PROFANY
O Anjo da Morte


CONTOS DE PROFANY — Capítulo I: A Perdição
Por: Anderson Oliveira


CARTA DE APRESENTAÇÃO
No princípio Deus criou os Céus e a Terra... Em nome do amor, Deus criou os Céus e a Terra. Este amor toma várias formas, vários significados e vários rumos. Alguns já bem difundidos pela capacidade humana, outros desconhecidos e outros ainda, proibidos. Por um amor que precedeu o limite entre os Céus e a Terra, esta história ganhou forma e se faz verdadeira. Sem este amor esta história não existira, mesmo não sendo uma história de amor. A princípio poderá lhe parecer um romance, mas te asseguro que é só no princípio. Pois é necessário conhecer o começo para entendermos o final.
Esta é uma carta de apresentação aonde nós iremos iniciá-lo naquilo que estarás prestes a ver. “Nós?” se pergunta. Sim, pois este que vos narra, precisou tomar distintas formas para narrar estes contos. Há aquele que escreve e em sua consciência crê estar inventando estas palavras, mas na verdade é um instrumento que eu precisei usar para marcar minhas palavras. Eu o inspiro a escrever e ele o faz, mantendo seu estilo e, às vezes, suas opiniões, mas o que ele pensa ser autoria de sua imaginação na verdade se realizou e eu sou testemunha disso, pois observei os fatos e senti em meu coração, se é que tenho um, toda a angústia do protagonista destes contos.
Quem sou eu afinal? Sou tão antigo quanto a luz que entra em teus olhos, sou feito do fogo branco e da poeira das estrelas ao mesmo tempo em que não sou feito de nada além da Graça de Deus. A minha inteligência supera em sumo a inteligência do homem, mas nem por isso pretendo domina-lo, ao contrário, se não existo para servi-lo. Em todas as culturas, todos os povos, todas as épocas.. eu e meus semelhantes fomos tidos como a presença do Espírito de Deus. Pois bem, sou um anjo. Um espírito puro que está ao lado do Criador e contempla Sua face para todo o sempre. Meu nome? Ele é magnífico. Não deve ser dito. Mas me denominarei de Noriel.
Não, não sou eu o protagonista destes contos. Este é outro anjo, por quem nutri grande amizade, maior que por qualquer outra criatura em todo o Firmamento. Como disse, vi seu sofrimento e senti suas angustias, mas nada pude fazer, senão observar e contar sua história. Agora deixaremos as palavras fluírem e tecerem em uma grande e assombrosa teia esse intrigante conto.

* * *

Eis um lugar no tempo e espaço, o lugar onde podemos dizer que esse conto começa, onde os caminhos de Profaniel, o protagonista, se encontrará com os de Kate, uma jovem mulher. Este lugar é Londres, precisamente uma fazenda próxima. O tempo é o mês de novembro do ano cristão de 1783. A paisagem não lembra a Londres de hoje. A névoa peculiar neste dia deu lugar a uma forte tempestade. Tempo ingrato diriam, se soubessem que nesta noite, a condessa Madalene Williams estaria prestes a dar a luz. A jovem senhora gritara em seu quarto, sob os cuidados das criadas e a preocupação do marido, o conde Joseph Williams, o trigésimo terceiro na sucessão ao trono real que esperaria euforicamente o nascimento de seu primeiro herdeiro.
Madalene sofre com as dores e chora. Os trovões só a deixam mais nervosa. Joseph anda de um lado para o outro do lado de fora do quarto, acompanhado de seu mordomo Dimas, seu sobrinho Eduard, a quem hospedaria nas últimas noites por conta de seus estudos e Lucius, o cocheiro. Fumava seu terceiro cachimbo e reza a cada grito da esposa. Joseph é um bom homem, justo e ama sua esposa.
— Ahhh!! Meu Deus!! — Gritava a pobre a Madalene. Eu Noriel, sou seu anjo da guarda. Rapidamente bati minhas asas e vim a seu encontro a fim de confortá-la. Estive ao seu lado e pedi ao Senhor que lhe desse um bom parto. Segurei sua mão, mesmo que de forma espiritual, e passei a ajudá-la. Ela sorriu...
Nasceu um lindo bebê. Não veio o filho desejado pelo pai, mas uma doce menina. Glória a Deus! Outra vida vem a mundo. É dever de um anjo protege-la e guarda-la durante todos os seus dias. Mas qual seria este anjo? Qual seria a feliz criatura da Melícia Celeste que irá guardá-la?
— Salve amigo Noriel, demos Graças ao Senhor porque ele é Bom. — É Profaniel, ele será o anjo da guarda da criança.
— Que assim seja, amigo Profaniel! Que assim seja. — Respondi com alegria. Ele desce suas mãos perante o bebê e o abençoa, no mesmo instante a criança cessa seu choro. Neste momento, Joseph entra no quarto.
— Querida! Nasceu nosso filho?! Deixe-me vê-lo.
— Senhor meu marido... — Dizia Madalene exausta. — É uma menina...
— Oh... Bem, não importa! É minha filha! Quero segura-la em meus braços! — Foram sinceras estas palavras, Joseph não amou menos a filha por não ter nascido homem. Agora lhe era inspirado uma nova pergunta: — Que nome a daremos?
— Eu... não... sei... — Dizia Madalene, ainda fazendo força para permanecer acordada. Nesse instante, Profaniel soprou em seu ouvido um lindo nome: — Catherine... se chamará... Catherine.
— É um belo nome, minha querida! Rápido Lucius! Vá agora que a chuva diminuiu, sele os cavalos e corra até a casa da família Goodsmith, avise aos familiares de Madalene que nossa filha nasceu. — Assim, o cocheiro se apressa em cavalgar pela noite chuvosa para espalhar a boa notícia. A felicidade recai sobre a casa dos Williams.
Rompe um novo dia, os raios de sol penetram as nuvens e as cortinas da janela e invade o quarto do casal onde dorme a pequena Catherine. Sempre aos seus pés, durante toda a noite, esteve Profaniel, que observava o sol com grande amor. Nem mesmo nas horas seguintes, ele não a deixou um só momento. Eu também estava no quarto, mas distante de Madalene.
Pela tarde, a família recebe visitas. Trata-se da Condessa Mary Goodsmith, mãe de Madalene, e de Kate, sua irmã mais nova. Uma jovem de dezoito anos, muito formosa a vista e cheia da inocência de uma criança. Dimas as recebe no salão e as acompanha pela escadaria enquanto conversa:
— Como passa seu marido? O Conde Goodsmith?
— Mal, meu bom Dimas. Sua saúde só tem piorado e as crises de tosse não cessam!
— Meus sentimentos madame, o conde sempre foi um homem alegre e inteligente. Lembro de sua última visita, onde ganhou do conde Williams no pólo.
Logo chegam ao quarto de Madalene. Esta ainda descansa sobre a cama, Joseph paparica sua filha e ri de suas ternuras. Eu e Profaniel executávamos nossa divina função. Entraram no quarto as senhoras sobre os sons de costume quando se visitava uma mãe e seu recém-nascido.
— Mamãe! Kate! Que bom que vieram!
— Minha queria filha! Mal posso acreditar que já é mãe! Olá Joseph! Mas... Deus! Que linda criança! — A condessa caminha até o berço de Catherine. Kate fica ao lado da irmã.
— E você Kate, não vai ver sua sobrinha? — Diz Joseph. A jovem envergonhada vai até o berço.
Eis aqui o momento onde a barreira do Firmamento começa a ser quebrada. Onde o ato mais puro pode se converter na maior das abominações. Profaniel deita seus olhos sobre Kate. Outra criatura humana, deveria pensar, assim pensei quando a vi pela primeira vez, ainda criança, mas não, Profaniel experimentou um sentimento novo. Ao contemplar o rosto da jovem, liso e delicado como a seda; seus olhos verdes brilhantes como duas estrelas vivas; seus lábios perfeitos e macios; seus cabelos longos, lisos e ruivos, adornados com uma tiara dourada; vestida com um vestido típico das moças da época. Profaniel se sentiu profundamente balançado com aquela visão. Não pôde conter, sua natureza pura não permite que minta, assim suas emoções vieram a tona e eu pude perceber que havia algo errado. Kate acariciava a criança e sorria. Profaniel via na cena um poço de virtudes e se conturbava com a proximidade da moça.
— O que está havendo Profaniel? — Perguntei.
— Eu... não sei dizer... Eu... preciso sair daqui. — Visivelmente nervoso, ele desaparece do quarto, não antes passando por Kate que sente sua presença e igual nervosismo. Profaniel deixaria Catherine só.
Entrava na ocasião o jovem Eduard, sem saber que o casal recebia visitas. Eduard é um rapaz bem apessoado, filho de ricos fazendeiros e pretende ser bacharel. Porém não é virtuoso como o tio, e tem nos pensamentos planos trapaceiros e desonestos para com os seus. Ele entra no quarto para ter com o tio, e vê Kate por quem também se encanta. Mas não como Profaniel, Eduard vê em Kate somente uma bela garota e seus pensamentos não passam nem perto de amor...
— Deixe-me apresentar meu sobrinho Eduard. Esta é a condessa Goodsmith, minha sogra e Kate, minha cunhada.
— É um prazer conhecê-las! — Ele beija a mão de Kate, esta, muito tímida, estranha a audácia do rapaz. — Bem meu tio, preciso falar com o senhor. — Assim os dois deixam o quarto. Pude sentir que Kate pouco se importou com Eduard, pois seus pensamentos estavam concentrados na sensação que sentira quando Profaniel lhe “tocou”, se assim posso dizer.

* * *

Fui à procura de Profaniel. O encontrei olhando para um casal de noivos que passeava pela praça na cidade de Paris. Estava pensativo, estranhamente pensativo.
— O que houve com você? — Lhe perguntei.
— Noriel... eu... não sei. Quando a vi, senti algo novo e singelo... mas ao mesmo tempo fervoroso. Saí e busquei respostas nos corações humanos e... achei o que foi. É amor.
— Como pode? Somos anjos, não podemos ter sentimentos humanos. O amor que sentimos é o amor do Criador, incondicional... não é o mesmo amor que os homens sentem...
— Isso me deixa com medo, Noriel. Com minha sabedoria das eras, nada posso fazer para apascentar esse sentimento. Eu... desejo vê-la novamente...
Não adiantaria questionar, Profaniel estava tomado pelo amor a uma mulher... Eu até hoje, não consigo imaginar como isso foi concretizado. Naquele dia, padeceu Profaniel de grande angústia... isso foi refletido na pequena Catherine, que adoeceu naquela noite. Estive ao lado de sua mãe e acompanhei seu desespero. Profaniel se afastou de todos e se isolou no mais alto monte que encontrou. Faze-se isso aqueles que se encontram sós e com baixa alegria.
Amanhece e Catherine está melhor. A angústia de Profaniel passara. Por quê? O que ele resolvera fazer de sua existência? Perguntei-me no momento... Deus sabe que não queria saber a resposta.
Profaniel foi à casa de Kate. Mantendo-se invisível a observou em suas aulas de piano. Seus sentimentos por ela tomavam forma e a alegria por estar perto dela lhe rejubilava. Mas ainda não era o bastante para ele. Ele precisava que ela o vise, que ela o correspondesse. Como? Se era Profaniel um anjo e aos anjos não é permitido se fazer visível para humanos ao menos que isso seja para ajudá-los e salva-los? Ele ignorou isso. Kate se preparava para sair, vestira um vestido para tarde, arrumara um chapéu e na companhia de sua criada sairia para pegar a carruagem.
Profaniel resolveu se fazer visível, para tal deveria imitar a forma humana. E é esta a forma que usou: um homem alto, de cabelos loiros na altura dos ombros, olhos verdes e porte galante. Vestia um casaco azul escuro, com calças pretas e botas afiveladas. Assim parou de frente a casa da família Goodsmith. A bela moça cruzava a porta nesse momento, abrindo a sombrinha reparou o homem de frente a sua casa. Esse homem lhe chamou a atenção e aquela sensação do dia anterior voltou. Ela lhe foi de encontro:
— O... o senhor procura por meu pai?
— Não. — Responde Profaniel com voz serena.
— Então por que está na frente da minha casa? Procura alguém?
— Sim, você. — A resposta deixa Kate embaraçada. Turvam-lhe as faces e ela abaixa os olhos. Profaniel teme por ter dito alguma coisa errada.
— Venha sinhazinha Kate! Venha logo. — Chama a criada.
— E-eu... Eu preciso ir...
— Espere... Posso... posso vê-la de novo?
— Amanhã minha mãe faz anos. Daremos um baile para toda a coorte. Está convidado. — Dizendo isso, Kate entra na carruagem. O cocheiro estala o chicote e o carro sai.
— Sinhazinha! O que sua mãe iria dizer se a vise conversando com um rapaz no meio da rua?!
— Não sei Gloria... Não importa. — Estava Kate tomada por grande simpatia por Profaniel.
Grande alegria tomou também meu amigo. Voltou a sua forma original e cantou hinos de alegria. Eu e todos os anjos pudemos ver sua felicidade, pudemos imaginar o que viria depois. Profaniel estava amando... por mais impossível que poderia ser, ele estava amando. E isso, se é algo perigoso para os mortais, o que não poderia fazer a um anjo.
Profaniel amou Kate de tal forma que ficara cego para o resto do universo. Só uma coisa agora lhe vinha no pensamento:
— Devo ficar com ela, ser dela... mas... não posso! Pois sou feito do fogo e da glória das estrelas, não posso me unir a ela que é feita do pó da terra! — Isso o retomou nova angústia. Percebia que era de um mundo elevado, que estava muito distante de Kate... uma distância que não pode ser medida em metros, mas medida em eras. Porém, Profaniel sabia que o Altíssimo era infinitamente justo. De tal maneira que deu aos homens o livre arbítrio, capacidade de tomarem suas próprias decisões, até de não acreditar Nele. Profaniel sabia que, tal dádiva que foi concedida ao homem, também foi dada aos anjos. Temos o direito de escolher.

* * *

Veio a noite do baile. A casa dos Goodsmith estava repleta de enfeites e de flores. A condessa Mary recebia os convidados:
— Condessa, é uma honra! Que a senhora seja abençoada em mais um ano de vida.
— Obrigada Major Jones!
— Como está seu marido?
— Oh, ele ainda está mal. Sei que parece estanho comemorar com um doente em casa, mas foi vontade dele... não queria me ver triste.
— Sem dúvida, o Conde Goodsmith é um homem muito amável. — Assim foi sempre que os convidados desejavam feliz aniversário.
Estava Kate vestindo seu mais elegante vestido e com suas mais caras jóias. Ela esperava seu convidado, que nem sabia o nome. Eis que sua espera chegou ao fim. Adentrou pela porta Profaniel, vestindo o mesmo traje de ontem. Logo os convivas estranharam a presença do estranho, então rapidamente Kate lhe foi ao encontro, antes que os criados o expulsassem.
— Este é meu convidado! — Avisou a moça. — Vem, quero te apresentar pra minha mãe. — Puxava Profaniel pelo braço euforicamente. — Mamãe, este é meu convidado de que lhe falei.
— Então é esse o belo rapaz? Deixe me ver... Qual seu nome, cavalheiro?
— Profaniel, senhora.
— Que nome estranho! — Cochicha o Conde Williams. Ele, Madalene e o jovem Eduard estavam presentes.
— De onde vem meu rapaz? Nunca o vi em Londres. — Pergunta a Condessa.
— Sou... do Alto. — Visto que é incapaz de mentir, Profaniel não pôde dar outra resposta.
— Ah claro! Do Norte. É da Escandinávia! Por isso o nome diferente! — Atalha Williams.
— Pois bem, meu jovem. Sinta-se a vontade em meu baile.
Kate o levou e lhe mostrou aos convidados, era visível suas alegria. Isso despertava os mais variados sentimentos em seus familiares:
— Onde Kate disse que conheceu esse rapaz? — Pergunta Madalene.
— No passeio público. Estava em companhia de Gloria. Não vi nada de mais, já que não estava sozinha.
— A senhora acha prudente...?
— Sua irmã já está na idade de se casar... Era seu pai que deveria cuidar disso, mas como ele se encontra enfermo, acho que eu devo assumir esse papel. Conheço os rapazes da coorte e sei que nenhum serve para minha Kate. Bons homens como seu marido não existem mais.
— Joseph e eu estávamos conversando sobre o interesse de Eduard em Kate. É filho da irmã de Joseph com um importante...
— Pode parecer estranho, Madalene, mas não quero que minha filha se case por dinheiro. Você teve sorte em encontrar Joseph, a quem ama e tem posses. Não quero dar um futuro infeliz para Kate. Acho que seu pai também pensaria isso. — Os pensamentos da Condessa se contrapunham totalmente aos de Eduard:
— Veja meu tio. Como podem permitir que ela desfile com alguém que nunca vimos?
— É verdade Eduard. A não ser que a Condessa esteja pensando em casar sua filha com ele.
— Mas tio... eu...
— Eu teria muito gosto em ver você se unir a minha cunhada. Mas nada posso fazer. Ainda se o Conde estivesse bem de saúde...
Seguiam assim os comentários sobre o forte envolvimento entre Kate e Profaniel. Os dois sorriam e se divertiam. Profaniel conhecia um mundo diferente... Kate lhe oferecia doces, ele os colocava na boca, apesar de não sentir seu sabor. Eram já altas horas quando a orquestra tocou uma valsa.
— Estão tocando uma valsa, Eduard. Convide Kate para dançar.
— Boa idéia tio. — Eduard corre até Kate e interrompe sua conversa: — A senhorita me concede esta dança? — Ela o olha parado ali, como uma estátua lhe oferecendo a mão. Vira-se para Profaniel e novamente para Eduard. A visão do rapaz lhe repugnava, ela disse:
— Obrigada, mas vou dançar com Profaniel. — Assim puxa Profaniel pela mão até o salão. O ato deixa Eduard profundamente irritado.
— Eu não sei dançar...! — Diz Profaniel em voz baixa.
— Eu te ensino. — Ela o põe na postura, lhe envolve com o braço a cintura e a mão lhe põe para ele a guiar. E valsavam desajeitadamente, mas valsavam.
Aos poucos Profaniel sentia a música e embalaria na dança. Era seu momento mágico, onde não tinha dúvida que tinha o amor de Kate. Seu espírito exaltava de felicidade. Os convidados viam o casal bailar, agora lindamente. Eu os via também, eu e outros anjos que ali estávamos. Víamos Profaniel abrir suas asas e envolver Kate. Ela sentia estar pisando em nuvens. Profaniel a levaria no céu com essa dança.

* * *

Estavam os dois felizes, e essa felicidade era transmitida aos anjos que sentiam alegria por Profaniel, ao mesmo tempo em que temiam por seu destino. Estava na ocasião, como já foi dito, o Conde Goodsmith padecendo de um grave doença. Durante o baile ele estava em seu quarto sob os cuidados da criada. Já era um homem velho e a moléstia lhe consumia as últimas forças. Nenhum médico pôde fazer qualquer coisa para ajudá-lo. A não ser receitar compressas e banhos.
A mesma felicidade que irradiava do amor de Profaniel e Kate, por alguma razão tomou o Conde em seus últimos momentos. Expirou no mesmo momento em que sua filha bailava com seu amado. Acontecia o momento mais singelo e desconhecido da existência humana, o momento da morte. Desceria dos céus o anjo da morte para acompanhar o Conde a vida eterna. O anjo da morte é o mais belo anjo de toda a melícia. Sua beleza se faz aos olhos de quem o vê. Para o Conde, ele se mostrou como uma linda mulher, de cabelos cacheados e olhos azuis, como era a Condessa na juventude. Melod, é esse um dos nomes atribuídos ao anjo da morte. Melod conduziu o Conde à passagem em paz.

* * *

A notícia do falecimento do Conde não seria ouvida tão cedo, visto que a criada pegara no sono e ainda dormia. O baile se estendia até se encerrar já de madrugada. Chegou à hora da despedida:
— É uma pena que tem que ir.
— Sim, mas a verei amanhã.
— Estarei esperando. — Kate diz adeus a Profaniel que não vai antes da porta se fechar e não poder mais ver o rosto da moça.
Sua felicidade era tamanha, que caminhava pelas ruas com sua forma mortal. Novamente maquinaria o desejo que ficar com Kate, agora mais do que nunca, já que sabia que ela o amava. Mas como ele poderia fazer isso? Como desceria dos Céus para vagar sob a Terra e conquistar sua completa felicidade? Só havia uma maneira... uma única maneira...
Ele se encheu dessa esperança e entrou numa pequena igreja, próxima a casa de Kate. A igreja estava fechada e escura. Manifestou-se no meio dela Profaniel na glória de sua forma. Vestindo sua armadura iluminada sob o manto de tecido alvo e reluzente como latão. Seus pés eram como turquesa e suas asas resplandeciam por toda a igreja. As asas eram enormes, quatro vezes o seu próprio tamanho cada. Tinha na mão direita a espada e na esquerda o escudo. Seus cabelos eram como chamas e seus olhos como faíscas. Quando um anjo assume tal forma, é porque algo sagrado está prestes a realizar.
Prostou-se frente ao altar. As velas se acenderam. Profaniel se via diante do Criador... pronto a lhe falar:
— Senhor... Eu, Profaniel, seu servo, me ajoelho diante de Ti para lhe rogar. Tu deste aos homens e aos anjos o direito da escolha, o direito de sermos livres para decidir nosso destino. Senhor, encontrei novo curso em minha existência, novo sabor em meu caminho. Algo novo e bonito me tomou e nada pude fazer se não ceder a esse novo sentimento. Estou amando! Amando uma mortal! Sei que tais palavras soam impossíveis e abomináveis, mas não tenho capacidade de mentir. Preciso realizar esse amor, se não serei falso em sua verdade e não sei mais digno de ocupar acento diante de Ti. Senhor... se tenho o direito de escolha... escolho desistir da minha eternidade e descer dos Céus para habitar como um mortal nesta Terra que Tu criastes. Só assim posso acalmar meu coração sem destruir Vosso firmamento.
Todo o universo de anjos calou-se diante das palavras de Profaniel. Ele pediria para ser humano, algo assim nunca aconteceu. Todos nós olhamos atentos para o Altíssimo esperando sua resposta. Na igreja, Profaniel permanecia ajoelhado, apoiado sobre a espada, esperando... esperando... esperando... Até agora.
Fortíssima luz lhe invadiu. As velas se apagaram com o vento das asas e trombetas rufavam como trovões. Erguia-se Profaniel levado pela luz até seus pés deixarem o chão. Em momentos, suas asas desapareceram, sua armadura se fazia pó, assim como seu manto, sua espada, seu escudo. O sangue, sangue jorrava pelas suas veias e enchiam um coração que batia... O ar lhe invadia os pulmões e sentia seu peito inflar e se contrair... Ouvia, sentia, cheirava, via... A luz o abandonou e caiu sobre o chão. Estava nu, mas logo se fez suas roupas que usaria durante o baile.
Eu observava tudo sem poder fazer nada, via meu amigo cair dos Céus e se fazer carne. Um anjo abandonou sua glória para viver ao lado de uma mulher... para viver... para, futuramente, morrer. Estava condenado ao castigo dos homens. Assim adormecera no chão da igreja.

* * *

Na manhã seguinte, acorda... sente o amargo na boca, o frio do chão, dor... Profaniel era homem. Entendera isso ao não mais sentir a presença constante do Criador e de seus anjos. Seu pedido fora atendido. Saiu pelas ruas, feliz dizia aleluias e expressava sua alegria. Sentia fome, sentia cede. Correu para a casa de Kate, agora poderia ficar com sua amada por toda sua vida.
Ao chegar a rua de Kate, viu da sua casa partir um funeral. Devagar se aproximou e avistou a moça chorando amparando a mãe desconsolada.
— Pobre Conde. Seu único consolo é que faleceu dormindo. — Comenta um homem. Percebia Profaniel o que se passava. Aproximou-se de Kate e lhe apoiou a mão no ombro:
— Eu sinto muito. Tenha a certeza de que ele está num lugar lindo.
— Oh... é você! Que bom que esta aqui.
— Sempre estarei aqui Kate. Sempre estarei com você. — Ela o abraça forte. Pela primeira vez, ele a pode sentir de verdade.
— Fica comigo! Agora sem meu pai, eu me sinto fraca, desprotegida.
— Você... Kate... você quer se casar comigo?
— S-sim...! Sim! — Num momento de dor, Kate encontrou conforto nos braços de seu amado. Assim se cumpre o plano de Deus, que a alegria e o amor superem a dor e o medo.
Profaniel é humano agora, não mais me viu. Como todo humano precisava de um anjo da guarda, eu me ofereci para guiá-lo. Assim acompanhei sua vida e senti todas suas sortes. Mas isso é assunto para um próximo capítulo.

Fim do Capítulo I

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