Profany
O Anjo da Morte


Episódio 3: “Inocência – parte final”
Por: Anderson Oliveira


Enquanto houver uma única criança inocente, este mundo estará salvo. Todas as crianças são inocentes? Antes de responder, pense... O que é a inocência? A inocência está na beleza de uma flor, no vôo de um pássaro, no pôr do sol e no sorriso de uma criança. É a presença de Deus.
Mas a inocência de uma garotinha está sendo-lhe roubada por um pai doente, tomado pela imundícia do demônio. Renato fere sua filha Camila, fere seu corpo que ainda não foi preparado para ser violado, e fere sua alma. Um mau que jamais lhe será reparado durante toda sua vida.
As trevas, os espíritos diabólicos estão junto de Renato, se alimentam de seu ser. Parasitam sobre sua vida vazia e sua mente defecada de pensamentos vis. Com isso, um anjo chora nas Alturas por não poder se aproximar daquele que deveria guardar, e outro anjo também se entristece ao ver sua pequena protegida tendo sua inocência mutilada.
Mas há um anjo, que já se arrastou sobre a Terra, sentiu o que os mortais sentem, inclusive o amor, e por isso foi banido aos Infernos, de onde se levantou e novamente anda sobre o mundo. Esse anjo veio para enxugar as lágrimas dos anjos do Céu, e lavar o sangue inocente que está sendo maculado... violado... conspurcado... profanado.
— Ah.. Ai.. pai... dói...
— Cala a boca Camila... sua mãe não pode nos ouvir...
— Pára papai... Pára!!
— Fica quieta, porra!! — Renato bate em Camila com tamanha força que a menina cai longe sobre o chão. Renato veste suas calças enquanto Camila se contrai e tenta não chorar. Renato pega uma bebida, Camila engatinha até suas roupas e se veste ali mesmo no chão. Seu corpo sangra...
Trovões anunciam a chuva que se inicia. Um vento. Um forte vento faz a janela abrir. Renato olha e, temendo o barulho que a cortina possa fazer ao esbarrar em alguma coisa, corre até a janela para fechá-la. Ao olhar pra fora, uma mão lhe agarra pelo pescoço e o puxa. Renato rola pelas telhas junto ao homem que lhe puxou e ambos caem sobre o chão de cimento. Mas Renato cai de costas, e Profany cai sobre ele:
— Você de novo!! Agora eu vou te matar!! — Diz Renato que tenta acertar Profany, mas este segura seus braços com sua força sobre humana. Profany lembra que deve manter o mal longe... e para isso não deve odiar seu inimigo. Sua reação imediata é não agredi-lo.
— Devo te matar... — Diz... então pensa que sem agredi-lo, não poderá fazer tal coisa. Logo Profany acerta um soco em Renato. Um forte soco que lhe estoura algo na boca e o sangue é lançado para fora. A esse soco se sucede outros, e mais outros... E logo Profany se vê tomado novamente pelas trevas: — Não...!! Devo me concentrar!! Argh!! — Profany leva as mãos à cabeça, ao fechar os olhos tem a nítida impressão de ver os espíritos imundos lhe arranhando e mordendo-o. Renato aproveita a hora para escapar.
— Você é doente cara... Me deixe em paz!! — Diz Renato ao se levantar jogando Profany para trás. O anjo da morte pensa:
— Não é ele que traz os demônios... sou eu com meus sentimentos negativos!! — Pensa enquanto olha para Renato, mesmo com seus longos cabelos sobre seus olhos, graças a chuva que cai cada vez mais forte. — Não posso odiá-lo. Isso me enfraquece... Mas também não posso nutrir nenhum sentimento bom por esse homem...
— Eu... Eu... vou acabar com você!! — Diz Renato que se afasta em direção a porta. Mas ao olhar pra cima, vê Camila na janela de onde ele foi tirado. A criança o olha com assombro...
— P-pai...? — Murmura.
— Entra pra dentro Camila!! Vá pro seu quarto! — Grita Renato. Então Profany nota a menina:
— Essa é a resposta... Não irei matar esse homem porque o odeio... Mas porque amo essa criança e devo defendê-la. — Ao se levantar. Renato o olha e vê um trovão atrás de Profany. Este segue dizendo: — Não permitirei que ninguém machuque essa inocente criança! Não vou te odiar... mas vou amar aqueles que sofrem por suas mãos!! — Profany corre e cai por cima de Renato. Os dois rolam pelo chão molhado até que Profany consegue dominá-lo e saca sua arma, no entanto ele hesita em atirar: — Não... você não é digno de uma morte rápida... deve sofrer por fazer sua filha sofrer! — Profany joga a arma longe e começa a espancar Renato.
— N-não...! Pare!! Por... favor!!! — Clama Renato.
— Por todo o mal que você causou... não só a sua filha, mas Deus sabe quantas outras crianças!! — Profany pára um instante... sente o mal se aproximar novamente, então fixa seus pensamentos nas crianças de que se lembra: Caterine, Letícia e seu irmão Thiago, Camila e seu filho que morreu... Pensa em todas elas e faz um voto de protegê-las... Então continua a atacar Renato.
A pequena Camila não consegue ver a cena, pois o telhado a impede, mas ela ouve os gritos do pai. Seu sentimento é de preocupação, pois ela ama seu pai, mas ao mesmo tempo parece sentir algum alívio. Nessa hora sua mãe, acordada pelos gritos de Renato, vai ao quarto, que pra ela não passava de um escritório do marido e encontra sua filha na janela. Ao entrar nota o material pornográfico espalhado pelos cantos e, num olhar rápido e singelo de Camila, percebe toda a abominação que acontecia debaixo de seu teto. Com um forte e emocionado abraço a mãe acalenta Camila.
O sangue de Renato é levado pela água da chuva. Seus dentes também são levados pela correnteza. Seus olhos mal se abrem de tão inchados... e Profany continua a golpeá-lo. Cada soco é um desabafo por toda a sujidade que ele representa. Mesmo assim o anjo caído não demonstra ódio por Renato. Ele canaliza essa força e a transforma em amor pelas crianças a serem salvas com sua morte. Uma morte lenta, indigna, dolorosa como ele merece.
Um trovão ensurdecedor anuncia o fim. Renato morre no chão de seu quintal, com Profany sobre seu corpo ofegante de cansaço. Seu rosto é irreconhecível graças aos hematomas e cortes. Talvez um traumatismo craniano seja a causa do óbito, mas isso não importa para Profany. Logo, a luz serena de Melod, o anjo guardião da morte surge em esplendor. Com uma aparência diferente... a aparência de uma criança. É a segunda vez que Profany a vê, e novamente Melod se dirige a ele:
— Salve Profaniel, os Céus o saúdam! Levanta-te e siga seu caminho... esta missão acabou. — Ao falar Melod desaparece da mesma forma magnífica que surgiu, deixando Profany só com o cadáver de um condenado. Mas Profany sente que esse não é exatamente o fim da missão. Uma força nova o faz se levantar e calmamente caminhar até a porta... e entrar.
Ele entra pela casa ainda com respingos de chuva e do sangue de Renato a escorrer por seu corpo. No escuro da noite sobe as escadas, seguindo um som, um delicado som, que a cada passo se torna mais forte, até encontrar a pequena Camila nos braços da mãe. As duas choram e não percebem a presença de Profany. Ele as olha e se sente bem, queria ter a certeza de que Camila estava a salvo. Ao retornar, uma coisa chama sua atenção: ele vê a outra menina dormir em seu quarto. Profany entra e olha para a pequena, nesse instante sente uma força colossal e divina, que só pode ser explicada pela presença de um anjo.
Profany nota sobre uma cômoda um livro aberto. Em suas lembranças sabe que conhece esse livro. Ele se aproxima e lê uma parte que diz assim: “Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos.” – (Salmos 91:11). Profany procura a capa do livro e lê “Bíblia Sagrada”. Sem mais demoras sai da casa, pois lá os anjos agora não mais chorarão.
Pela manhã a polícia cerca a casa de Renato. Os vizinhos denunciaram uma movimentação estranha na última noite. Os policiais encontram o corpo no quintal:
— Muitas escoriações por todo o rosto, traumas na nuca e nos membros, hematomas pelas costas e abdome... é... esse cara apanhou até morrer! — Diz o legista. Um policial se aproxima do cadáver que está sendo coberto por um saco. É Luke Junqueira:
— Alguma espécie de louco psicótico deve ter feito isso! Invadiu a casa do homem, um pai de família decente e o agrediu até a morte... Veja se algo da casa foi levado... — Minutos depois outro policial chama Luke da janela, este entra e vai até o quarto secreto de Renato: — O que é isso? Pornografia infantil?
— É... e tem mais... veja esse computador... — Diz o policial:
— A rede de pedofilia que o Danilo estava investigando! O cara fazia parte... Acho que me enganei... ele não era nem um pouco descente. — Luke ainda saberia do pior, ao tomar o depoimento da mulher. Ela lhe revelou o que Renato fazia com Camila: — Jesus Cristo! — Exclamou Luke.
— Que a mulher não nos ouça... — Comenta outro policial: — Mas o cara que espancou o marido fez muito bem feito! Ah se eu mesmo botasse minhas mãos nele... Acho que faria pior!
— Então foi trabalho de um justiceiro... — Pensa Luke: — Será o mesmo que acabou com o traficante Nelsinho? Aquele cara estranho que estava na minha rua?! Pois eu ainda botarei minhas mãos nele!
Seguem os policiais fazendo o trabalho de praxe. Depois uma equipe da Policia Federal é chamada para investigar a rede de pedofilia. Graças à morte de Renato, outros pedófilos poderão ser encontrados e punidos. E quantas outras crianças poderão ser salvas e ter sua infância devolvida. Graças a Profany, que se encontra a olhar o céu sentado no chão em uma praça. Ele observa os pássaros que voam e ao fechar os olhos ouve seu canto e as risadas de crianças que brincam perto dele. Ele se sente bem.
— Salve Profany... o Senhor é convosco! — Saúda Noriel que se manifesta ao seu lado, de forma que só ele possa vê-lo e ouvi-lo.
— Olá Noriel... Cumpri mais uma etapa da missão...
— E isso é louvável. De certo que para isso, tenha reencontrado sua fé?
— Não sei ao certo se encontrei toda a fé que um dia tive, mas foi o suficiente.
— E assim deve ser. Encontrar a fé, para alguns, é um trabalho que leva a vida inteira... para outros, acontece num instante... Não é uma tarefa fácil.
— Percebi isso... e fiquei confuso... Por que existem tantas igrejas? Por que cada grupo de pessoas busca sua fé de modos diferentes?
— Eu poderia responder, mas sei que você sabe a resposta... — Profany abaixa os olhos, pega uma pedrinha e atira ao vento...
— É... Mas eu encontrei minha fé ali. — Ele aponta para as crianças que brincam. — Na inocente sabedoria desses pequeninos. Senti em sua força a paz e a presença de Deus.
— Julgaste bem, amigo. Com o cumprimento dessa segunda missão, sua mente se abriu mais um pouco... agora começará a compreender mais os desígnios do Senhor.
— Noriel...
— Sim.
— Você me disse que eu não preciso comer, nem beber... somente dormir...
— Verdade...
— Mas esqueceu de dizer que tomar banho também seria necessário! Estou imundo! — Diz Profany tocando em suas roupas, ainda manchadas de sangue e lama.
— É bom ver que está tão espirituoso! Sim, lave-se, se isso o fará se sentir melhor... Mas não se esqueça: ainda restam cento e vinte e três pessoas que deve matar... não perca tempo! Até mais! — Noriel some aos seus olhos.
— Ok... vamos procurar uma tina de água para me banhar... — Diz Profany enquanto se levanta da grama. — Naquele lugar que Letícia me mostrou deve ter uma.
Enquanto Profany ruma até a vizinhança da família Junqueira. Luke volta pra casa após o seu plantão noturno, trazendo pensamentos sobre a morte de Renato e Nelsinho, tendo a certeza de terem sido provocadas pela mesma pessoa. Corre algum tempo até Luke chegar em casa, é pouco antes do meio dia, e Letícia volta da escola:
— Oi... cheguei!! — Diz a garota ao entrar largando seu material no sofá da sala. — Mãe? O almoço tá pronto? Tenho que fazer um trabalho na casa da Patrícia hoje!!
— Outro trabalho, minha filha? Outro dia você não passou a tarde inteira na casa da sua amiga? — Pergunta Luke que estava revirando a geladeira.
— Hã... oi pai! É que é outro trabalho... Pro senhor ver... estudantes dedicados assim como eu sofrem! — Diz ela de um jeito irônico.
— Sei... Bem, pelo menos você avisou dessa vez... Sua mãe está trocando seu irmão e logo volta...
— Tá bom... — Letícia vai até a pia, que tem uma janela que dá vista para a rua. Pra sua surpresa ela vê Profany indo em direção ao salão abandonado. — Hi caramba! Hmm... Pai, eu volto logo! — Letícia deixa seu copo de água na pia, sai correndo da cozinha e sai pra rua.
— Letícia! Espera... o almoço vai sair em... — Luke chega a Janela e vê Letícia indo até o salão. — Estranho... muito estranho... — Letícia corre até o salão, entra pela fresta nas tábuas e encontra Profany de costas, em pé, procurando algo:
— Oi Profany... olha, acho melhor você sair daqui... meu tá em casa hoje!
— Não tenho medo do seu pai. — Diz ele sem olhar pra ela, ainda procurando algo... — Você sabe se aqui eu posso tomar um banho?
— Banho?! — Letícia se aproxima e fareja... — Credo!! Você tá precisando mesmo!! Acho que deve ter um chuveiro por aqui... — Letícia vai até um amontoado de objetos... — Atrás desse entulho tem um banheiro... Se você for gentil pra tirar essas coisas do caminho pra mim... Sabe, eu sou uma dama e sou muito delicada! — Diz em tom de brincadeira. Profany vai e remove as tábuas e ferros com facilidade. — Uau! Você é mais forte do que parece!
— É o que dizem... Então é nessa sala que eu poderei me banhar?
— “Me banhar?” Cara, você diz cada coisa! É sim... Sei que não cortaram a água ainda porque tem um “gato” com a casa de trás. Mas a luz foi cortada... vai ter que tomar banho frio.
— Não me importo... — Profany entra, olha ao redor e não vê uma tina, uma espécie de banheira de madeira coma qual se tomava banho no século dezoito. Só vê um chuveiro no alto, tomado por teias de aranha. — Onde está a tina? E a bica de água?
— Tina? Bica? Não! Tá vendo essa coisa aí em cima? Chama-se chuveiro... você tira a roupa, entra debaixo e abre esse registro ao seu lado... aí a água vai cair em você como se fosse uma chuva... Vai me dizer que nunca viu um chuveiro?!
— Eu não...
— Que caipira!! Heheh!! Bem... vou te deixar sozinho... Cuidado pra não escorregar no chão molhado... — Letícia sai enquanto Profany examina o chuveiro.
A menina deixa o salão. Profany abre um pouco o registro e vê que começa a sair água dos furos do chuveiro... uma água suja que depois fica limpa. Ao constatar a eficácia do aparato, ele tira seu traje. Então nota o retalho que cobre sua boca, também o remove... No banheiro há um espelho quebrado, nele Profany pôde ver pela primeira vez como está seu rosto... Não consegue ver por muito tempo, então entra debaixo d’água e começa a se lavar. Letícia sai na rua e senta no meio-fio. Mas então ela lembra de seu pai e logo se levanta e corre até sua casa:
— Onde você foi, Letícia? — Pergunta seu pai com o pequeno Thiago no colo.
— É que... A gente encontrou um cachorrinho e tá cuidando dele naquele salão velho... Eu fiquei de levar comida pra ele hoje...
— Cachorro? Hmm... — Diz Luke. — Lave-se e vamos almoçar. — Luke acompanha Letícia com os olhos até ela ir ao banheiro, depois pensa: — Essa menina está metida em alguma coisa... E eu vou descobrir o que é...
Passa à tarde. Letícia vai à casa da amiga fazer seu trabalho. Profany se encontra parcialmente limpo e descansado. Luke vai até o salão, mas Profany já havia saído, mas Luke não encontra cachorro algum, só água no velho banheiro, o que o deixa mais desconfiado. Profany volta ao alto do edifício em construção... de lá olha o por do sol. Nos últimos dias ele aprendeu valiosas lições...
Descobriu que a fé não se faz com blocos de pedra e nem palavras fervorosas, mas com bons sentimentos e praticar aquilo que se acredita. Que a fé está em cada um de nós, basta ser lapidada. Encontrar sua fé ainda será uma árdua missão, mas ironicamente ele tem “fé” que encontrará. E se nessa ocasião teve fé para vencer o mal que queria dominá-lo, foi por causa da inocência de uma criança que estava sendo machucada.
E a inocência dessa e de todas as crianças o salvou, e ele as salvou. E mais uma vez elas poderão sorrir e brincar no seio do Criador. Pois, aquele que tem a inocência de uma criança... este verá a Deus. Mas todas as crianças são inocentes? Certamente. Mesmo que elas próprias não se dão conta, mesmo que não sejam mais tão crianças assim. Como Letícia, por trás de sua atitude extrovertida e vida de garota suburbana, ainda há nela uma inocência pura e divina.
Às vezes, mesmo que essa criança cresça, constitua família, venha a cometer um ou outro pecado... sua inocência continua lá... no fundo da sua alma, porque ela tem fé. Fé e inocência caminham juntas, são o que enobrecem cada ser humano... Pois o inocente tem o privilégio de sonhar...
E homens são feitos de sonhos e fé. E Profany percebeu isso. Percebeu também que aqueles que devem tombar sob suas mãos, não têm nem uma coisa nem outra... então não são dignos de qualquer sentimento... nem do ódio. E isso o motiva a seguir seu caminho. E a procura de almas vermelhas ele encontra algo... numa casca frágil e bela, se esconde um monstro terrível e sanguinário... E a caçada continua.

A seguir: o quarto mandamento.

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REVOLT


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