Profany
O Anjo da Morte

Em

O DESERTO
Episódio 8:
– “O Encontro – parte II”

Por: Anderson Oliveira


— Lúcifer...? V-você é...?
— Ora, por que a surpresa? Ah... pare de fazer essa cara de dor... levante-se!
Com um mero gesto, ele fez Profany ficar ereto e livre da dor. Lúcifer, o anjo rebelde de que conta a tradição bíblica. Aquele que se voltou contra a face de Deus e levou consigo um terço da Milícia Celeste... A serpente que seduziu Eva no paraíso. O príncipe do mundo... Ele veio até Profany, alguém que tem alguma semelhança consigo, pois também caiu dos céus, mas de um modo bem diferente...
— O que quer de mim?! — Questionou Profany, agora aliviado de qualquer dor naquela imensidão branca escolhida para o encontro. Lúcifer o rodeia, como que o medindo com os olhos fazendo um ar de altivez. Então pára de frente para Profany e diz:
— Não é óbvio?
— Deveria ser? Pra mim não é.
— Profaniel... como eu lhe disse antes... temos assuntos a tratar. Mas, primeiramente... Você tem plena certeza de que sabe com quem está falando?
— Com o Capeta... Não é?
— Se quiser me chamar assim... Mas... Sabe o que o “Capeta” é capaz de fazer?
— É capaz de fazer muitas perguntas!
— Esse seu jeito debochado me agrada, Profaniel! Que pena que esse nosso encontro não seja por outro motivo...
— Certo... então.. onde estamos?
— Ah... até que enfim vamos a algum lugar! Este é um de meus reinos...
— Não há nada aqui...
— Para seus olhos. Mas daqui eu vejo toda a imensidão do universo... e daqui, espalho meus desejos e recruto meu exército...
— Aqui é o Inferno?
— Você sabe que aqui não é o Inferno. Você já esteve lá, e sabe muito bem. E, ao contrário do que os homens, em sua bruta ignorância, pensam... eu nunca estive no Inferno.
— Pelo que sei, você e os seus foram expulsos do Reino dos Céus e jogados no Inferno...
— Sabes pouco, Profaniel. Se prestasse atenção no livro que Noriel lhe deu há alguns dias, aquela propaganda barata contra mim, veria que eu não fui lançado no Tártaro... mas na Terra: “Foi então precipitado o grande Dragão, a primitiva Serpente, chamado Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Foi precipitado na terra, e com ele os seus anjos”¹. Não é assim que está escrito? “Foi precipitado na terra”, e não no inferno. A Terra é meu reino!
— Sorte sua...!
— E também está escrito: “Mas, ó terra e mar, cuidado! Porque o Demônio desceu para vós, cheio de grande ira, sabendo que pouco tempo lhe resta”². E esta ira, depois que você, Profaniel, foi tirado do Inferno, aumentou sete vezes mais!! — Bradou Lúcifer em alta voz contra Profany.
— É? — Respondeu o Anjo da Morte, sem se exaltar.
— Eu, que sou o mais belo e mais perfeito de todos os arcanjos, fui escorraçado e condenado por simplesmente levantar minha opinião contra Ele, não obtive nada além de ódio e desprezo enquanto você, um mero e pequeno anjo, se atreveu em brincar com sua imortalidade e obteve o perdão celestial!! Sabe como isso me revolta?! Não que eu quisesse voltar a ser o que fui, ser só mais um... Mas...
— Mas isso feriu seu orgulho?!
— Mais do que isso, Profaniel... E sabe por quê? A condição para que você alcançasse o perdão era lutar contra os meus servos! Você é uma afronta!! Um deboche dos Céus contra mim! — Lúcifer novamente altera a voz. Profany recua um passo e se assusta. Mas então Lúcifer se acalma e se recompõe: — Percebe então o motivo dessa conversa?
— Me trouxe aqui para me destruir?
— Não. Pois, por mais poderoso que eu seja, ainda temo o muitíssimo superior poder Dele: “Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também Satanás entre eles.”³... Ainda sou obrigado a seguir suas ordens... e uma delas é que você é intocável.
— Sei... Seus demônios prevalecem contra mim, me ferem e tentam impedir que eu cumpra minha missão... isso é ser intocável?
— Refiro-me a sua imortalidade... por mais que eu quisesse (e quero) arrancar tua cabeça e devorar teu espírito... não posso, ninguém pode... a não ser Ele. Mas isso não impede que eu e meus súditos machuquemos você...
— Então é isso... Quer lutar comigo por que vim para matar aqueles que carregam o mal?
— Não. Não irei lutar... Do contrário, Profaniel... Irei lhe estender a minha mão. Quero abrir os seus olhos para que veja a verdade... Para que veja o que és.
— Se é só isso... Obrigado, mas não quero.
— Você não tem querer, Profaniel!! Sua própria missão é prova disso. Você teve escolha antes de ser devolvido ao mundo e forçado a matar pessoas? Ah, teve sim... a escolha de voltar para o fogo eterno! Percebe? Enganaram-te, maquiando um falso direito de escolha, para que você fizesse o trabalho sujo para eles... Você é um fantoche nas mãos Dele...
— Mentira!
— Ah é? Então... porque não te permitiram que você visse sua amada e bela Kate novamente?
— Quando eu cumprir a missão eu...
— “Quando”?! Você nem sabe se poderá cumprir! Um dia apenas, um descuido e uma bala num inocente e pronto: jogam-te novamente no Inferno sem pestanejar! Eu sei bem o que é isso, Profaniel... pois eu conheço a mente deles... eu fui um deles, lembra? Hoje contam nove coros angelicais, nove Príncipes... eu era o décimo... Existo antes de todos eles e o Criador me deu plena sabedora das coisas do universo!! Eles estão te enganando!
Um instante de silêncio. Lúcifer cessa seu discurso e olha fixamente para Profany. Este abaixa a cabeça e parece refletir sobre o que ouviu. Lúcifer, assim como fez com o Cristo no deserto, trouxe Profany para este deserto branco para tentá-lo. Uma tentação que seduz a muitos durante os séculos com prazeres carnais, ouro e poder.
— Fui alertado... — Diz Profany. — As forças do mal tentariam me deter... tentariam impedir que eu cumprisse minha missão. Você não me enganará!
— Que missão, Profaniel? Matar cento e vinte e cinco pessoas que cometeram crimes? Cento e vinte e cinco? Só isso? Um número insignificante frente ao caos que é o coração dos homens pelo mundo! Achas que sua existência fará alguma diferença? Achas que apenas seus cento e vinte e cinco alvos são os responsáveis pela vilania que assola a terra? Veja bem, Profaniel... você é só uma bucha de canhão! Uma cobaia... Um surpreso acaso! Disseram: “Veja, há um anjo caído no Tártaro! Que tal usa-lo para nos divertir?”
— Então...
— Então olhe para seus pulsos e para seu peito, Profaniel, ó anjo-caído! Veja o sinal dos condenados... o sinal dos ímpios e dos blasfemadores! Veja: “O Senhor pôs em Caim um sinal, para que, se alguém o encontrasse, não o matasse.”*¹ Você carrega o sinal de Caim, o sinal dos pecadores!! E eu também o carrego! — Lúcifer rasga sua camisa e revela seu peito trazendo o Selo igual ao de Profany. Este olha a cena com assombro. — Veja, Profaniel... Nós dois somos mais parecidos do que você pensa!
— Eu não sou parecido com você!!
— Ah não? Vejamos... como sua história começou? Uma jovem mortal... Kate. Você, um anjo de luz, sentiu desejo por ela... “os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas, e escolheram esposas entre elas.”*² Já ocorreu antes... e por isso, Ele inundou a terra! A diferença que você quis ser um homem... esses não...
— Não foi apenas desejo que senti por Kate... É amor!
— Ah... o amor... Onde está o amor, Profaniel?! Você foi egoísta e abandonou aqueles que você, como anjo da guarda, deveria proteger e se rendeu aos belos olhos verdes de Kate! Sem contar seus lindos seios e sua...
— Meça suas palavras ao falar de Kate! — Profany se irrita e parte para cima de Lúcifer, tentando esgana-lo. Lúcifer solta uma longa e estridente gargalhada enquanto Profany tenta agredi-lo, mas não tem sucesso.
— Não se faça de tolo, Profaniel! — Com a mão direita, Lúcifer repele Profany que cai sobre o chão. — Como já lhe disse... não quero feri-lo. Apenas ouça minha proposta:
— Proposta?!
— Por que o espanto, Profaniel? Achei que tivesse... ah, tinha esquecido! Você perdeu sua inteligência milenar e agora é quase um mortal! Patético! Mas ainda sim... fabuloso! Você luta, seguindo uma missão, com a esperança de rever Kate, não é?
— Aonde quer chegar...? — Diz Profany se levantando.
— Venha a mim, e eu te darei Kate em teus braços... Te darei também teu filho amado... Mas... só se desistir de seu pacto com os Céus e, ajoelhando-se, me adorares!
— Seu idiota! Já vi esse diálogo antes! Não conseguirá me tentar com suas mentiras!
— Isso é o que Eles querem que você pense! Eles, lá nos Céus, fizeram minha imagem de cruel, de mentiroso e assassino... mas... eu tive a oportunidade de mostrar meu ponto de vista? E isso estou fazendo agora para você. Estou te estendendo a mão... te abrindo os olhos para que enxergues o quão tolo és! Venha comigo e te darei um trono ao meu lado!
— Não adianta... Eu não acredito em você!
— Ah é? Será que acreditaria... nisso. — Com um gesto, Lúcifer fez surgir à cima deles como que uma tela, onde pessoas caminham numa praça em uma cidade grande. — Veja aquele homem... Ele é um dos meus! — Em seguida surge um homem encapuzado com uma metralhadora e atira contra as pessoas na praça.
— Não!!
— Sim, Profaniel... Por mais que tentem distorcer os fatos, eu tenho as chaves da morte em minhas mãos!
— Faça-o parar!!
— Não quero.
— Não disse que deve obediência a Deus ainda? Será que Ele permitirá que mate inocentes?
— Também eu disse que sou o príncipe do mundo! Tenho poder sobre tudo o que há no mundo, pois é meu reino! E a minha vontade é de que, por meio das mãos desse maluco, que quarenta e duas pessoas morram! E minha vontade não será negada!! E também é minha vontade, que você una-se a mim!
— Nunca!!
— Será? Então veja mais! — As imagens na tela se transformam e surge um grande casarão inglês do século dezoito. Dentro da mansão, uma mulher se banha numa tina cheia de espuma. A mulher é...
— Kate...!
— Sim Profaniel... Sua amada Kate... Está em meu poder restaurar o que lhe foi tirado... devolver o tempo a esta época e fazer com que você a tenha em seus braços para sempre.
— Isso... isso é uma farsa... alguma ilusão! Não pode ser ela! Você quer me iludir!
— Não, Profaniel! Quem te ilude com falsas promessas são eles! Eu só quero te mostrar a verdade! E para isso, para que confie em mim, te darei esse presente!
— Não pode ser...
— Quer desperdiçar essa oportunidade concreta por uma promessa impossível? E mesmo se fosse verdade.. se você volte a ser uma anjo e a veja no Tabernáculo do Céu... O que adiantará? Pois ela está morta, e você será novamente um ser de luz. Ao contrário... venha comigo e você sentirá seu perfume... afagará seus cabelos... beijará sua boca... Darei-te o que você realmente quer!
A mente de Profany se perde em confusão. Ele quer e deseja ter Kate em seus braços, mas sabe que o Demônio é o pai da mentira. Viu isso nos olhos de Lucas, e de Samanta, e de Renato e Nelsinho. Eles se entregaram ao mal e perderam sua alma... seus sonhos... sua fé. Porém a imagem de Kate, viva e linda, o faz tremer diante da oferta.
Por tantas vezes a hipótese de abraçar Kate veio em seus pensamentos desde que voltou ao mundo material. Uma hipótese remota, sempre pensou... apenas um sonho impossível. E a sedutora proposta de Lúcifer poderia tornar o sonho em realidade... Mas qual seria o preço? Qual seria a chaga?
Mas Profany é um anjo, e tem a força de Deus:
— O tempo acabou, Profaniel! Decida-se: continuará a servir de escravo para o gozo deles, ou se curvará diante de mim e, em seguida, sentirá o calor do corpo de Kate?
— Vai pro Inferno!! — De súbito, Profany usou a ciência de vagar pelos planos existenciais e sumiu dali para o plano espiritual. Pensou estar livre da maldição do Demônio e assim poder retornar à Terra. Mas o Demônio é o rei dos trapaceiros e dos enganadores. Escapar de suas garras, não seria tão fácil: — O que está havendo?!
Profany viu o mundo de anti-matéria a sua volta se torcer e distorcer. Como um buraco negro surge em sua frente e o suga. Profany tenta resistir. Com suas forças luta contra a energia que o atrai para as trevas sem fim do buraco. Seu terno negro, tamanha a força daquele vento espiritual, se rasgou e caiu no centro do turbilhão. Profany sente sua carne se desprender dos ossos...
Como um pesadelo.
A força daquele distúrbio então dobrou de tamanho. Em sua mente, Profany parecia ouvir a voz do Demônio rindo e blasfemando. A luta titânica contra o mal parecia chegar ao fim. A força do vórtice atraiu Profany para a mais profunda escuridão...
Como um pesadelo...
— Aaaahhh!! — Ele acorda. Acorda de um sonho dantesco. Alívio, pois as trevas não o consumiram... Mas esse alívio durou pouco. Viu que estava coberto por lençóis de seda numa cama grande e aconchegante. Viu que estava em um quarto grandioso, com uma enorme janela a sua frente por onde o sol nascente entrava e machucava seus olhos. Então, ao levar suas mãos para esfregá-los, viu que elas estavam perfeitas...
— Querido?! O que houve...? Teve um pesadelo? — Era ela. Kate saiu do banho, envolta em uma toalha de rico algodão, com seus cabelos ruivos presos por grampos.
E ele... não havia mais o Selo no peito, nem as chagas nos pulsos. Sua carne não estava seca e sua boca selada. Profany era um homem... Para seu espanto. Seria tudo um sonho? Ou seria uma artimanha do Demônio? Profany... ou melhor, Profaniel gostaria de saber, ainda mais após ver sua amada Kate com seu lindo sorriso esperando por alguma resposta:
— Kate?! Eu... eu não sei...
— Meu amor... Percebi que ficou agitado a noite inteira. Mas agora já passou... eu estou aqui! — Dizia Kate se aproximando e tocando o rosto de Profaniel. Ele sentia sua mão macia e seu delicado toque:
— Sim... você está aqui... Você está aqui!! — Encheu-se de alegria, pois aquilo tudo era real. Cheio de amor, Profaniel se aproximou para beijar sua esposa, mas um choro de criança o conturbou.
— Oh... Miguel acordou! — Diz Kate que vai até o berço e pega o bebê no colo.
— Miguel... Meu... Meu filho!! — Profaniel saltou da cama e se apressou em ter seu filho em seus braços.
— Nossa! Parece que nunca tinha visto nosso filho antes, Profaniel! — Comentou Kate com a euforia do marido.
— Eu sei... E de certa forma... não sei como... É a primeira vez que vejo... Oh meu Deus! Kate... Eu te amo!
— Eu também te amo, querido! — O casal troca um beijo apaixonado em frente a grande janela, onde a paisagem é um lindo nascer do sol nas colinas verdejantes de Londres... em 1792...
____________
¹ Apoc 12,9 - ² Apoc 12,12 - ³ Jô 1,6 - *¹ Gên 4,15 - *² Gên 6.2

Continua...

Galeria de Desenhos

REVOLT


Página de Anderson Oliveira2005

Hosted by www.Geocities.ws

1