Escrito por: Anderson Oliveira

2º Arcano: A sacerdotisa

No frio da noite, muitas criaturas agem de formas diferentes para se protegerem. Roedores se escondem em suas tocas, permanecendo ali enrolados em seus corpos. Cães procuram um canto quente na casa ou nos becos. Insetos não fazem seus turnos em busca de luz. As aves procuram seus ninhos, exceto as rapinas, que caçam na noite. E há outras criaturas, que não são aves de rapina, mas usam a sombra da noite para caçar:
— Ele é meu, Cellina... procure um para você!! — Diz uma vampira, na companhia de outras quatro vampiras. A que fala é loira, com tranças no cabelo e com brincos e pircings pelo rosto. Ela briga com uma outra, morena com tatuagens e grandes anéis, porque esta quer beber o sangue de sua presa. O cenário é uma boate gótica em caos. Corpos espalhados por todas as partes e muito sangue pelo chão:
— Não seja egoísta, Roxy! Esse gostoso é o suficiente para nós duas! — Diz Cellina enquanto ergue o homem, um engomadinho de terno de couro, muito nervoso.
— Eu já disse para soltá-lo! Você vai morrer!! — Roxy avança contra Cellina, que larga o homem no chão e rola com a outra vampira. As demais começam a torcer vendo a briga. O homem aproveita e tenta rastejar até a saída daquela boate. Quando atinge a porta, esta se abre sem ele a tocar...
Contra a luz que vem de fora, um vulto de homem alto, com sobretudo e cabelos longos chama a atenção das vampiras que imediatamente param com sua farra. O homem entra dando passadas firmes... atrás dele entram outras três pessoas. O rapaz que procurava fugir fica atônito com a cena, perdendo sua reação. As vampiras se levantam e se afastam vagarosamente. As identidades daqueles que entraram ainda não podem ser vistas, pois a luz da porta é muito forte. Mas elas já sabem de quem se tratam:
— Maldição! Os caçadores!! — Avisa Cellina. De imediato, Heyke, Estacado, Répplic e Wichty sacam suas armas. — Vamos fugir!!!
A fuga seria uma tarefa um tanto impossível. As cinco vampiras se dividem, pelas paredes e pelo teto tentam chegar à porta, mas as balas e estacas de prata exaustivamente passam próximas aos seus corpos. Estacado usa sua arma chamada de lança-estacas contra uma vampira negra que mesmo se movendo rapidamente pelas paredes é atingida pelas costas.
Répplic desfere sua metralhadora contra uma vampira de cabelos vermelhos, e esta se safa e cai por cima dele. No entanto, o ex-criminoso tem velhos truques e crava um punhal no peito da vampira. Heyke empunha uma pistola e uma besta contra Roxy e outra vampira de cabelos castanhos. Ele dispara contra elas, mas só atinge a morena, dando tempo para Roxy atacar covardemente o caçador.
Enquanto isso, Wichty enfrenta Cellina no corpo a corpo. A vampira tenta morde-la, mas as ervas que a jovem bruxa passou em seu corpo repelem a vampira, dando oportunidade para Witchy sacar uma granada de alho:
— Cuidado! — Grita Witchy aos seus colegas que procuram proteger os olhos. Roxy e Cellina, as únicas sobreviventes mal têm tempo de reagir. A granada explode e espalha pó de essência de alho. Em poucos segundos a pele das vampiras desaparece restando apenas carne viva, em meio a gritos de dor e de ódio.
Tiros de misericórdia dados por Witchy calam de vez as duas vampiras que agora não passam de cinzas. Ainda lá permanece o rapaz com seus olhos estúpidos após presenciar uma cena que antes só havia visto em filmes. Os caçadores recolhem suas armas e suas estacas de prata e sem nada dizer ou fazer deixam o local. Apenas uma noite de rotina.
— Você cuidou delas direitinho, Witchy!! Gostei de ver! — Diz Répplic, já ao raiar do sol, quando o grupo entra em seu quartel general. A moça responde com um sorriso amarelo e rapidamente abaixa os olhos escondendo uma tristeza que toma seu ser.
— Witchy...? — Diz Estacado quando ela passa por ele, porém ela nada diz e entra em seu quarto.
— O que há com ela? — Pergunta Répplic.
— Ela parece... triste. — Diz Estacado.
— Deixem-na. Todos nós temos dias em que preferimos ficar a sós. — Diz Heyke com sua sabedoria. — Essa menina, por trás de seu belo rosto, guarda uma mágoa que é difícil segurar por muito tempo...
Em meio às palavras do velho caçador, vejo a jovem bruxa deitada em sua cama, ainda com as roupas sujas de caça, verter lágrimas enquanto abraça seu travesseiro. Seu coração está apertado. Seus sentimentos estão confusos e suas emoções não podem ser contidas. Aliada a incômoda, mas infalível tensão pré-menstrual, Witchy relembra com dor uma chaga de seu passado. A chaga que a fez virar uma caçadora de vampiros.

Eram tempos felizes. Para a jovem adolescente recém iniciada para ocupar o posto que hoje era de sua mãe: a sacerdotisa de deusa. O ritual wicca era lindo, repleto de flores, música, à beira mar perante uma noite limpa e cheia de estrelas.
— Venha filha... é sua vez! — Sua mãe a chama. Vestida com um vestido branco, com flores no cabelo e correntes ao pescoço. Ela era linda. A sacerdotisa leva a filha até o altar e a apresenta aos seus irmãos: — Conheçam a nova sacerdotisa: minha filha Sophia.
Sophia é seu nome. O nome que ganhou de seus pais. Nome que nunca mais usou, sendo apenas chamada de Witchy. Na época tinha dezessete anos. Incrivelmente mais bonita do que é hoje. Vestida da mesma forma que sua mãe, com os pés descalços e receio em cada passo ela subia o altar para seu ritual.
As chamas das tochas tremulavam com a brisa do mar enquanto Sophia era ungida com óleos cerimoniais. As demais sacerdotisas entoavam cânticos de louvor. Sua mãe preparava sua única filha com todo seu amor. Mas isto não durou muito...
Primeiro ouviu-se um grito distante. Um grito de mulher sendo atacada por algum animal estranho. Apensar da preocupação que caia sobre o grupo, o ritual não podia ser interrompido. Minutos depois um outro ruído. Dessa vez algo como se fosse uma gargalhada. Uma gargalhada assustadora. Algo a ser notado pelos wiccas como sinal de perturbação.
Talvez os jovens rebeldes que vagavam pela praia. Dispostos a prejudicar o ritual com seus dizeres preconceituosos. Nada que aquele povo pacífico já não tenha enfrentado antes com grande sabedoria. Mas os ruídos e gritos que se sucediam cada vez mais próximo do local indicavam a presença de algo maior. De algo mais letal.
— Não saia daqui, Sophia. Está tudo bem. — Diz a sacerdotisa para sua filha enquanto o medo toma conta dos presentes.
— Mãe... O que está acontecendo? — Pergunta Sophia com os olhos temerosos.
— Não deve ser nada, filha... Com a benção da deusa!
Apesar do esforço para acalentar o coração da filha, a jovem senhora sabia que algo de muito errado estava acontecendo. Nesse momento um grupo de homens resolve ir até o local dos distúrbios para averiguar. Apreensivos, os wiccas esperavam seu retorno para dar seguimento ao ritual. Porém ao ouvirem gritos de morte perceberam que isso não seria mais possível...
— Que lindo... — Sua voz trazia um tom de deboche misturado à repugnância e vilania. Do alto de uma rocha, atrás do altar wicca, um homem de longos cabelos pretos se apresenta: — Adoro cerimônias! — Dizia saltando ao chão. Trajado com uns farrapos escuros e imundos ele caminhou até o meio dos wiccas.
— Por favor, não perturbe nosso ritual... — Argumenta uma das sacerdotisas.
— Mil perdões! De forma alguma eu interromperia algo tão belo e sagrado para vós, mas as circunstâncias me obrigam a isso. — O invasor falava de um jeito pomposo e com um sotaque desconhecido.
— Parece com fome, estranho. Certamente procura por comida. — Continua a mulher.
— Me julgas por minhas roupas, não é? Só porque não estou vestido adequadamente supõe que eu seja um mendigo! Que coisa feia, ainda mais vindo de pessoas tão... abastadas de sabedoria. Porém supôs bem. Tenho fome e vim à procura de alimento. Sou um cristão que não teve muita sorte ultimamente.
— Desculpe se fui rude, mas venha, pode comer de nossas frutas. — A mulher lhe indica o caminho para uma mesa com frutas de todos os tipos possíveis dessa região.
— Agradeço a oferta, mas o alimento que preciso é outro. — Diz o homem com um sorriso. — Aliás... não estou só. Meus amigos, que tiveram maior sorte e já estão saciados, me esperam para retornarmos ao nosso país. Por isso, se não vos incomodar, pretendo ser breve.
Sem compreender o propósito da fala do homem, a sacerdotisa permaneceu confusa diante dele, assim como os demais que lá estavam, incluindo Sophia. O homem correu seus olhos por todos os lados e parou seu olhar sobre a jovem bruxa. Imediatamente lambeu os lábios deixando escapar saliva que escorria por seu queixo. E tão logo que guardou sua língua, revelou seus caninos protuberantes.
— Sinto fome! — Dizendo isso saltou espantosamente cerca de três metros e parou diante de Sophia. — Esta bela jovem, tão suculenta, será a primeira! — E logo apresentou suas presas e seus olhos vermelhos disposto a atacar Sophia.
— Nãããããoooooooo!!! — Com um grito profundo sua mãe intercedeu, jogando a filha para o lado, ela recebeu o ataque do vampiro. Ele, mesmo percebendo que sua saborosa vítima tinha lhe escapado, não deixou de beber o sangue da mãe de Sophia, que por sinal também era bela e saborosa.
A jovem Sophia, caída no chão da praia, observou com olhos gélidos a mãe desfalecer nos braços daquela criatura maléfica. Tão parvos quanto ela, os demais wiccas presenciaram a cena sem reagir.
O vampiro então saciado largou o corpo da mulher enquanto o sangue ainda escorria sobre seu peito. Enquanto limpava a boca com a manga de sua jaqueta velha, olhava para a moça que escapou de suas garras. O que a tornava ainda mais preciosa. Um troféu digno de ser exposto para toda a eternidade... Uma serva perfeita.
Antes de poder reagir aos seus pensamentos, o vampiro viu que outros vampiros chegavam ao lugar. Eram seus servos, responsáveis pelos gritos que assustavam os wiccas. Igualmente maltrapilhos como seu mestre, os vampiros andavam tortos e sujos entre as pessoas.
— Divirtam-se! — Disse o senhor aos seus. Estes prontamente iniciaram uma frenética caçada. Os wiccas tentavam correr e gritavam muito enquanto pouco a pouco eram exterminados pelos vampiros. Mas o líder do grupo só tinha um objetivo. Lentamente ele desceu até a areia, se aproximou de Sophia e a ergueu pelo pescoço: — Perfeita!
— M-me... solte! — Balbuciava a moça tendo sua respiração comprometida. Enquanto isso o vampiro passa sua mão pelo seu corpo, ousando levantar seu vestido e tocar sua vagina:
— Donzela! Que preciosa! — A felicidade do vampiro era tamanha. Sophia sentia nojo ao sentir a mão suja do vampiro acariciar sua intimidade. Então ela começou a se debater... — Não adianta resistir... minha virgem dos lábios sedosos. Irei lhe mostrar um novo mundo, um mundo de prazeres e de amores, um mundo de desejos e de sonhos... Você irá adorar!
Como resposta Sophia lhe cuspiu. O vampiro no entanto sorriu e lambeu a saliva que do seu rosto escorria. Enquanto isso as pessoas do ritual wicca jaziam no chão agonizantes. Sophia via sua mãe, inerte, sem saber se estava viva ou morta. Ao passo que temia por sua vida, a moça também tinha consciência do que estava na sua frente.
Qual jovem não conhecia a lenda dos vampiros? Claro, até então era uma lenda para Sophia. Mas com uma sabedoria herdada por sua geração moderna, pensou em usar isso como arma contra o vampiro que a ameaçava. Mas primeiro precisava se livrar das garras dele... Vampiro ou não, uma joelhada das partes baixas derruba qualquer homem. E com tal conhecimento Sophia se livrou das garras do vampiro:
— Desgraçada! Volte aqui! — Disse o vampiro enquanto Sophia alcançou uma tocha e um jarro de óleo. Arriscando sua saúde num truque que apenas tinha visto, colocou uma porção de óleo na boca e o cuspiu contra a tocha, soltando uma labareda que cobriu o corpo do vampiro. Ele urrou de dor.
Imediatamente os demais vampiros vieram até ela. Sophia repetiu a artimanha e queimou os demais. Mas ela sabia que o fogo não era suficiente. Então se apossou de um bambu que segurava o véu do altar, o quebrou no joelho obtendo duas pontas afiadas. O primeiro vampiro que se atreveu a atacá-la, mesmo em chamas, recebeu um forte golpe no peito, tornando-se poeira em seguida.
Assim foi com os demais. Exceto com o líder, que vendo a revolta da garota, fugiu antes de cair pelo mesmo fim. Mas para Sophia pouco importava, pois aos seus pés restavam os corpos de seus amigos e o de sua mãe, mortos sob a luz das estrelas. Sozinha no mundo, não custou até ser encontrada por um homem bom e que viu nela uma guerreira nata: o Dr. Harry Stamos.

Assim Sophia se tornou Witchy. Assim a jovem sacerdotisa se tornou caçadora. E hoje chora a saudade da mãe e a desgraça que caiu sobre sua vida. Agraciada com o dom da premonição, ela vê, misturado em suas lembranças, imagens novas que ainda lhe parecem confusas.
Trata-se da figura daquele vampiro... aquele me matou sua mãe e a desejou. Os mesmos olhos vermelhos, os mesmos dentes afiados... os mesmos cabelos longos e pretos. Mas onde anda tal vampiro? Witchy, nas suas caçadas, sempre procura este rosto, a fim de vingar a morte da mãe. Mas nunca mais o viu... até então...
Porém sua visão a leva muito longe do solo brasileiro... até as margens do mar mediterrâneo, onde seu algoz caminha nas areias da Itália. Levando na mão um rosário, ele se aproxima de outro personagem conhecido, que com sua música encanta as mulheres que o cercam naquele amanhecer.
— Senhor... Vladez convocou os doze para uma reunião. — Diz o vampiro interrompendo a música de seu mestre.
— Qual o motivo, Cristão?
— Segundo ouvi, para decidir quem herdará o trono do sul da África, já que Mordock não deixou linhagem. E também para sabatinar Samyra, atual soberana do sul da América, que muitos dizem não ser digna de tal posto.
— E disseram algo sobre mim?
— Não. Vladez sempre se proclamou o primogênito. Ele presidirá a reunião e seus próprios lacaios se encarregaram de divulgar a novidade.
— Obrigado, Cristão. Você sempre me traz boas novas! Feliz momento em que te transformei... senti sua coragem e fidelidade ao vê-lo empunhar aquela cruz diante daquela turba.
— Obrigado, meu senhor...
— Ah sim, e onde será a reunião?
— Ironicamente no palácio de Romanuh, pois foi ele que pediu a convocação dos doze.
— Pois lá estaremos, Cristão. Irei apresentar-lhes meu mais novo réquiem... — O Louco, como é chamado, expressa um olhar vil e arrogante ao dizer tais palavras.
Enfim tal arcano chegou ao fim. Desvendar a natureza dos acontecimentos narrados não será uma tarefa fácil, por tanto hei de ter cautela nos próximos arcanos. Pois algo de fabuloso irá acontecer.

A seguir: A Imperatriz

DETETIVE AL: Sombras do Passado

Profany, o anjo da morte


Página de Anderson Oliveira 2006

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