirigidos, todos são necessários, o grupo depende da participação de lodos e de
cada um.
Todos
precisam de grupos e há neles lugar para todos. Toda a gente tem interesses,
problemas e necessidades que os impelem a unir-se a outros. No grupo, os meus
problemas passam a ser os nossos problemas, abrindo-nos horizontes, alargando a
nossa visão da realidade. O grupo proporciona um caminho de resolução dos
problemas, dá resposta positiva aos interesses e necessidades. Apesar do
individualismo reinante, o Homem permanece um ser social que se realiza apenas
na vida social. "Não se adquire humanidade na solidão". (2)
A associação é a possibilidade de estruturar
grupos de pertença no seio da comunidade. Os indivíduos atomizados da sociedade
de consumo precisam de se rever nos outros, de buscar a sua identificação no
confronto com os seus iguais, construir aí o seu estatuto, a sua identidade. Os
grupos são assim círculos de auto-afirmação onde o indivíduo emerge do
anonimato, da diluição na massa.
Mas
a associação não é simplesmente um grupo; implica um acto de vontade explícita,
é um estádio mais avançado de socialidade. Todos
nascemos e vivemos no seio de grupos. Nem todos tomamos a decisão de nos
associarmos. A associação implica participação e organização; os seus
objectivos respondem ao interesse dos seus associados.
A associação não pode
perder de vista o interesse dos associados. Muitas fossilizaram, incapazes de
se adaptar, aos novos tempos, de sequer os compreender, agarrados, aos modelos
do passado, desconhecedoras de outras possibilidades. Isto não quer dizer que o
associativismo se tenha esgotado. O que acabou foi só uma maneira de o entender
e de o dinamizar. Mas muitas outras formas novas estão despontando com vigor.
A animação comunitária trabalha
na construção de uma "cultura comunitária entendida como realização plena
da democracia cultural". integrando pessoas e
grupos nas decisões colectivas, gerindo conflitos, elaborando uma "cultura
construída com visões plurais, veículo de divergências e de encontros”. (3)
A animação
comunitária e os grupos
As comunidades precisam, reclamam
uma intervenção que as estruture, as organize, as torne activas e empreendedoras,
assumindo em mãos as tarefas do seu próprio desenvolvimento. Também os grupos necessitam
de se reestruturar, de se organizar, por forma a responderem,
aos interesses e necessidades dos seus membros. É este o âmbito da animação
comunitária. É esta a sua especificidade: a criação de grupos que correspondam
aos desejos e necessidades dos cidadãos porque "a organização dos cidadãos
em redes e grupos é a base para a iniciativa, a mudança, a superação da crise
urbana”.(4)
A animação comunitária trabalha
no sentido de transformar o tempo desocupado das pessoas, que para muitas é contínuo,
em tempo de socialização, de projecto partilhado, de realização pública. É
assim, e segundo Picart, "um método de intervenção
territorial que facilita às pessoas com desejos e necessidades não satisfeitas
a possibilidade de se reunir em grupos para iniciar um processo conjunto para
os obter."(5)
O associativismo assume
hoje foros de imperativo cultural, uma verdadeira exigência dos tempos
modernos. O estado tem-se visto forçado a alijar responsabilidades, devendo
este vazio, ser ocupado pelos cidadãos organizados. Há um importante trabalho a
fazer com todos os segregados do processo produtivo -jovens, idosos, migrantes,
deficientes... - não no sentido, assistencialista,
antes por forma a descobrir novas formas de integração no trabalho. E sobretudo
procurar solucionar os problemas, colectivamente, solidariamente.
Muitos serviços sociais
devem passar para as mãos dos cidadãos, devem passar a competir-Ihes.
O associativismo constituir-se-á, assim, como estrutura básica das cidades.
A própria administração necessita do associativismo para delegar, dialogar,
para projectos conjuntos. Descentralizar não significa só aproximar a administração dos cidadãos, mas transferir
para estes muitas das suas actuais competências. Urge diminuir, esvaziar o
gigantismo do estado e engrossar a corrente lia participação organizada dos cidadãos.
A animação comunitária não pode ser mais mera
ocupação de tempos livres, antes deve trabalhar no sentido de estruturar as
comunidades, organizando os cidadãos em grupos, movimentos e redes com projectos mobilizadores,
estimulando a participação das
comunidades no processo do seu próprio desenvolvimento.
Este
trabalho não pode ser feito isoladamente, mas deve integrar-se numa intervenção
global para o
desenvolvimento. Em equipas interdisciplinares
e pluriprofissionais o contributo da animação comunitária será trabalhar para a criação ou reconversão de grupos, movimentos
sociais e culturais, redes de
serviços e de cooperação que
correspondam aos desejos e necessidades
das pessoas.
A animação pode ser uma metodologia eficaz na
detecção de interesses e necessidades,
na organização de grupos de cidadãos e finalmente no despoletar de processos que conduzam à resolução de muitos dos problemas e expectativas actuais: os desempregados
(jovens ou não ), os idosos precocemente afastados da
vida social, a criação de
serviços de bem-estar, a criação cultural, o consumo cultural crítico, o contacto social, a acção
pessoal e grupal.
Em
síntese, podemos concluir que a animação
comunitária e o associativismo
se interpenetram e evoluem
conjuntamente. É função do animador
comunitário criar condições para o surgimento e renovação de
grupos com projectos voltados para o desenvolvimento das comunidades. Mas é também sua função combater o isolamento dos grupos, abrindo perspectivas de intercâmbio e cooperação interassociativo
e com as instituições.
(1) NORBECK, Johan, Associações Populares para
o Desenvolvimento, 1983.
(2)
PICART, Toni
Puig, Animacion Sociocultural, 1988.
(3)
Citado de A. Raquejo, in Quintana.
J. M., Fundamientos de Animacion
Sociocultural, 1986
(4)
PICART, Toni
Puig, op. cit.
(5)
Idem.