Profany
O Anjo da Morte

Em

O DESERTO
Episódio 11:
– “A Cova – parte final”

Por: Anderson Oliveira

“Aqui jaz Profaniel.
Que como um anjo entrou em nossas vidas...
E encheu nossos corações de amor.”

O epitáfio esculpido na lápide de mármore é um lamento dos amigos que hoje comparecem ao sepultamento de Profaniel. Já anoitece quando o ataúde é enterrado no mausoléu da família Goodsmith. Enquanto o caixão desce, os poucos presentes prestam suas últimas homenagens com flores e aplausos... e muitas lágrimas.
— É um dia triste para todos nós... — Dizia o padre à frente do cortejo. Ao seu lado, coberta por um véu negro e devidamente trajada com seu luto está Kate. A jovem senhora contém seu pranto enquanto procura amparar seu filho, órfão de pai devido a uma terrível fatalidade.
— Oh, Profaniel... Porque foi me abandonar?! Éramos tão felizes juntos... Nossa vida era bela... Nosso amor é para sempre! Sentirei tanta saudade! — Diz Kate com lágrimas no olhar.
O caixão desce para sua cova. O último adeus é dado com lágrimas. Em instantes a escuridão toma conta do mausoléu e todos se vão. Na sua última morada, Profaniel está só. Deitado em seu caixão na escuridão do abandono, no frio da fatalidade e da tristeza, ele permanece... Até que uma luz o desperta:
— O quê...?! Não! Não!! — Profaniel desperta ainda dentro do caixão. — Eu não estou morto! Alguém! Há alguém aí?! Socorro!! — Se debatendo ele luta para escapar da cova, do ataúde... da sombra da morte. Então atenta para a luz crescente que o envolve: — O que está havendo?!
— Profaniel... — Uma voz o chama... Uma delicada e sublime voz que o lembra de...
— Kate?! Kate... é você?!
— Venha Profaniel... Estamos te esperando... — A luz então revela o vulto da mulher que Profaniel ama. Ele não está mais no caixão, mas sim em uma espécie de túnel sombrio com uma longínqua luz no final. A figura de Kate ainda o chama: — Venha para mim, meu amor...
— Há algo errado aqui! Onde estamos, Kate?
— Estamos em casa, querido! Venha, pegue minha mão!
— Em casa? Mas... eu estava... Eu estou... Morto?! Não!! Não!! — Profaniel recua... lentamente se afasta da luz e da figura de Kate... resiste ao que parece ser inevitável. No entanto a luz parece se aproximar dele a cada passo.
— Venha Profaniel... É seu destino...
— Não!! Se afaste!! Você não é Kate!! É... é... Melod... ou qualquer outro nome... Você é o anjo da morte!! — Diz Profaniel seguro na sua sabedoria. — Eu me lembro... me lembro de tudo agora! Kate morreu! Eu não! — A figura de Kate fica imóvel por um instante, então ela se transforma em Melod, com suas asas douradas e a espada flamejante na mão.
— Não adianta resistir, Profaniel! Tua hora chegou! Infelizmente... isso poderia ter sido evitado... Mas você sempre foi um tolo! Cumpra seu juízo, ó anjo-caído!! — Melod ergue sua espada contra Profaniel com fúria no semblante.
— Não!! — Profaniel cobre a cabeça com as mãos e não sente a espada tocar-lhe. Mas ao seu redor o cenário se transforma e o túnel de trevas dá lugar ao fogo e o enxofre do Inferno.
— Esta é tua sentença, anjo-caído! Pela eternidade queimará no fogo eterno! Por renegar os Céus, por lavar suas mãos no sangue de pessoas... Por ser um idiota! Este é teu lar para todo o sempre! — Brada Melod enquanto Profaniel é atirado no mar de fogo.
— Não! Já chega! — Diz Profaniel antes de tocar o fogo parando em plena queda. — Eu já estive no Inferno... já o senti... E sei que isso não chega nem perto do verdadeiro. — Profaniel anda no ar em direção a Melod, que o olha com temor. — Estive cego por muito tempo, mas naquela floresta, enquanto lutava com Eduard... eu vi a verdade...
— Está louco, anjo-caído! — Retruca Melod erguendo sua espada.
— Isto tudo sempre foi um jogo... E no último instante consegui ver... Esta forma humana não me pertence... — Profaniel diz olhando para suas mãos, ainda andando, então lentamente elas se transformam, assim como todo seu corpo... — Este sou eu! — E Profaniel, o homem, se torna Profany: — Você perdeu, Lúcifer!
— Nãããããoooooooo!!! — Com um grito, Melod se cobre de fogo dos pés a cabeça e quando o fogo abaixa se revela ser, na verdade, Lúcifer.
— O jogo acaba agora! — Profany salta sobre o pescoço de Lúcifer e se debate com ele enquanto o cenário se torna branco... O deserto de Lúcifer.
— O que há, Profaniel?! Este é o agradecimento que recebo por ter te dado momentos tão grandes de prazer com sua Kate? É isso que ganho por te dar seu filho em seus braços?!
— Mentiras! Mentiras!! Tudo não passou de mentiras! Ilusões! E por pouco... muito pouco... eu não fiquei preso nelas para sempre!!
— Sim... foi por muito pouco! Isso me intriga... Como vistes a verdade?
— Eu... eu não sei. — Ao dizer isso, Profany é atingido por um soco de Lúcifer, que sorri enquanto ajeita seu terno. Profany cai no chão e recebe chutes do seu adversário.
— Não se vanglorie assim, anjo-caído. Mesmo tendo escapado de minha ilusão, não se esqueça que é fraco diante mim! Que não passa de poeira frente a minha magnitude! Eu sou o primeiro entre todos! O mais perfeito e mais belo, enquanto você é um reles... Não, não é anjo, nem homem... afinal, que diabo você é?
— Eu? Eu sou um cara que tem amigos! — Profany se levanta do chão diante de Lúcifer. Atrás dele uma forte luz se manifesta e dela surge Noriel. — Ainda bem que ouviu meu chamado, amigo!
— Você nunca está sozinho, Profany... Nunca esteve... — Responde Noriel que o ampara.
— Bah! Outro anjo tão inferior e tão fraco quanto o que você um dia foi! Achas que ele pode te ajudar contra mim?! — Zomba Lúcifer.
— Ele me ajudou muito... Agora compreendo... Se não fosse Noriel, eu nunca teria vencido a ilusão! Ele... é meu anjo da guarda!
— Então foi você, Noriel... Foi você que interferiu no meu jogo. Maldito!! Por isso eu te destruirei!! — Lúcifer se enche de ira e investe contra Noriel. Este, sereno, vê seu inimigo ser detido por uma estranha força: — Impossível! Tua aura não pode ser tão grande que possa me deter!
— De fato... eu sozinho não tenho poderes para me igualar a ti... Mas... Quem disse que estou sozinho? — Responde Noriel com um sorriso, para o temor de Lúcifer.
— O quê?! Então... Quem está aqui?! — Brada sua voz altiva que ecoa por todo o imenso deserto branco.
Então, ao redor de Profany e de Noriel se manifesta uma áurea azulada de grande resplendor e poder. A força repila Lúcifer que recua e fecha os olhos. Então diante deles dois anjos, vestidos com ternos azuis, se manifestam emitindo grande poder:
— Afasta-te, Imundo! Como ousas atentar contra um enviado dos Céus?! — Diz um deles, com cabelos loiros, que com sua mão repele Lúcifer. Este, levanta os olhos e reconhece seus inimigos:
— Gabriel... — Diz se dirigindo aquele que o repeliu. Depois olha para outro, de cabelos castanhos, a quem chama: — Miguel... É claro... Somente vos tens poder para me enfrentar!
— Isto prova tua covardia, Lúcifer! — Diz Miguel que anda até ele. — Sabe que não pode contra nós, seus iguais em poder, e ataca os mais fracos... Eu devia tê-lo esmagado quando, como a Serpente, tentou Eva no Éden!
— Mas não pôde fazê-lo, Miguel! Pois ainda és tolo o bastante para seguir as ordens Dele! E isso mostra minha superioridade! Pois eu tive moral para confrontá-lo! — Dialoga Lúcifer, mesmo sem poder se levantar do chão.
— Não se iluda... Seu ego é seu veneno... — Diz Gabriel. — Onde está a “moral” em desafiar Aquele que o criou com muito amor... que o ensinou tudo que sabe... a quem confiou toda a sorte de segredos e estatutos? Você virou as costas pra Ele o deixando chorar pela sua ingratidão!
— E como se não bastasse... teve inveja do homem. — Diz Miguel. — Pois o Criador ofereceu seu Trono a ele, sendo feito do pó da terra, e você, feito do fogo das estrelas se negou a prestar-lhe veneração. Desde então tem feito da vida do homem um mar de sangue... só para desafiar os Céus...
— Não me faça de idiota! — Diz Lúcifer. — Não ponha sobre meus ombros a culpa por todos os pecados dos homens... Eu nunca os obriguei a nada... eles vêm a mim por que querem! Eu só os mostrei o outro lado... Dei-lhes a ciência do bem e do mal, que Ele, como um grande ditador, quis esconder!
— E por isso nossa eterna guerra começou. — Diz Miguel. — Eu, a frente da Milícia Celeste, o bani dos Céus com seus anjos-contrários para que se afastassem da face de Deus. E ainda há de chegar à hora que novamente o banirei da Terra para os Infernos! “Assim na Terra como no Céu”!
— Contenha-se, Miguel, pois ainda não é chegada a hora. — Diz Gabriel que apascenta o furor de Miguel. — Por ora, resta aos humanos escolherem que seguirem pelo caminho que julgarem certo. Todavia, se aqueles que seguirem pelas trevas espalharem o sangue de inocentes e com seus crimes fizerem o Criador chorar... este anjo-caído, outrora Profaniel, agora Profany... este será por nós... e nós seremos por ele.
— Sim... — Completa Miguel. — E é por isso que estamos aqui, Lúcifer... Foste avisado que não atentaria contra Profany... Mas estava a desobedecer esta santíssima ordem. Por isso... Afasta-te ante nossa presença, Lúcifer!!
— Apenas palavras, Miguel... E palavras não me atingem... Mas está certo, deixarei Profaniel em paz. Não mais o tentarei nem lhe dirigirei a palavra... por ora! — Lúcifer se levanta e se afasta, se tornando um vulto negro e levando o deserto branco consigo. — Mas não penses que acabou, Profaniel. Meus anjos rebeldes ainda farão o possível para defender meus súditos! Seu inferno ainda não acabou! — Dizendo isso, ele some no horizonte.
As trevas do vazio tomam conta do cenário. Pela mesma forma que veio, Profany volta ao mundo, com muita dor e frio. Noriel, Miguel e Gabriel o amparam, mas, no entanto ele perde os sentidos.
O vento, o sol, o canto dos pássaros... Profany desperta no mesmo bosque que estava, num lindo dia, em meio a flores e vida. Porém está só, sem a presença de Noriel e dos arcanjos. E isso o enche de dúvidas... seria agora outra ilusão? Dificilmente, mas de agora em diante essa pergunta ecoaria em sua menta a cada despertar.
— Não tenhas medo, amigo Profany. Acabou. — Diz Noriel que chega ao seu lado.
— Ainda bem! Isso tudo foi... — Profany se levanta e começa a caminha ao lado de Noriel.
— Não posso dizer que sei como se sente, mas creio que não foi nada fácil acordar de um lindo sonho para a triste realidade.
— Eu a tive em meus braços! Senti seu perfume, o macio de seus lábios nos meus... Meu filho estava lindo! Nossa casa estava iluminada e... Tudo era perfeito...
— Este é a grande arma do demônio... Ele dá aos homens uma falta sensação de perfeição, de alegria... Mas em troca extrai dele cada sopro de sua vida e esmaga sua alma aos poucos... Quando senti que foste pego pela tentação, rapidamente orei ao Criador que me permitisse interferir...
— E conseguiu?
— Não exatamente... Tudo estava... dentro do acordo... Ele me disse que eu poderia deixar apenas uma mensagem... uma forma de aviso, e então você teria que ver a realidade por si mesmo.
— E qual foi essa mensagem?
— O fiz lembrar de sua missão. O motivo pelo qual hoje está aqui.
— Ah... Então... Eduard... ele...
— Aquilo fez parte da ilusão. Eduard não é seu inimigo, não é um dos cento e vinte e cinco... Mas com a ajuda do Senhor pude manipular a ilusão para sugerir que fosse. E, graças a Deus... Você entendeu! E Lúcifer percebeu isso culminando na cena de sua luta na floresta... Sua morte então significou uma trapaça... e isso permitiu novas intervenções.
— Então não matei Eduard?
— De forma alguma. Eduard faleceu após semanas de cama depois de cair do cavalo durante uma viagem catorze anos após seu... desaparecimento da Terra.
— Bem... Apesar de tudo... é bom estar aqui. Compreendo que o preço a pagar para ter Kate seria muito caro...
— Ainda bem, amigo Profany! — Após andarem alguns metros, eles deixam o bosque e se deparam com uma lanchonete logo em frente. — Agora amigo, vá até aquela lanchonete...
— Para quê? Não posso comer...
— Vá... alguém lá dentro quer falar com você. — Ao dizer isso, Noriel desaparece diante dos olhos de Profany. Ele então olha ao redor, e resolve entrar na lanchonete.
Lá dentro, algumas pessoas lancham em mesas e no balcão. Garçons levam pratos e bebidas de um lado para o outro. Ao entrar, Profany chama a atenção dos presentes, graças a sua aparência, mas tão logo eles voltam aos seus afazeres e o ignoram.
Profany resolve se sentar em uma mesa nos fundos. Ao seu lado, repara que há dois homens lendo jornais, escondendo seus rostos atrás dos jornais. Os únicos que não reagiam com sua entrada lá. Não demora muito e um garçom vai até Profany:
— O que o senhor deseja comer? — Diz o rapaz o olhando com estranheza.
— Nada... Estou esperando alguém... — Responde Profany sem erguer os olhos. Discretamente o garçom se retira. Profany ainda espera mais algum tempo. Observa que os homens ao seu lado não abaixam o jornal nem quando o garçom os serve. Irritado, Profany cochicha: — Droga... não há ninguém aqui...
— É o que muitos pensam, Profany! — Diz um dos que lêem jornal, abaixando o papel revelando ser Miguel, devidamente vestido com seu terno azul. O outro é Gabriel, vestido da mesma forma. Eles se levantam e sentam-se com Profany.
— Eles pensam que estão sozinhos no mundo, desamparados, mas esquecem que nós estamos aqui. — Diz Gabriel.
— Mesmo que não nos percebam... Nós sempre estamos aqui. — Diz Miguel.
— Vocês! Vocês estão... visíveis para eles?!
— É esta a primeira pergunta que faz? — Diz Gabriel com um sorriso. — É... eles nos vêem, como vêem você... mas ver não significa nada... se não sabem o que se passa.
— Nós anjos sempre andamos entre os homens, para ajudá-los, para guiá-los... mas as vezes eles ignoram nossa presença e preferem seguir por caminhos duvidosos... — Diz Miguel. — Só queríamos que você visse isso e soubesse que não importa o que aconteça... nunca... nunca abandonaremos você, nem nenhum deles! — Eles se levantam e caminham em direção à saída.
— Ah... Profany... Sua jornada ainda o espera... Deve agora fazer uma viagem, não? — Pergunta Gabriel, já na saída.
— Sim... devo ir. — Responde Profany.
— Então vá com Deus! — Diz Miguel saindo pela porta, mas antes de sair, ainda diz: — E não se esqueça: você não está sozinho!
— Não me esquecerei! — Responde Profany. Olhando pela janela, ele diz em voz baixa: — Kate sempre estará comigo... para onde eu for!

A Seguir: Muitas Formas de Amar

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