Profany
O Anjo da Morte

Em

O DESERTO
Episódio 10:
– “A Caça – parte IV”

Por: Anderson Oliveira


O clarão do relâmpago ilumina o quarto aonde Profaniel vê através daquele espelho a figura de um sonho que ele queria esquecer. Um segundo clarão, ao iluminar sua vista revela ao espelho o reflexo do homem que é hoje. Profaniel apalpa seu rosto e constata que viu somente uma ilusão... uma outra ilusão.
— Meu Deus...! — Exclama com a mão na cabeça e se sentando sobre a cama. Nesse instante, Kate desperta e toca seu braço dizendo:
— O que foi querido? Algo te perturba?
— Hã...? Não Kate... Foi só o barulho dos trovões...
— Você teve outro pesadelo?
— É... acho que sim... Volte a dormir... — Profaniel se deita ao lado de sua esposa, mas passaria o resto da noite em claro.
O sol nasce após aquela repentina tempestade. Ao ouvir o cantar do galo Profaniel se pôs de pé, se vestiu e, deixando Kate e o bebê dormindo, saiu do quarto. Pelos corredores tudo calmo e normal. Nenhum sinal do que viu no quarto de Eduard, agora bem fechado. Profaniel desceu até o oratório da família Williams, se ajoelhou, e orou.
Minutos depois sentiu alguém se ajoelhar ao seu lado. Sem parar sua prece abriu os olhos e viu Elizabeth com o rosto coberto por um véu. A jovem senhora, em posse de seu terço, começou a orar em voz baixa. Profaniel notou que além de esconder o rosto também escondia as mãos e o pescoço com luvas e xales.
Por um instante Elizabeth abriu os olhos e viu que Profaniel a observava. Este disfarçou rapidamente. Pôde ver que o rosto da mulher estava inchado e com hematomas. Elizabeth tão logo voltou a sua oração, carregada de sentimento, ainda que contido.
Profaniel ouviu passos firmes e apresados virem em direção ao oratório. Sentiu se aproximar alguém que, a poucos metros deles, parou. Ouvia-se também o insistente bater de um chicote de hipismo. Sua respiração era forte e expressava um certo descontentamento. Era Eduard. Elizabeth intensificou sua prece com medo do marido. Profaniel fez o sinal da cruz e se levantou.
— Bons dias, Eduard. — Disse ao passar pelo jovem.
— Bons dias, Profaniel. — Respondeu Eduard naturalmente. — Eu e meu tio iremos caçar logo mais... Quer ir conosco?
— Sinto, mas se ainda estou aqui foi só por causa das chuvas... Devo retornar a corte...
— Esqueça! Falei com um viajante a pouco e ele disse que a estrada está intransitável devido à queda de árvores. Vai demorar pelo menos dois dias para abrirem a passagem.
— Oh... isso é... Lamentável.
— Então... já que não poderá ir ainda... fique e venha conosco!
— Sim... Eu irei. — Disse Profaniel se retirando. Teve que fazer muito esforço para tratar Eduard cordialmente após o que viu. Enquanto saia, Eduard o olhou com olhos rancorosos. Depressa foi até Elizabeth e com brutalidade a puxou pelo braço lhe tirando da reza:
— O que estava fazendo ao lado dele?! — Disse com voz contida para Elizabeth que o olhava com medo:
— Eu... eu só estava rezando... Não falamos nada...!
— Se eu te ver outra vez sozinha com Profaniel... é melhor rezar muito! — Eduard a solta. Elizabeth cai sobre o oratório enquanto Eduard saía pra fora empunhando o chicote.
Profaniel voltou ao quarto e encontrou Kate de pé. Ela ninava o pequeno Miguel que estava bem, sem nenhum sinal estranho como Profaniel tinha visto pela noite. Ele entrou sorrindo para não assustar Kate e abriu sua bagagem para pegar suas esporas e o chicote. Kate se aproximou e perguntou:
— O que está fazendo, amor?
— Vou caçar com Joseph e Eduard...
— Não íamos embora hoje?
— O caminho foi bloqueado por uma queda de árvores... Teremos que ficar aqui por mais algum tempo... — Dizia Profaniel com o semblante de preocupação, mesmo tentando disfarçar.
— O que há, querido? Você está estranho... foi aquele pesadelo?
— Não é nada Kate... Só não gostaria de ficar aqui por mais tempo.
— Ah... Entendo... É algo com Eduard? — Ao ouvir isso, Profaniel se conturbou. — Vocês dois estão se desentendendo? Não precisa disfarçar... eu confesso... confesso que também não me sinto a vontade com ele...
— Ele disse alguma pra você?!
— Não... nada... Ele não teria essa audácia... Além disso, parece contente com sua esposa... Reparou como ela é reservada?
— Hã... creio que tem seus motivos...
— Como? Sabe de alguma coisa?
— Não... Agora preciso ir... — Profaniel pegou seus pertences e saiu do quarto apressado.
Antes de sair, porém, os cavalheiros se sentaram à mesa para o desjejum. Williams comentava sobre o desastre na estrada enquanto comia. Eduard participava da conversa, mas sempre com o olhar voltado para Profaniel que continha-se em só escutar e apreciar a comida. Fartos com a refeição, eles tomaram suas montarias, despediram-se de suas esposas e partiram na companhia dos criados e com os cães.
— Não era você um defensor dos animais, Profaniel? É uma surpresa vê-lo em uma caça. — Disse o conde Williams.
— Eduard me convenceu a vir...
— É melhor estar aqui com a gente do que na companhia das senhoras, não é mesmo?! — Retrucou Williams com um largo sorriso à frente da comitiva rumo às charnecas.
O tempo passava e os caçadores se embrenharam na floresta em busca de um cervo, ou qualquer animal de porte médio. Não era a tradicional caça a raposa, pois não estava na época. A certa altura os cavaleiros se separaram e estavam Williams e Profaniel juntos, enquanto Eduard fora para outro ponto.
Williams se concentrava na caça enquanto Profaniel pensava se deveria reportar ao amigo sobre os atos de seu sobrinho. Pensava que certamente Williams pensaria que é despeito de Profaniel por causa da rivalidade entre os dois. Mas também ponderava que Joseph Williams era um homem justo, e saberia como ninguém repreender Eduard.
— Avistou algo, Profaniel? — Disse Williams com sua arma empunhada a espera de abater algum animal.
— Ainda não, Joseph... Escuta... Nunca presenciou nada estranho entre Eduard e sua esposa...? — Perguntou Profaniel com um olhar sereno, sem se ater ao assunto da caça.
— Do que está falando?
— Os dois... nunca... brigaram...? Eduard nunca levantou a mão contra Elizabeth?
— Pelo Altíssimo, Profaniel! Que idéia é essa?! Há ainda quem julgue que o homem tem esse direito sobre sua esposa... mas em minha família isso foi abolido há gerações, e certamente Eduard foi educado a nunca usar de força contra uma mulher que seja... Por que perguntou isso? Sabe de algo, Profany?
— Eu... do que me chamou?!
— Hã? De Profaniel... não é este seu nome, rapaz?!
— Ah... eu pensei ter ouvido outra coisa... — Profaniel sente que pode estar sofrendo novas alucinações.
— Mas então... sabe de algo sobre Eduard que quer me contar? — Insiste o conde com um semblante sério.
— Bem... Joseph... eu... — Enquanto vacilava em falar, ouviram um tiro vindo de perto.
— Veja! Devem ter abatido algum! Vamos! — Disse Williams que logo mudou de semblante e foi a galopes em direção do tiro. Como se a conversa até então não tivesse importância maior que a caçada. — Venha logo, garoto!
— Ah... sim...! — Profaniel seguiu Williams até o local do disparo. Chegando lá, Eduard e um dos criados com os cães esperavam.
— Pegou algo, sobrinho? — Perguntou Williams ao chegar ao local.
— Por pouco, meu tio. O animal conseguiu escapar... Porém meu cavalo pisou em um cachorro e este o mordeu.
— Então fique aí, Eduard... Eu vou atrás do animal. — Disse Williams que seguiu o rastro da presa, seguido pelo criado. Profaniel desmontou e olhou a pata do cavalo de Eduard.
— Não foi nada grave... Farei um curativo e o levamos de volta a fazenda. — Profaniel rasgou a manga de sua camisa e enfaixou o ferimento do cavalo. Eduard desmontou atrás dele e, de braços cruzados, observava: — Pronto! Você pode andar?! — Falava Profaniel ao cavalo.
— Podemos continuar a caça. — Dizia Eduard subindo no cavalo.
— Não. O ferimento não foi grave, mas o cavalo precisa de repouso... — Disse Profaniel para o descontentamento de Eduard. — Vá com o meu cavalo, se quiser... Eu vou levar este de volta.
— Besteira... ele agüenta... — Insistiu Eduard furando o cavalo com suas esporas e batendo nele com o chicote.
— Pare com isso!
— Como disse?
— O animal está cansado... não o machuque...
— Ora... Cavalos servem pra isso... Não me venha com...
— Você trata os animais como trata sua mulher! — Disse Profaniel interrompendo Eduard que o olhou com susto.
— O que aquela vadia lhe disse?
— Ninguém me disse nada... Eu vi.
— Deveria parar de espiar o que não é da tua conta, Profaniel...
— Está certo... não é da minha conta... Mas não posso me calar quando vejo uma injustiça sendo cometida...
— Cale tua boca! Não me venha com esta história de bom pastor. — Enquanto Eduard fala, Profaniel novamente vê sua alma vermelha o envolver. Então em si desperta uma necessidade de estancar aquela chaga, de extirpar do meio deles aquele mal.
— És valente contra uma mulher... Por que não tenta contra um homem? — Intimou Profaniel. Eduard encheu-se de fúria e desceu do cavalo acertando um soco em Profaniel:
— Está satisfeito?! — Dizia enquanto Profaniel sentia o sangue escorrer por sua boca. Tão logo revidou com mais socos. Os cavalos se assustaram e se foram. Os dois homens rolaram pelo chão lamacento da mata enquanto distribuíam socos e chutes.
Nos pensamentos de Profaniel surgiam cenas de lutas como aquela, onde ele sentia-se fazendo um bem maior, protegendo inocentes... Realizando uma missão. Uma missão, lembrou ele, ele tinha uma missão na... não... era só um sonho que teve... Mas algo ainda lhe era estranho, e ainda mais com tantas alucinações e o embate de agora com Eduard. Começava a desconfiar da realidade.
— Você... Você sempre foi um peso pra mim!! — Dizia Eduard enquanto os dois se punham de pé. — Apareceu do nada na corte, sem passado, sem nome... E tirou de mim a oportunidade de desposar uma das mais belas e ricas mulheres de toda a corte!
— Kate me ama... E eu a amo... — Respondeu Profaniel novamente atacando-lhe com socos. — A amo tanto que... Não suportaria... — Mais uma vez em sua mente vêem imagens de seu sonho... E lá, Kate estava morta. — Não!!
— Pro inferno o amor! Eu nunca amei ninguém a não ser eu mesmo! — Retruca Eduard enquanto os dois iam à direção de uma encosta.
— Seu canalha!! Você deve... Deve...! — “Morrer”, ele dizia assim no sonho... Profaniel... não, Profany precisava matar pessoas... pessoas como Eduard... E a dor a cada golpe recebido lhe lembrava das dores passadas... na dor do fogo. E lembrou-se do Inferno...
— Maldito!! Eu vou te mandar pro inferno!! — Brada Eduard, porém ele escorrega e arrasta Profaniel pela encosta, sendo atingidos pelas pedras e espinhos do caminho até pararem num leito que sofreu erosão.
Nos céus, outra chuva se formava ao entardecer daquele dia. Os homens na caça estavam preocupados com a repentina formação de nuvens e resolveram voltar logo para a fazenda. Se outra chuva como a da noite anterior os pegasse ali, poderia ser desastroso.
Na volta, Williams atenta pela ausência de Eduard e Profaniel. Supôs que eles tenham voltado mais cedo por causa do cavalo ferido, mas já na saída da mata encontraram os dois cavalos sós. A chuva estava cada vez próxima e os raios e trovões indicavam que seria fortíssima. Mas Williams disse:
— Eduard e Profaniel estão lá em algum lugar! Devem ter se machucado... Não podemos deixá-los lá!
— Mas meu senhor... — Dizia um criado. — A tempestade se aproxima...
— Por essa razão não podemos abandoná-los! Venham logo... temos que encontrá-los.
Williams e os demais então voltaram para o interior da charneca em busca dos outros. A tempestade começou. No vale onde Eduard e Profaniel desceram, muito feridos e agora na forte chuva, eles ainda se dispunham a lutar:
— Por anos guardei essa mágoa comigo, Profaniel... Por anos fiz de tudo para de alguma forma te superar... mostrar que sou superior... Mas acima de tudo... no fundo da minha alma... eu sempre quis uma vingança... — Disse Eduard a uma distância de dois metros de Profaniel.
— Eduard... Teus ressentimentos enegreceram teu coração, poluíram tua alma com maus pensamentos... Isso te destruiu... — Disse Profaniel com seus cabelos empapados sobre seu rosto.
— Não me venha com sermões e com esse seu ar de santo... — Eduard dizia quando se surpreende com Profaniel lhe apontando seu mosquete:
— Você deve morrer! — Determinado, Profaniel atirou. Porém, tão rápido quanto a bala da arma, Eduard sacou seu mosquete e também disparou.
O trovão, como anúncio de maus presságios ecoou pela casa da fazenda onde as senhoras esperavam preocupadas a volta de seus maridos. Madalene batia seu leque enquanto andava de um lado para o outro em sinal de preocupação. Elizabeth rezava seu quinto terço enquanto Kate olha pela janela na esperança de ver Profaniel cavalgando de volta pra ela.
A chuva, tão misteriosamente como começou, cessou revelando o luar tímido enquanto as correntezas levavam a água pelas encostas. Kate então avistou ao longe os cavaleiros. Depressa avisou as damas que foram até a janela e viram o retorno dos homens, porém haviam dois cavalos sem montaria. Logo foram até a porta aguardar a entrada dos esposos, mas só Williams entrou, com o corpo encharcado e com o olhar pesado:
— Querido! Ficamos preocupadas! — Recebeu Madalene o marido que parou diante da porta com algo a dizer... — O que foi, Joseph...?
— Onde está Profaniel?! — Perguntou Kate em desespero. Williams a olhou um instante, olhou também para Elizabeth que parecia saber a resposta. E com o pesar no peito, ele respondeu:
— Profaniel está morto.

Conclui a seguir...

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