DETETIVE AL
Sombras do Passado
CAPÍTULO II: Insanidade


NOTA DO AUTOR
“Quando foi a última vez mesmo? Meados de junho? Em junho lancei a primeira parte desse conto, com a promessa de lançar as partes seguintes de mês em mês. Era meu objetivo... eu queria fazer isso. Tinha já escrito os capítulos dois e três... estavam ótimos (se minha opinião valer de alguma coisa), jamais me orgulhara tanto de um trabalho quanto desses capítulos que seguiriam a obra... Mas acabou. Os arquivos foram perdidos para sempre... Tudo o que escrevi sei que jamais conseguirei reescrever com o mesmo brilho, a mesma chama, a mesma plasticidade.
Meses depois tento retomar o que comecei... é uma questão de honra e de caráter para com os poucos leitores dessa obra que estavam esperando pela continuação. Além do baque de ter perdido meus arquivos originais, ainda contava com a falta de tempo disponível... e a falta da inspiração. Deus! o que seria dos homens sem a inspiração?! Mas enfim, ergui a cabeça e comecei a relembrar tudo o que deveria acontecer nesses dois capítulos perdidos... Eram coisas magníficas! Traições (de veras, um clichê batido nas minhas estórias!), loucuras, suspense em cada linha... sedução... crueldade.
Começo a escrever... então me deparo com uma situação terrível. Tantos erros, tantas pontas soltas... Não... não poderia apresentar um conto com esses defeitos... Mas esses erros garantiam o final da estória... sem eles, não há estória. Pensamento que me tomou a consciência por um bom tempo. Tinha que achar a solução! Não é fácil...
Sinto muito leitor, pois o que verá aqui não é nem a sombra caricata do que eu realmente desejaria escrever... Um apanhado de lembranças sem o toque especial que unifica os fatos e levam o espectador curioso a invadir os corações dos personagens... Não... Não mais.”

Anderson Oliveira

Por: Anderson Oliveira (agosto de 2004 com retomada em março de 2005)

[23:32, bairro de São Miguel Paulista, zona Leste de São Paulo. Jovens saem da faculdade. Numa praça em frente, observando a movimentação, sorrateiro atrás de uma árvore, o assassino de Solange e Amanda espera algo... não espera muito. Logo seus olhares se fixam em três garotas que descem pela rua... Ele as segue de longe.]
— E aí gente? Vamos naquele show sexta-feira? — [Diz uma das garotas.]
— Vamos!! Meu irmão pode levar a gente!
— Ótimo! Seu é um gato!!
— Hi...! Nem adianta Lívia, ele se casou mês passado!
— Ha... Tá casado mas não tá morto!! — [As garotas conversam distraídas, andando calmamente pelas ruas escuras... Alguns minutos depois, uma delas nota que estão sendo seguidas...]
— Meninas... — [Fala em voz baixa.] — Não olhem para trás, mas tem um homem nos seguindo... Vamos andar mais rápido. — [As três apertam o passo, mas o maníaco percebe e também anda mais rapidamente...]
— Ele ainda tá seguindo! — [Diz Lívia.] — Vamos correr!! — [As garotas correm... ele também... Ouve-se as passadas das jovens sendo abafadas pelas pisadas firmes e fortes do maníaco...]
— Unfh, unfh, unfh... — [Ele bufa, saca sua faca e cada vez chega mais perto das garotas... Elas se desesperam. O maníaco puxa Lívia pelos cabelos, ela grita. Suas amigas param de correr e voltam para trás para tentar ajudar à amiga.]
— Não!! Não!! — [Grita Lívia antes de ter a boca tapada pelo assassino. Ele a esmurra, com socos na cabeça e nas costas, antes de começar a esfaqueá-la. Suas amigas tentam salva-la, uma bate com sua bolsa no maníaco a fim de fazê-lo soltar Lívia. A outra grita e chama por socorro. Irritado, o maníaco joga Lívia contra o chão com grande força, tanta que ela desmaia. Ele bate na garota que o atacava, lhe fere o abdome com sua faca. Logo, dá uma cotovelada na nuca da outra que pedia socorro, levando ela ao chão.]
[Após deter as distrações, o maníaco levanta Lívia e a esfaqueia friamente, mesmo desmaiada, sob os olhares das duas amigas incapazes. Após constatar a morte da vítima, ele a solta no chão e some das sombras...]
Após uma noite de sono, mesmo inquieto e perturbado, parece que hoje estou me sentindo melhor. São seis e sete, levanto devagar para não acordar Luiza, hoje não tem aula na escola das crianças e elas podem dormir até mais tarde. Lavo o rosto, escovo os dentes, faço a barba... Vou para a cozinha e passo um café, ligo o rádio que sempre fica em cima da geladeira e sintonizo na emissora de notícias. Mas as primeiras palavras que ouço essa manhã são: “Mais uma garota morta à facadas.” Ligo pro Milton, preciso saber mais sobre isso...
— Alô? Milton? Escuta, eu ouvi no rádio que mais uma garota...
—> Isso mesmo Al... Foi em São Miguel Paulista, acho melhor você vir pro distrito, aqui lhe dou mais informações. <— Era o que eu temia... Isso aumenta as chances de se tratar de um assassino serial... de outro Ponta-de-Faca! Não posso perder tempo... Me arrumo e vou para o distrito.
São sete e vinte dois quando chego, logo na entrada, Paulo me recebe com o telefone na mão, diz que o Agente Cléber quer falar comigo. Era só o que me faltava!
— Fala Cléber.
—> Ainda acha que não é um serial killer, Al? Três garotas agora! <— Que espécie de sujeito zombaria numa situação assim? Ele quer me provocar... e sabe de alguma coisa... —> Estou na delegacia de São Miguel Paulista... as testemunhas vão depor daqui a pouco... acho bom você vir aqui. <— Mesmo sabendo que o que ele quer é ver a minha cara, não tenho escolha, preciso acompanhar o depoimento... Levo uma hora e meia cruzando a cidade até chegar a São Miguel... Na delegacia, uma concentração de viaturas, tanto da militar quanto da civil... tem alguns jornalistas também. Mas ao entrar me deparo com ninguém menos do que Cléber:
— Detetive, ainda bem que chegou, o depoimento vai começar... — Vamos à sala reservada, onde as duas garotas muito nervosas mesmo sobre o efeito de calmantes, com ferimentos e hematomas vão depor. Elas se chamam Simone e Vanessa... está também os encarregados da delegacia. Começa o depoimento:
— Estávamos voltando normalmente pra casa... passávamos por aquele caminho sempre, nós moramos na mesma rua desde crianças! — Diz Vanessa. — Conversávamos distraídas até que eu percebi que tinha alguém nos seguindo. Começamos a andar mais rápido, mas ele continuava... Corremos e ele correu junto...era um homem encapuzado... de preto.. e... e... — Ela começa a chorar... Simone continua:
— Ele... puxou Lívia pelos cabelos, ela gritou... Nós, que estávamos à frente, voltamos para ajudar... eu batia nele com a bolsa e a Vanessa chamava socorro... Ele batia em Lívia, bateu tão forte que ela caiu... não sei se desmaiou... Daí ele me atacou, me feriu com a faca... depois atacou Simone... Eu... eu... vi ele esfaquear Lívia...! Meu Deus! Que horrível! — Que relato impressionante! Murmuram assim os presentes na sala:
— Deus do céu! Como alguém pode ser tão cruel? — Diz um policial...
— Só uma pessoa poderia realizar tal ato... Não é Al? — Cléber está certo. Somente Ponta-de-Faca é tão cruel, tão insano... Mas ele está morto! Eu sei. Eu o... matei...
[09:25, proximidade da faculdade onde Lívia estudava... uma moça pega um táxi.]
— Para o centro, por favor.
— Está sabendo? Da garota assassinada perto daqui? — [Diz o taxista.]
— Claro... como não saberia, é só nisso que falam... Ela estudava na mesma ‘facul’ que eu.
— Nossa... e você não está com medo?
— Medo? Se eu fosse sentir medo eu nem sairia de casa... Nessa cidade posso ser morta a qualquer momento... no mercado, na igreja... Até nesse táxi com você!
— Roberto.
— O quê?
— Meu nome é Roberto.
— Ah... Prazer, Valéria...
Onze e meia... volto pro meu distrito, vejo os arquivos de Lívia, as fotos do corpo...
— Então detetive, ainda resta alguma dúvida? — Cléber! Ele está aqui.
— Olha aqui... qual é seu jogo? Está certo... pode ser um assassino serial, um maníaco! Está feliz? Você acertou e eu errei... quer uma medalha? — Esse cara já passou dos limites... perco a cabeça e discuto com ele.
— Hei rapaz, você não está falando com nenhum moleque!
— Vocês dois! Parem com isso! — Milton intervém. — Agente Cléber... os crimes não se restringem mais só no seu bairro... agora é um caso diferente... Sua presença aqui não é mais solicitada. — Cléber ouve, abaixa a cabeça, parece falar algum palavrão em voz baixa... e se retira com seu sorriso sátiro no rosto. — Al, o que foi isso?
— Milton... esse... cara... Ele vem me provocando... Ontem ele... Mencionou a singuralidade do caso com o...
— Ponta-de-Faca? Sim, eu também percebi. — Milton conhece meu drama, esteve me apoiando todos esses anos.
— Onde estão os arquivos do caso Ponta-de-Faca? Preciso ver umas coisas.
— São arquivos bem antigos... Por sorte estamos passando tudo para o computador... talvez esteja lá embaixo no porão, junto com outras tralhas. — Vou ver, não estão. Esses papéis foram mandados há dois anos para o depósito central. O jeito é ir lá.
Vou para lá... Vinte para as onze chego ao depósito. Após muita burocracia consigo ter acesso aos arquivos. Estantes e mais estantes com pastas cheirando a poeira. Por sorte estão organizados por data. Procuro entre os arquivos de 93... enfim, achei. Uma pasta lotada de fichas de homicídios, cada uma de uma das vítimas de Ponta-de-Faca, dez ao todo, mais a ficha do próprio assassino.
Seu nome verdadeiro era João Batista Correia. Sem parentes, endereço fixo e atestados médicos, isso porque nunca foi a algum. Seus últimos trabalhos foram em uma pequena indústria e num açougue, daí o amor por facas. Tem uma foto dele sem o capuz... com o tiro que eu lhe dei na testa... Não tem filhos, pelo menos não que saibamos... Bem, isso não vai ajudar, só se Ponta-de-Faca se levantou da tumba.
Deixo isso de lado e começo a ver os relatórios das vítimas. A primeira: morta em quatro de junho de 1993, Solange Ferreira Nascimento. Saía da faculdade no Butantã e foi morta entre as onze e quarenta e meia-noite e quinze. Tinha vinte e um anos. A segunda: Amanda Machado, vinte e três anos, morta em cinco de junho... entre a meia-noite e meia-noite e meia...
Espera um pouco! Qual era mesmo o nome da primeira vítima de 93? Solange? Qual o nome da segunda? Amanda... Percebo aqui a similaridade que, ao mesmo tempo esperava, mas não queria encontrar. Os mesmos nomes têm as vítimas do passado e as de agora... Será coincidência? Para conferir, vejo a terceira ficha... a vítima é... Lívia dos Santos...
Nessa hora minha espinha congelou. Me senti como quando garoto, ficava assistindo filmes de terror, mesmo minha mãe tendo me proibido. Nessa época eu olhava debaixo da cama antes de dormir. Agora, tenho medo de olhar para trás e me deparar com o Ponta-de-Faca. É como se tudo estivesse se repetindo. Uma insanidade do destino. Ponho os papéis de volta na pasta e corro até o telefone mais próximo, tenho que contar isso pro Milton:
— Milton, encontrei os arquivos... Você não imagina o que eu descobri. As primeiras garotas mortas pelo Ponta-de-Faca têm os mesmos nomes das três garotas mortas nos últimos três dias: Solange, Amanda e Lívia.
—> Isso é assustador Al, mas eu já esperava por isso. Não é a primeira vez que algum maluco imita um criminoso famoso. É... creio que temos um novo Ponta-de-Faca à solta.<
— Não! Eu não vou permitir! Não posso permitir que isso... que tudo isso se repita! Agora que sabemos que esse maníaco segue um padrão, podemos chegar antes dele.
—> Como assim?<
— Em 93, Ponta-de-Faca matou dez mulheres, este de agora provavelmente vai querer repetir a façanha. Ele vai procurar universitárias com os mesmos nomes das mulheres mortas em 93... Basta saber quem será a próxima vítima e estar lá antes dele cometer o crime. — Pego na pasta a ficha da quarta vítima de 93... — O nome da próxima garota é... Valéria.
—> Ok Al, já entendi. Vou cuidar disso agora mesmo.<— Desligo, tiro uma cópia dos arquivos e vou embora.
Estamos agora um passo na frente do assassino. Ele vai procurar por uma universitária com o nome de Valéria. Mas devem existir dezenas de Valérias nessa cidade! Tenho que afunilar as opções... Senão vejamos... As mortes, como em 93, só ocorrem à noite, daí já posso descartar as moças que estudarem de manhã ou tarde. Os bairros não batem com os de 93, mas são lugares próximos... é possível que ele continuará na região leste da cidade. Bem... quando eu chegar no distrito passo essas informações pro Milton.
[12:30. Casa de Al e Luiza de Sousa. Luiza está na cozinha preparando o almoço, a televisão está ligada em um noticiário na sala:]
— “Nos últimos três dias, três universitárias foram assassinadas quando saiam da faculdade por um homem de capuz preto portando uma faca”. — [Diz o repórter do noticiário. Luiza ouve e vai até a sala com uma panela na mão.] — Senhoras e senhores, acabei de ler uma manchete deste mesmo telejornal vinculada em seis de junho de 1993, mas bem que poderia se aplicar às notícias que apresentaremos agora. — [Uma lágrima escorre pelo rosto de Luiza.] — Um novo Ponta-de-Faca está nas ruas. — [Luiza deixa a panela cair e chora...]
— Não!! De novo não!
[12:31. Apartamento de Valéria Clemente, a moça que pegou um táxi à pouco. Valéria também assiste ao telejornal:]
— Pobres garotas... Essa última, Lívia, era da minha faculdade... cada dia aparece um novo maluco pra estragar a vida da gente. — Comenta enquanto almoça.
Dez pra uma, retorno ao distrito. Depois de um café pra relaxar conto a minha idéia pra localizar a próxima garota ao Milton. Pra minha grata surpresa ele pensou nisso também e a pesquisa já estava a caminho. Quando era cinco e vinte, Paulo me chama e diz:
— Detetive, tem uma moça querendo ver o senhor.
— Quem é ela?
— É Gisele Camargo, testemunha do primeiro assassinato. O senhor pediu para interrogá-la. — É verdade! Já tinha me esquecido... a chamei na época em que pensávamos que a morte de Solange teria algo a ver com seu namorado. É melhor eu pedir desculpas pra ela.
— Srta. Gisele, eu sou o detetive Al de Sousa. Olha, a investigação sobre a morte da sua amiga mudou de dimensões e seu depoimento não será...
— Ponta-de-Faca, não é isso? Um serial killer. — Ela disse.
— Como sabe? Esse assunto ainda está sendo...
— Eu ouvi no rádio... é nisso que falam. Que alguém está matando igual a um assassino de 93 chamado Ponta-de-Faca. Na época eu era muito nova e não me lembro... — Droga... a imprensa já tirou suas próprias conclusões e também percebeu a similaridade dos casos...
— É isso mesmo... por isso a senhorita pode ir...
— Eu lembro desse nome, Ponta-de-Faca... ouvi esse nome na semana passada. — O quê? Semana passada? Antes dos crimes?
— Onde ouviu isso?
— Em um circo. Eu e Solange e mais uns amigos fomos ao circo na sexta passada. Lá tinha um atirador de facas e chamavam-no de Ponta-de-Faca. Era um homem alto, de cabelo cumprido, muito bonito. Ele chamou Solange pra participar de um número. Mas ele não atirava facas nela, na verdade ela era vendada e ele só fingia, pois um palhaço fincava as facas na tábua. Ela morreu de medo!
— Disse que esse atirador usa o nome de Ponta-de-Faca e esteve com Solange dias antes dela ser morta? — Ou isso é uma daquelas malditas coincidências que eu odeio ou acabei de encontrar o primeiro suspeito.
— Foi... por isso quando ouvi esse nome no rádio fiquei muito assustada. A Solange era tão alegre e bonita, não mereci ter um fim desses.
— Onde é esse circo?
— Lá no Tatuapé... acho que tenho o endereço certo na minha bolsa. — Pego o endereço, conto o resumo da história pro Milton e me preparo pra ir a este circo. Mas, como já virou costume...
— Detetive Al... — Cléber. — Soube que esteve no depósito central... procurando pelos arquivos do caso Ponta-de-Faca... Enfim resolveu aceitar a verdade?
— Que diabo você faz aqui, Cléber... Já não te disseram que sua presença aqui é desnecessária?
— Tenho ordens dos meus superiores para continuar no caso... queira você ou não. — Ótimo, só de ver esse sujeito aqui meu sangue sobe... é melhor evitar discussões...
— Então faça como quiser... estou de saída. — Saio e nem olho pra cara dele.
— Aproveite enquanto pode Al, detetivezinho de bosta!
Pego meu carro e sigo pro Tatuapé. Graças a Deus eu não tive que aturar aquele Cléber por mais tempo. Agora vou dar uma palavra com esse tal atirador de facas. Chego no circo já pela noite, umas sete horas quase. Um espetáculo já está pra começar. Tem grande movimentação de público. Pergunto para um funcionário do circo onde eu posso encontrar o atirador, ele me aponta um trailer colorido. Vou até lá, bato na porta e uma garota de uns quinze anos, semi-nua atende:
— Oi!
— Olá, procuro pelo atirador de facas, “Ponta-de-Faca”... me falaram que esse é o trailer dele.
— É sim... peraí que ou vou chamar. — Disse ela, mas na verdade ela gritou do lugar onde estava mesmo. — Hernan! Benzinho...! Vem cá. — O cara aparece, como Gisele disse, alto e de cabelos longos, tem um jeitão de cafajeste de meia pataca. Chega comendo uma goiaba, deixa fruta sobre a mesa, limpa a mão na calça e se coça. Abraça a menina de modo quase erótico. Sorri pra mim e diz com sotaque espanhol:
— Que passa?
— Sou Al de Sousa, detetive da polícia. — Nessa hora o sorriso dele some. A menina corre pra dentro e grita.
— Alguno Problema...?
— Você conhece esta garota? — Mostro uma foto de Solange. Ele pega, passa a mão no queixo e diz:
— Hmm... mui guapa, no? No... no la conosco...
— E nem essas? — Mostro fotos de Amanda e Lívia, mas ele nega conhece-las balançando a cabeça. — É você quem chamam de Ponta-de-Faca?
— Si! Yo soy lo Ponta-de-Faca del grand circo...!
— Você sabia que Ponta-de-Faca é o apelido de um grande assassino que morreu em 1993? Você sabia que um novo assassino esta seguindo os passos do Ponta-de-Faca e, essa moça, que esteve neste circo e participou do seu número na sexta-feira passada, morreu três dias atrás? — Ele arregala os olhos, engole seco e soa frio...
— O que pensa detetive...? Acaso crer que yo soy lo matador?!
— Você se apresenta com o nome dele e esteve com a primeira vítima dias antes dela morrer... o que acha que eu iria pensar?
— Yo no conosco este hombre! Cheguei ao país há quatro años! Meu agente hablou este nombre...
— Posso entrar no seu trailer? — Ele não responde, só olha pros lados e entra correndo pra dentro. Eu o persigo. Ele derruba móveis a fim de me atrasar enquanto sai por uma porta que há nos fundos. Só que há também um grande barranco atrás do trailer. Hernan desce correndo.
— Pare! — Grito enquanto corro atrás dele. Ele entra por um buraco num alambrado e chega numa rua que leva de volta ao circo. Na frente ele salta uma mureta e está novamente no circo, agora no meio da multidão. Eu vou atrás, depois de pular a mureta grito de novo: — Pare, é a polícia! — Mas é em vão, ele entra no meio das pessoas. Alguns companheiros dele de circo tentam me deter, mas eu me safo. Parece que ele está ficando cansado... deve ter transado com a garota do trailer, por isso está com poucas forças. Mais uma vez grito: — Polícia! Pare! — Alguns homens que vieram assistir ao espetáculo tentam segura-lo, mas ele os empurra... Porém se distrai dando de cara com um caminhão.
Ele cai no chão lamacento. Eu me aproximo e saco minha arma enquanto ele procura se levantar:
— Saco!... — Digo. — Por que você fugiu?! Tem algo a temer?
— No atire detetive! Yo soy inocente!
— Então por que fugiu?! Se fosse inocente não teria medo algum! Agora levante-se e venha comigo!
— Ora, ora... O que vemos aqui? — Essa voz, o jeito sarcástico de falar, só pode ser...
— Cléber? O que faz aqui?
— Eu é que pergunto Al. Afinal, este é meu bairro. Se alguém está no lugar errado, esse alguém é você. E o que pensa que está fazendo?
— Este... este homem usa o nome de Ponta-de-Faca... Ele esteve com a primeira garota antes...
— De ela morrer? Sei... como eu disse, esse é meu bairro e eu já ouvi falar do atirador de facas chamado Ponta-de-Faca. Isso não lhe dá o direito de apontar uma arma pra cabeça dele.
— Ele fugiu quando eu pedi para entrar em seu trailer!
— De qualquer forma... agora guarde a arma, está assustando as pessoas. — Olho ao redor e é verdade, as pessoas me olham como se o criminoso aqui fosse eu. Esse filho da mãe do Cléber me pegou mais uma vez. — Isso... agora, se não for pedir muito... vá embora. Eu me encarregarei do nosso amigo aqui...
— De jeito nenhum.
— Bom, quer que eu informe a corregedoria sobre esse seu... “abuso de autoridade” de ameaçar uma pessoa desarmada em um lugar público? — Diz o canalha... Mais uma vez estou sem saída...
— Tudo bem... Voltarei aqui amanhã com um mandado de busca e apreensão... — Eu saio, ando um pouco e, sem que Cléber veja, me escondo atrás de um carrinho de pipocas. De lá o vejo ajudar Hernan a se levantar e caminhar com ele até outro trailer, um vermelho, perto dos estacionamentos. Algo me diz que tem sujeira aí.
Eles batem na porta, eu corro sem que eles me vejam e me aproximo. Um homem alto, negro e careca abre, os deixa entrar e olha para os lados. Me aproximo mais. Atrás do trailer tem um tambor emborcado, subo nele a fim de olhar pela janela. Estão lá, sentados á mesa Cléber e Hernan, o homem alto serve latas de cerveja. Parecem discutir... não ouço nada. Hernan põe as mãos na cabeça como se estivesse preocupado, Cléber põe a mão em seu ombro como que o confortando. Depois surge um velho, acho que estava sentado no chão. É um velho cigano, ele sorri deixando seus dentes de ouro reluzirem a luz dos lampiões, parece estar calmo... feliz.
Em que raio de coisa Cléber estará envolvido? Ele conhece o tal Hernan de longa data, ao que parece. Teria algo a ver com os assassinatos? Num descuido, meu pé escorrega e deixa cair uma tábua que estava em cima do tambor. Eles se assustam com o barulho, Cléber sai. Eu desço e vou para o outro lado do trailer. Cléber olha o tambor, o pedaço de pau no chão... procura alguém e depois volta. Essa foi por pouco. É melhor voltar pro distrito.
São sete e trinta e seis, há essa hora o trânsito é horrível. No congestionamento pego e ligo pro Milton. Falo do que descobri sobre Hernan e seu envolvimento com Cléber...
—> Isso é sério Al. Se Cléber está envolvido com alguma coisa ilegal, mesmo que não seja os assassinatos, pode sobrar pra gente.<
— O pior é que ele tem alguma coisa contra mim... sei lá, desde a primeira vez ele me provoca e sempre parece estar um passo na minha frente.
—> Falando nisso, terminamos a busca pelas estudantes chamadas Valéria. Encontramos vinte e duas moças com esse nome matriculadas em cursos noturnos em toda a cidade. Sendo que dezesseis só na zona leste.<
— Vinte e duas? São muitas, nunca iríamos encontrar a certa a tempo! Sabe Milton... isso é... revoltante. Nós sabemos que uma Valéria será morta esta noite e não podemos fazer nada pra impedir. É como saber o que acontecer no futuro sem poder evitar.
—> Ponto de vista interessante.<
— Olha Milton... ainda podemos tentar. Mande viaturas para as portas das faculdades onde as garotas mortas estudavam, pode ser que o assassino apareça em alguma delas.
—> Farei isso. Al, pode ir pra casa, nós cuidaremos disso.< — Era tudo o que eu precisava ouvir agora.
Oito e quarenta e dois, chego em casa, minha filha Bia abre a porta, ela parece preocupada, o Gil também. Entro em casa, as luzes estão apagadas no andar de cima e na sala, as crianças estavam na cozinha comendo bolachas...
— O que houve aqui filha?
— A mamãe tá estranha, ela não fez a comida... ficou deitada no sofá o dia todo. — Vejo que na sala a televisão está ligada. Entro e vejo Luiza deitada, como Bia falou, com os olhos fixos na TV, mas com o olhar perdido. Está passando um noticiário sensacionalista que trás como matéria “Um novo Ponta-de-Faca está à solta” e exibe fotos das garotas mortas em 93 e de agora.
— Luiza... — A chamo.
— Al... — Diz ela em prantos. — Será que esse pesadelo vai se repetir?! — Céus! Pena não poder responder, pois eu também procuro a resposta.
[23:10. São Miguel Paulista, Valéria sai da faculdade. Uma viatura da polícia civil está na porta. Numa praça de fronte, o novo Ponta-de-Faca observa sua vítima. Ele se esconde atrás das árvores, sua ação é inibida pela presença da polícia. Valéria caminha sozinha, o maníaco a segue ainda se esgueirando nas sombras. Valéria desce ruas até encontrar seu namorado que a espera em sua moto. Ela sobe e vai com ele.]
[Ponta-de-Faca se enfurece, corre entre sacos de lixo e mendigos até chegar a um carro velho e sujo. Com ele segue Valéria à distância. A moça desce na portaria de seu prédio:]
— Tem certeza que não quer entrar? — [Diz ao namorado.]
— Não posso Val, preciso voltar pro trampo. Mas daqui a pouco eu te ligo. — [O motoqueiro se vai, Valéria entra no prédio. Ponta-de-Faca chega logo em seguida e corre pelos fundos do prédio, arromba o portão e sobe.]
[Valéria entra no seu apartamento. O assassino se espreita e a observa entrar. Aguarda alguns minutos e, com um cartão, abre a porta e entra no apartamento. Valéria está no chuveiro. Ponta-de-Faca caminha até seu quarto, pega em suas roupas íntimas que ela deixou sobre a cama, logo percebe que a porta do bainheiro está aberta.]
[Ponta-de-Faca espia Valéria tomar seu banho. Observa seu corpo nu e belo mesmo que destorcido pelo acrílico do Box. Espera pacientemente. Enfim ela desliga o chuveiro, ele recua e se esconde. Valéria se seca fora do Box sob o olhar do assassino. O telefone toca. Valéria se enrola na toalha e vai atender:]
— Alô? Gilson! Que rápido! Acabei de sair do banho, nem me vesti ainda... — [Ela fala com o namorado ao telefone. Ponta-de-Faca começa a ficar impaciente.] — É? Nossa... Não, não sei... — [Continua ela a falar, mas a este ponto, o invasor não espera mais. Ele saca sua faca e vai de encontro a Valéria:] — Ai meu Deus!! Socorro!! Aaaaaaaahhhhhhhhh!!! — [Grita Valéria ao ver Ponta-de-Faca, este lhe dá um soco, ela deixa o fone cair. Do outro lado da linha, Gilson ouve seus gritos:]
—> Val?! Val??!! O que tá acontecendo?!! Porra Val, fala!!<— [Ponta-de-Faca a golpeia, ela deixa sua toalha cair. O assassino lhe puxa pelos cabelos e a esfaqueia, Valéria grita.] —> Val, o que tá acontecendo?? Caralho!! Val!! <— [Grita desesperadamente Gilson pelo telefone. Enquanto Ponta-de-Faca ataca sua namorada. Com um profundo corte no pescoço Valéria morre. Mas o maníaco prossegue a esfaquear o corpo desfalecido de Valéria. A joga contra a parede, ela cai no chão.] — Valéria! Valéria??!! — [O assassino percebe o telefone, pega o fone e põe no ouvido:] — Val?? Eu... eu tô ouvindo sua respiração!! Você não é Val! Desgraçado!! Filho da puta!! — [Calmamente Ponta-de-Faca põe o fone no gancho. Ao sair, tira do bolso um recorte de jornal com nomes e fotos das vítimas de 1993. Com sua faca aponta para a quinta mulher, seu nome é Erica.]

Fim do Capítulo II

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