Profany
O Anjo da Morte


Episódio 5: “A Casa – parte II”
Por: Anderson Oliveira


Naquela casa, naquela época... pairava o amor e a paz. A alegria de uma família que vivia no conforto de uma vida rica. Um casal que criou sua filha amada e lhe deu tudo que ela poderia merecer. Naquela festa de aniversário, quanta alegria, quantos presentes, quantas risadas sinceras. Crianças por todos os lados e uma garotinha encantada.
Para o casal Ritchtoviski havia ainda um motivo a mais para tanta felicidade: eles teriam um novo filho. Samanta ainda não sabia disso... queriam esperar a semana do seu aniversário para lhe contar. Sabiam que a filha gostaria de ter um irmão com quem brincar. Assim se divertiram por mais um dia rico em harmonia.
Um observador invisível olha tudo sem compreender o que se passava. Num instante estava no local de um crime sendo guiado por almas aflitas e agora a mesma casa se enchia de luz. Profany estava presenciando momentos que naquela casa foram passados. Ele via o amor e a felicidade daquela família e não podia compreender como aquele crime bárbaro veio a acontecer. Entretanto as respostas viram pela boca de Noriel:
— Estamos fora do tempo... não se assuste... — Diz Noriel que surge diante de Profany.
— O que está acontecendo, Noriel?! Por que essas pessoas não me vêem? Como vim parar aqui?!
— Lembre-se que a cada etapa de missão que cumpre, seus dons celestiais irão se restaurando. Este é um deles. Anjos são espíritos puros, diferentes de homens que são carne e espírito. Para os humanos, em seu mundo material existem leis bem específicas: espaço e tempo. Para nós, essas regras não existem... Já que não temos corpo físico, não ocupamos espaço e nem nos prendemos ao tempo. Para os anjos, passado, presente e futuro se misturam numa única linha... é como se os dias não existissem...
— Não... não compreendo...
— Sua mente ainda está ligada ao materialismo... Compreender a nossa natureza, natureza que já foi sua, não será totalmente possível ainda. Mas saiba que você foi deslocado do tempo e agora observa, sem poder interferir, momentos dessas pessoas.
— E como isso aconteceu?
— Você mesmo o fez. Inconscientemente, sentido pelos apelos daquelas almas sofredoras, você veio até aqui.
— Hmm... certo... E o que devo fazer?
— É dado aos anjos o poder de interferir nas vidas humanas, se acaso for a vontade do Criador. Do contrário... apenas observamos... Faça isso.. observe... — Dizendo isso, Noriel se vai.
Profany não entendeu muito a explicação de Noriel, e como se não bastasse, não sabe como voltar ao presente. Mas vendo que não tem outra saída... passou a atentar para cada momento que lhe fosse mostrado. O tempo passava, mas não de forma linear, e sim saltando alguns pedaços e parando em outros... Profany veria só o que era necessário para sua missão.
Após a festa, o cenário se converteu em uma tarde de verão. A senhora Ritchtoviski estava preste a dar a luz. O casal saiu apresado para o hospital deixando Samanta na companhia de parentes. A menina esperava a chegada de seu irmãozinho, não sabia ao certo o que pensar, se sentia alegria, ou ciúme, ou qualquer outra coisa. Profany a observa desenhar com lápis de cera sobre papéis no chão. Seus desenhos eram de sua casa, sua família, um sol sorrindo e montanhas.
Logo em seguida, a cena salta para outro dia, onde Samanta olha pelo vão da porta seus pais com o irmão recém nascido. Em seu olhar não há ciúme, mas curiosidade... vontade de participar da cena. Profany pode sentir de forma extraordinária seus sentimentos. Ele vê crescendo dentro da pequena menina uma sensação de ter sito descartada. Não é ciúme, mas egoísmo.
Seu pai a vê e, com um largo sorriso, lhe pega no colo e leva pra dentro do quarto. Samanta então sorri ao ser lembrada e festeja com sua família. Novamente o tempo avança e Profany se vê frente à porta do quarto de Samanta. Ela agora já tem doze anos. Profany entra e vê que ela escreve em um diário. Faz corações e desenha anjos. Como poderia alguém assim ser capaz de matar quem lhe deu a vida? Se questiona o anjo caído, mas a fronteira entre o bem e o mal é dividida por uma fina linha.
Em volta de Samanta se manifestava um mundo oculto aos olhos humanos. Os anjos, guardiões de nossos caminhos, e os anjos-contrários, corruptores de nossa alma. Profany viu emanar ao redor de Samanta energias conflitantes, o bem e o mal que duelavam pela guarda da menina. Seu anjo da guarda era lindo e resplandecia alva luz, porém seu anjo-contrário era repugnante e grotesco.
A garota, que até então desenhava em seu caderno, num ímpeto de fúria rasga a página e a joga para trás, em seguida se levanta e corre para a rua. Profany observou a atitude e viu que a força tenebrosa do anjo-contrário era superior ao do anjo da guarda. Novamente saltaram-se os dias e Profany se via junto a Samanta, agora com quinze anos. Ela entrava pela porta e subia até seu quarto com fúria no semblante.
Profany já estava no quarto antes da moça entrar. Ela trazia uma mochila. Sentou-se sobre os joelhos na cama e tirou da mochila um pacote de papel. Enquanto o desembrulhava ouvi seu pai a chamar, rapidamente escondeu o pacote debaixo da cama e foi até ele. Profany permaneceu no quarto, pegou o pacotinho de papel e o abriu. Era pra ele semelhante ao fumo do cachimbo do Conde Williams, mas com odor diferente.
Ele então ouviu uma discussão. Gritos e vozes alteradas vindas da sala. Profany foi até a escada para ver e viu Samanta brigando com seus pais. O motivo da discussão não guardava, pois estava mais atendo em ver a manifestação espiritual no cenário. Via os anjos do casal e de Samanta, assim como seus anjos-contrários. A força maligna de Samanta estava mais uma vez se sobressaindo e a garota explodia de ódio.
Correu para o seu quarto e se trancou, sendo seguida por seu pai que esmurrava a porta com desespero. Profany acompanhava sem sair do lugar. Via ali a preocupação do pai com os atos rebeldes da filha, seus questionamentos e críticas a criação mimada que deu a criança. Profany sentia aquela força, força que o trouxe ao passado, a energia de espíritos aflitos, mas em menor quantidade.
Passaram os dias. Samanta não estava na casa, tinha viajado em férias com amigos. O casal estava preocupado, mas tentavam dar um voto de confiança a filha. Sem ter o que testemunhar ali, Profany foi levado mais adiante, onde Samanta voltava de uma festa já de madrugada, tendo dezessete anos. A moça estava entorpecida por álcool e drogas variadas. Seu anjo já não mais podia se aproximar dela, pois o mal a consumia quase que por completo.
Por quê? Por que uma jovem que a vida lhe deu de tudo se voltaria contra ela dessa maneira? Qual o motivo de seu coração ter se tornado sombrio? Ela não nasceu assim... ninguém nasce assim... O que os levaria a isso? Questões assim necessitavam de resposta para Profany, então eis que o tempo novamente se transformou e um novo cenário passava diante de Profany:
Ele não saía da casa. Profany estava preso àquelas paredes, e por isso via da janela do segundo andar Samanta dentro de um carro em frente ao portão da mansão. Tinha agora dezenove anos e estava com um namorado. Os dons de Profany lhe permitiam sentir suas emoções e ele percebia que Samanta estava amando o rapaz. Mas seria esse amor correto?
Disso Profany podia saber. O amor... O amor que sente por Kate é resistente ao tempo e ao fogo do Inferno. E ele viu que o amor de Samanta não era tão singelo, puro e divino quanto o seu amor por Kate. E sobre o casal do carro, via pairar as forças conflitantes novamente. Se o amor fosse pleno, o mal não habitaria diante de Samanta, e nem do rapaz, mas isso não acontece.
Profany então atentou a ver o pai da moça indo em sua direção. Cruzou o jardim e chegou ao carro, não se ouvia a discussão através dos vidros da janela, mas percebia a exaltação do momento. Samanta brigava e ameaçava seu pai enquanto o rapaz permanecia calmo, de cabeça baixa. Profany percebia a dominação do anjo-contrário criar uma áurea vermelha ao redor de Samanta.
Ao se voltar para trás, Profany viu Samanta chorando deitada em sua cama. De certo o tempo havia avançado nesse momento. A garota se fazia em um pranto contido, seco, frio... Profany se abaixou e olhou em seus olhos que se permaneciam fixos fitando a parede. Viu no olhar de Samanta os mais terríveis sentimentos. Quis tocar sua face, mas foi repelido pela energia maligna que emanava da moça. Sentiu então o que precisava sentir...
Profany caminhou até o quarto onde encontrou o casal Ritchtoviski com olhares preocupantes e temerosos pelo futuro da filha. Rapidamente viu o jovem Igor, o irmão, e sentiu nele a paz, uma paz ameaçada, mas sem vontade de reagir e lutar. Então veio sobre Profany a energia que o guiou até ali, e da mesma forma que veio, voltou ao seu tempo de origem.
O quarto do casal. Profany estava no mesmo lugar, como se nenhum milésimo de segundo houvesse passado. Começava a entender o motivo da sua viagem temporal, mas resolveu guardar suas suposições para depois. A viagem o deixou bastante cansado, gostaria de ir ao encontro de Samanta, mas se viu sem forças para ir ao plano espiritual e resolveu sair da casa andando.
— O que viemos fazer aqui, Luke? Essa casa foi lacrada e nada foi tirado dela.
— Eu sei Edson, mas acho que o local do crime ainda nos pode dizer muito...
— Dizer mais o quê? Já foi tudo resolvido... a garota confessou e os cúmplices estão presos. Pára de dar uma de detetive, você não ganha pra isso! — Discutiam os policiais Luke Junqueira e Edson Gonçalves enquanto Luke insistia em entrar na casa. Profany saía pelos fundos quando ouviu a sua voz:
— É o pai de Letícia... É melhor ele não me ver aqui... — Profany se esquiva pelas paredes e acompanha os policiais entrarem pelo jardim. Após ouvir que eles entravam pela porta da frente, Profany correu e saltou o portão. No entanto:
— Veja Edson!! Parado aí!! — Luke vê Profany saltar para fora e corre até a rua empunhando a sua arma...
— Calma Luke! Deve ser um desses pichadores que venho fazer outra “homenagem” a garota... Não se preocupe com isso.
— Não era um pichador... Era ele... pude reconhecer suas roupas... — Enquanto a desconfiança sobre Profany crescia junto a Luke, o anjo da morte corria até se distanciar da casa. Vendo que precisa escapar, reúne todas as suas forças e num breve instante consegue ir ao plano espiritual de onde se transporta até o salão onde passou a noite.
— Consegui... Mas estou fraco...! Preciso dormir... — Profany se rasteja até o canto da sala e cai no sono. Afastado dali, a pequena Letícia conversa com suas amigas no recreio da escola:
— É sim, meu pai tava trabalhando no caso da moça que matou os pais.
— Ai credo! Como ela pôde ser capaz de fazer uma coisa dessas!
— Sei lá, Patrícia, mas é o que acontece quando a gente não ouve o que nosso anjo da guarda tem a dizer... — Quando fala em anjos, as meninas ao redor começam a rir. — Tá bom, tá bom, eu sei que vocês não entendem nada de anjos!
— É claro que eu entendo! — Diz uma garota. — Meu pai costuma dizer que o céu é como um escritório e os anjos são como funcionários públicos! Eu quando morrer serei um anjinho, diz minha mãe.
— Que besteira! Quando a gente morre não vira anjo, isso é mentira! — Diz Letícia.
— Ah é? E como você sabe?
— Questão de lógica! Ah, pra explicar eu teria que mostrar trechos da Bíblia e muitas outras coisas... É melhor nem perder tempo! — Descontentes, as outras meninas vão, ficando somente Patrícia com Letícia:
— E sobre aquele seu novo amigo?
— Que amigo?
— Aquele que você disse que tá morando no salão da sua rua.
— Ah... O Profany... ele é um cara muito legal, não fala muito, mas tem muita paciência comigo!
— Então é muito legal mesmo... Pra te agüentar falar, só sendo!
— Cala a boca, Patrícia! — Letícia fica brincando com sua amiga enquanto na carceragem da polícia, na ala feminina, uma figura se encolhe nas sombras...
Samanta se afoga nas trevas que ela mesma criou. O que sentiria agora? Arrependimento? Não... sente medo de permanecer atrás daquelas grades. Seu plano era passar o resto da vida ao lado de Júlio, seu namorado, e gozar da herança que ganharia. Mas seu plano deu errado e agora o chão frio de uma cela é a única coisa que espera. No entanto a carcereira a chama:
— Você tem visita. — Samanta é levada até a sala de visitas onde seu irmão a espera. O rapaz trás no olhar um misto de emoções ao ver a irmã, cúmplice da morte de seus pais, sendo levada com algemas nos pulsos...
— Samanta...
— O que você tá fazendo aqui, Igor? Não quero que me veja desse jeito!
— O que foi que você fez?! O que você fez com a mamãe e o papai?!
— Eu... eu... não queria... não era essa a intenção... Não era pra acontecer assim... — Samanta chora.
— Eu nem sei se devia falar com você outra vez...
— Por favor... não me abandona agora! Não me deixa aqui sozinha... Eu tô arrependida...
— Samanta... — Igor segura a mão de Samanta. — Eu estou aqui... — O gesto do irmão, de estender a mão a sua irmã seria condenado por uns, louvado por outros, mas para Samanta não significaria mais do que um conforto para seu ego.
Correm as horas. Letícia sai da escola, volta pra casa, almoça, vê televisão, e logo vai até o salão abandonado. Profany ainda dorme. A garota entra sem fazer barulho e o observa enquanto dorme. O que lhe chama a atenção são os orifícios que trás nos pulsos. Parece impossível que ele pode sobreviver e movimentar a mão com um buraco daqueles que certamente cortaria seus tendões e ossos... Letícia chega mais perto e vagarosamente encosta seu dedo na chaga, porém isso acorda Profany:
— Ai! Desculpa! Eu te acordei!! Não queria...
— Tudo bem... eu já estava acordando mesmo... — Profany se senta e ajeita o cabelo enquanto Letícia continua a fitar seus pulsos...
— O que... O que aconteceu com seus braços? — Ela pergunta, Profany olha para os pulsos, respira fundo e diz:
— Isso foi há muito tempo... É o sinal que carrego pelo crime que cometi...
— E não dói?
— Não... não mais. Só doeu quando fui marcado...
— Você cometeu um crime? É um fugitivo? Por isso meu pai tem raiva de você?
— Uma pergunta de cada vez! Primeiro: sim, mas não é um crime contra os homens, e sim contra Deus e sua natureza. Segundo: Não fujo de nada, do contrário, me soltaram para fazer um favor a eles...
— Tipo liberdade condicional?
— É... E terceiro: sobre o seu pai, não faço idéia o que ele tem contra mim.
— Posso fazer outra pergunta?
— Vá em frente...
— O que era aquela luz que eu vi aquele dia? Era um anjo?
— Sim...
— Caraca!! Eu vi um anjo?! Uau!! Espera... você tava falando com ele?
— Estava...
— E como você faz isso? Tipo, eu tento falar com meu anjo da guarda todo dia, mas nunca consigo! — Enquanto fala, Profany nota que não vê o anjo da guarda de Letícia. Sendo ela cheia de bons sentimentos, seria óbvio que o seu anjo ficasse sempre junto dela. Isso lhe causava uma estranha dúvida. — Você vê anjos?
— Hm? Vejo... isso é... quando eles se deixam ver...
— É como é o meu anjo? Ele é bonito?
— O seu... o seu eu não posso ver... Mas sinto ele aqui... — Profany se guia por esse sentimento... mentaliza essa força e se lembra de tê-la sentida várias vezes antes. Sem perceber, a força vai aumentando e puxando pela memória se lembra dessa energia junto a sua amada Kate. — Será possível?
— Possível o quê? Você de repente ficou parado como se estivesse olhando o nada! Tá vendo meu anjo agora?
— Não o vejo, mas sinto sua presença... E reconheço essa presença... Minha mulher... Kate, tinha a mesma força sobre ela... E seu anjo eu também não conseguia ver...
— Aahhh... Foi por isso então que você me chamou de Kate dias atrás! Você sentiu a presença do meu anjo e se lembrou dela! Sabe dizer por quê? Onde sua mulher tá?
— Ela... morreu.
— Oh... então... será que aquilo é verdade? Que quando as pessoas morrem viram anjos? Será sua mulher meu anjo da guarda?
— Não é isso... Eu sei a duras penas que humanos não podem se tornar anjos. — Profany diz isso com um triste olhar. Letícia pensa um pouco, levanta a sobrancelha e sinal de dúvida e diz:
— Profany... Você... Você é um anjo?!

Continua...

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