Profany
O Anjo da Morte


Episódio 1: “Pecados – parte I”
Por: Anderson Oliveira


Homens são feitos de sonhos e fé. Anjos são feitos somente de fé. Profany experimentou facetas desses dois mundos e hoje não é nem homem nem anjo. Contudo, tem sonhos, mas perdeu sua fé. Seu sonho é poder rever sua amada Kate, para isso precisa cumprir a missão que lhe foi oferecida para voltar ser um anjo. Ser um anjo não lhe interessa mais, só poder ver Kate lhe importa.
O deixaram em um lugar distante do qual ele conhecera no seu tempo de vida. A Londres que presenciou seu amor e sua ruína Profany não mais viu. Agora vaga em terras tupiniquins, o ponto de partida de sua jornada. Mas neste lugar tão afastado do berço que conheceu, Profany sentiu a presença da mulher que lhe fez renegar a imortalidade. Ele sentiu Kate na pessoa da menina Letícia. Tal situação tomou sua mente por toda a noite...
— Salve, amigo Profany. — Lhe diz Noriel, seu amigo que observou toda a sua triste história.
— Eu... eu já te fiz essa pergunta e você não soube responder... mas... farei de novo. Por que senti a presença de Kate naquela criança?
— Sinto, mas ainda não sei a resposta. Acalme-se e tente não pensar nisso... irá se sentir melhor. Eu temo que isto seja algum estratagema para te desviar da tua função.
— Quem poderia querer me desviar da minha missão? Quem, além de você sabe dela?
— Sua missão é vencer o mal, porém o mal não se deixará ser vencido facilmente. É notório que suas forças já tomaram conhecimento da real situação. Um anjo caído tirado do Inferno para receber uma segunda chance provoca louvor nos Céus e inveja e fúria nas Profundezas... Mas não pense nisso também. Descanse para seu próximo desafio. — Profany passa a noite no relento no alto do edifício em construção que adotou como base de vigilância.
O que Noriel disse é em parte verdade, o mal não será vencido sem antes tentar lutar. Já se isso tem a ver com Kate e Letícia, não é real. Mas nem todos os homens são feitos de sonhos e fé... Existem homens que não têm fé, e seus sonhos não têm ideal algum. Num lugar distante de onde Profany descansa, encontramos um desses homens.
É madrugada. Renato trabalha no computador enquanto sua esposa e suas duas filhas dormem, parece estar se escondendo. Está tenso e preocupado. Logo, fecha o programa em que está trabalhando e acessa a internet, em uma rede de relacionamentos procura por algo que o faça melhor, algo que ele possa usar para tirar um peso que o atormenta e o aprisiona. Lá, ele encontra um meio de extravasar esse seu lado obscuro.
Amanhece e os raios de sol machucam os olhos de Profany, ao acordar ele percebe que não estava num sonho, num pesadelo. No entanto de algum modo se sente feliz, pois sente o ar no rosto em vez do fogo do Inferno. É hora de dar continuidade ao trabalho. Profany junta os orifícios dos pulsos e procura por almas vermelhas:
— Venha... quem será o próximo? Será você...? Não... Então, será você?! Ah, não... — Profany examina um a um as pessoas que surgem na sua frente. Logo vê alguém: — Será este!
Em outra parte da cidade, uma diligencia da polícia atende a uma denúncia de tráfico de drogas. O agente Luke Junqueira está na ação:
— Alô central, aqui é o Luke... o grupo tático interceptou o caminhão... nós estamos a caminho, câmbio! — Mas os pensamentos do policial estão concentrados em outra coisa: — Aquele cara... Mal posso esperar para por minhas mãos nele e joga-lo numa cela! — Pensa, todavia precisa voltar ao trabalho.
Profany anda pelas ruas... Já encontrou seu alvo, mas algo dentro de si diz pra ele esperar. Enquanto isso ele estranha os novos costumes do mundo. O que mais questiona são os carros que andam sem cavalos e numa velocidade muito alta. Andando com esses pensamentos ele não percebe que está de volta ao bairro onde ontem encontrou a pequena Letícia. Joguete do destino, pois a garota está voltando da escola:
— Hi, caramba! Aquele magrelo esquisito de novo! Se meu pai ver ele por aqui vai matar o coitado. — Letícia olha pos lados... — É melhor eu tirar ele daqui! — Ela corre até Profany, este estava de costas. — Hei você!
— Quem...? — Profany olha Letícia, vem a sua mente àquela força que o lembrou de Kate, mas agora não a sentiu. Achou estranho, mas já que estava ali com a criança, resolveu descobrir qual era sua ligação com Kate. — É você... O que você quer menina?
— Cara, você é doido!! Sai daqui! Se meu pai te pegar vai arrancar sua pele!
— Seu pai? Fala do policial? Não tenho medo dele...
— Ah é? Mas eu tenho! Olha, vem cá... conheço um lugar onde você pode se esconder!
— Não preciso me esconder...
— Cala a boca e vem comigo!! — Letícia o puxa pelo braço. Profany a acompanha confuso, pois ela o mandou calar sua boca, mesmo assim ele não teve raiva dela.
Letícia o leva a um salão abandonado, outrora fora uma padaria, um bar, uma oficina. Quando Letícia era menor, ela e todas as crianças da vizinhança faziam do lugar um esconderijo onde brincavam o dia todo. Mas o prédio foi interditado pela saúde pública e ninguém mais foi lá.
— Hei menina... Eu já disse, não preciso me esconder...
— Tá, mas... olha... nem sei porque tô fazendo isso. Acho que gostei de você!
— Gostou de mim?
— É... você tem um estilo diferente, cara de mal, parece um vagabundo, mas eu sei que você é do bem!
— Obrigado... acho. Então, já que estamos aqui, eu queria... conversar com você, menina...
— Tá bom... Mas antes, não me chama mais de “menina”! Meu nome é Letícia. Qual é o seu?
— Profany...
— Isso é nome?! Que da hora! Você é mais maluco do que eu pensei! — Diz ela sorrindo, nisso, uma revista com anjos na capa cai de sua mochila, Profany a pega e olha os desenhos.
— Você gosta de anjos?
— Gosto muito! Gosto de todas essas coisas sobrenaturais, sabe? Eu tenho um monte de revistas, bonecos e desenhos de anjos. Às vezes eu fecho os olhos e tento conversar com meu anjo da guarda... Ah... Você deve tá me achando pirada, né?
— “Pirada”? Não... por que acharia?
— Esse papo sobre anjos... Todo mundo me diz que eu sou doida de conversar com aquilo que eu não posso ver... Mas eu não ligo. Você acredita em anjos?
— Eu...? Sim. Acredito.
— Pára! Tá falando isso só pra ser legal comigo!
— Não, é verdade... Antes... houve um tempo que não acreditei... Não acreditava em nada, só o ódio havia dentro de mim... Então...
— Você viu um anjo?!
— Um não... vários! Todos, eu acho.
— Cara!! He... Você não tava chapado não, né?
— “Chapado”? O que é isso?
— Hmm... pelo jeito você não saca muito de gírias... Eu tava reparando no jeito de você falar, parece que você é do século passado!
— Acredite... sou muito mais velho!
— Hahaha!!! Você é muito legal, Profany!
— Sou legal? È... acho que eu sou... legal.
Inusitadamente uma amizade nasce desse encontro. Profany e Letícia conversam por mais algumas horas. Enquanto isso, Renato, o homem que passou a madrugada na frente do computador, vai buscar sua filha mais velha, de nove anos, na escola. No entanto a professora pede para conversar com ele:
— Sr. Renato, Camila vem mostrado um desinteresse nos estudos, seu rendimento está caindo, ela está desatenta... Uma vez a peguei chorando no banheiro, ela não quis dizer o que era... O senhor está tendo problemas com sua mulher? Estão brigando? Isso pode prejudicar muito as crianças...
— Não professora, está tudo correndo bem na minha casa. Minha mulher e eu estamos bem, as meninas estão felizes... Não entendo o comportamento de Camila.
— Por acaso o senhor não está agredindo a menina, está? — Renato engole seco quando a professora lhe pergunta isso.
— D-deus do céu... professora... como pode imaginar isso...?
— O senhor sabe que eu posso denunciá-lo pra polícia se algo estiver acontecendo com a menina, não sabe?
— Fique tranqüila professora... Eu nunca toquei em um só fio de cabelo de Camila... e nunca farei isso. Juro por Deus!
— É bom mesmo... — A professora se levanta e chama Camila até a sala. A menina se aproxima apreensiva. — Pode ir com seu pai, Camila.
— Venha cá querida! — A menina vai até o pai devagar. Ele a puxa para pega-la no colo. Ela o abraça envolvendo seus braçinhos em seu pescoço. — Até amanhã professora. — Renato sai.
Ele leva Camila até o carro, a põe no banco traseiro, lhe põe o cinto. A professora observa tudo através da janela. Renato entra no carro, faz um aceno para a professora, e sai. Quadras depois, ele conversa com sua filha a olhando pelo retrovisor:
— Você não falou nada pra tia, falou?
— Não... — Diz a menina com um certo medo nos olhos.
— Tem certeza?
— Tenho...
— Tá bom. Papai ama você!
— Eu... Eu também te amo, papai. — O carro segue em meio a árvores e pássaros.
Numa delegacia da Polícia Civil, Luke e outros policiais chegam trazendo bandidos pegos em fragrante e toda a apreensão de drogas que fizeram. Não era a delegacia onde Luke trabalhava, mas tinha lá alguns amigos. Um deles é Danilo, um detetive especializado em investigações cibernéticas. Feitas através do computador.
— E aí, Danilo? Beleza cara?
— Luke? E aí, mano! Pelo que tô vendo pegou coisa boa aí, hein?
— Pois é, dessa vez essa droga não vai pras ruas. Mas o que você tá fazendo agora? Ainda procurando por hackers, estelionatários ou só vendo uns sites de sacanagem?
— Sacanagem pura, mas não é isso que você tá pensando! Estamos investigando uma rede de pedofilia.
— Cara, eu odeio pedófilos.
— Eu também. Por isso não vou descansar até por esses filhos da puta na cadeia. Só alguém que tem merda na cabeça pode fazer essas coisas com crianças!
— Qualquer coisa pode me chamar, Danilo. Adoraria por minhas mãos em algum desses canalhas.
— Pode deixar... Agora descobrimos que eles agem livremente em uns desses sites onde você entra em comunidades sem nenhuma fiscalização. Luke, e olha que meu filho usa essas coisas!
— É... por isso não tenho computador em casa. Tenho que ir... a gente se vê por aí.
Luke está a caminho de casa. Letícia e Profany ainda estão no salão abandonado. Maria, mãe de Letícia se preocupa com a demora da filha. Mas agora a conversa deles deve chegar ao fim:
— Letícia... preciso ir...
— Por quê?
— Não posso dizer... — Profany pensa: — É a hora, devo voltar a minha missão.
— Tudo bem... Olha, se você quiser... pode dormir aqui de vez em quando. Hi cacete! Olha a hora que já é! Minha mãe deve tá arrancando os cabelos... quem precisa ir sou eu! Tchau! — Letícia sai correndo deixando Profany só. Nisso, Noriel se materializa diante dele.
— Então fez uma amiga, Profany?
— Noriel? É, pode-se dizer que sim... Essa garota me lembra...
— Kate?
— Não... me lembra a pequena Caterine, filha de Williams. Não sei por que, mas tinha uma grande afeição por aquela criança.
— Você era o anjo da guarda da menina, Profany, antes de cair dos céus. Não se lembra disso também? — Enquanto falavam, Letícia dá meia volta e entra no salão:
— Como sou distraída, esqueci minha mochi... — Letícia não vê Noriel, não como Profany o vê, mas vê uma áurea branca e reluzente na frente de Profany. Noriel percebe e se vai. — O-o o q-que... era... aquilo...??! — Diz ela em êxtase.
— Aquilo o quê? Não havia nada aqui. — Diz Profany.
— Não me faz de besta! Eu não sou tão maluca quanto pareço! Eu vi uma luz muito forte aqui!
— Foi só... só um reflexo...
— Não! Eu tenho certeza...!!
— Você não disse que sua mãe estava arrancando os cabelos? É melhor ir antes que ela fique careca...
— É... tá bom... — Letícia pega sua mochila e se afasta lentamente. — Dessa vez você venceu... — Ela sai, mas logo põe a cabeça pra dentro e diz: — Mas eu tô de olho! — Profany sente vontade de rir, mas sua boca selada o impede de dar um belo e aberto sorriso.
— Bem, é hora de agir. — Profany de põe de pé. Fecha os olhos e se concentra em seu novo alvo. Logo migra para o plano espiritual.
Letícia anda pela rua, no por do sol, pensando no que acabou de ver:
— Eu vi! Tenho certeza! Era uma luz muito forte pra ser um reflexo! E ainda, se fosse reflexo, a luz não seria tão clara, pois o sol já tá se pondo! O Profany é um cara mais misterioso do que eu pensei, mas é gente boa! — Enquanto pensa, a garota chega à sua casa. — Mãe! Cheguei!!
— Olá, Letícia. Onde esteve esse tempo todo? — Diz seu pai que a esperava.
— Pai! O senhor já chegou?
— Não... ainda estou no trabalho... Me responde, onde você tava?
— Então... Eu fui na casa da... Patrícia.... pra fazer um trabalho da escola...
— E por que não ligou pra sua mãe?
— É que a Patrícia tá sem telefone... e como eu não tenho um celular, e vocês não recebem ligações a cobrar... eu...
— Tá bem... Melhor parar por aí, senão você me vem com a história do celular de novo!
— Mas pai...
— Tá certo... Agora eu vou tomar banho... — Luke pensa: — Casa da amiga? Sei... É melhor eu abrir o olho com essa menina...
Anoitece. Uma tela de computador exibe uma página da internet. Trata-se de uma comunidade de pedófilos, a mesma que os policiais investigavam. Na página pode-se ler o seguinte:
“Pratico pedofilia há muito tempo. Adoro ver essas molecas gritarem e rebolarem! Tenho uma filha de nove anos, pratico incesto com ela desde os seis, torei ela pela primeira vez aos sete. Minha mulher não sabe, e nem desconfia. Se ela souber, estou morto.”
A mensagem é assinada por alguém que usa um nome falso. Ele também oferece fotos da filha por e-mail. Outras pessoas respondem a ele. Mas não há ninguém na frente do computador. A máquina está num quarto grande e escuro, a única luz provém do computador, mas outra luz é acessa, a porta do banheiro se abre. De lá sai Renato de roupas íntimas. O chuveiro está ligado, e lá encontramos a pequena Camila ajoelhada debaixo da ducha. Ela chora enquanto sangue escorre de seu corpo profanado.
Renato fuma na frente do computador. Sua imagem se torna avermelhada. Então vemos, do alto de um outdoor, que ele está sendo vigiado por Profany, o anjo da morte:
— Então é esse...? Prepare-se, pois esta noite, você morrerá.

Continua...

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