DETETIVE AL
Sombras do Passado
CAPÍTULO IV: Vingança


Por: Anderson Oliveira (abril de 2005)

Eu estou bem. Depois de voltar pro distrito recebi cuidados médicos e comida... fisicamente estou bem, moralmente não. Primeiro porque me sinto indignado de ter caído num truque sujo de Cléber; segundo por querer acabar coma vida dele agora mesmo, mas sei que não posso fazer isso; terceiro porque descobri que Erica, a garota que me beijou a força ontem, agora está morta. E isso não me faz nada bem. Eu podia impedir isso, mudar o destino, mas falhei. Não... não falhei... fui trapaceado... E isso só me faz pensar numa coisa: vingança!
São dez horas da manhã, enfermeiros ainda me atendem enquanto a porta do distrito fervilha de jornalistas por causa da morte de Erica... Milton se viu obrigado a responder as suas perguntas. Quero ir pra casa ver minha esposa que está muito abalada com tudo isso, mas eles não me deixam sair sem antes terminar as ocorrências necessárias. Além disso, tenho outra preocupação: achar as próximas vítimas...
[10:24. Região central de São Paulo. O taxista Roberto leva uma jovem em seu veículo:]
— Bom dia! Pra onde, senhorita?
— Até a Liberdade, por favor...
— Ok... A moça está sabendo? Acharam outra jovem morta nesta madrugada... Já é a quinta vítima desse maníaco que está à solta.
— Não, não sabia... Onde foi isso?
— Foi no Tatuapé, lugar das primeiras mortes...
— Meu Deus... Bom, ainda bem que isso só tá acontecendo na zona leste... eu não preciso me preocupar, pois moro na zona norte!
— A moça é universitária? Dizem que ele só mata universitárias...
— Pois é, sou...
— Roberto... meu nome é Roberto...
— Ah tá...
— Não vai me dizer seu nome?
— Tá bom... sou Julia...
[10:28. Um barzinho onde Henrique, Gustavo, Gilson, Simone e Gisele se encontraram pra falar sobre sua manifestação contra os assassinatos:]
— Viram só? Mais uma menina morta... está aqui no jornal! — [Diz Henrique.] — Diz aqui que ela era da mesma faculdade de Amanda... logo, da sua, Gustavo.
— É...? Deixa eu ver... Erica? Não conhecia...
— Até quando isso vai continuar?! A polícia parece que não faz nada a respeito! — [Diz Henrique que bate com a mão na mesa em sinal de revolta.]
— E aí Gustavo, como vai seu livro? — [Pergunta Gisele.]
— Está indo bem! Falando nisso, tenho que fazer um trabalho na casa de um amigo... Vejo vocês mais tarde! — [Gustavo pega suas coisas e sai.]
Dez pras onze, enfim chego em casa. Tomei uma baita surra, mal consigo pisar firme da perna direita. Não sei o que dizer a Luiza, só sei que isso vai deixar ela mais nervosa. Entro e não vejo ninguém, as crianças foram pra escola... Luiza deve estar dormindo sob o efeito de remédios. Mas, há algo diferente aqui. Um cheiro de sopa de frango vindo da cozinha, sapatos baixos na soleira da porta, um xale vermelho sobre o sofá...
— Alberto, querido! — Só existe uma pessoa no mundo que me chama pelo meu nome completo e usa xale vermelho, faz sopa e deixa os sapatos na soleira...
— Mãe?! O que a senhora está fazendo aqui?
— Oh meu filho! Eu vi os noticiários na televisão e me lembrei daquela época terrível... Imaginei que você e Luiza estivessem precisando de ajuda, então deixei tudo de lado e vim correndo pra cá! Mas o que aconteceu com você? Está machucado... Meu Deus! Meu coração quase sai pela boca toda vez que eu penso no seu trabalho perigoso... — É... essa é minha mãe, dona Eulália de Sousa. A típica mãe super protetora que acha que seus filhos sempre serão crianças. Mas é muito bom vê-la agora!
— Ainda bem que está aqui, mãe. Luiza e eu... bem, eu preciso fazer meu trabalho e ela não pode ficar sozinha.
— Oh querido... Deixe a casa, as crianças e tudo mais por minha conta... Há muitas pessoas que esperam que você e seus colegas façam alguma coisa. Eu também. Agora tome um banho, vista roupas limpas e sente-se pra tomar um pouco da minha sopa... Depois saia e tranque esse bandido... É uma ordem!
[11:32. Distrito da Polícia Civil. Milton conversa com o policial Roger:]
— O que você está dizendo? Paulo foi na diligencia no lugar do Zé? E depois sumiu por mais de meia hora?!
— É isso mesmo, delegado. Olha, eu prometi não falar nada pro senhor, mas eu fiquei preocupado com o sumiço do Paulo. Foi na mesma faixa horária em que a tal garota foi morta. Depois ele voltou com a desculpa mais esfarrapada do mundo. Eu tenho uma irmã e duas primas universitárias e temo pela segurança delas... o senhor entende?
— Claro Roger... não é de agora que o Paulo vem agido estranhamente. Volte ao seu posto e não fale nada. Eu vou ligar pro Al. — [Roger sai e Milton pega o telefone:] — Alô? Al? Mãe dele? Dona Eulália!! Aqui é o Milton, posso falar com o Al? Obrigado...
—> Fala Milton. <
— Tenho uma coisa importante pra te falar, Al. Eu devia ter dito antes, mas no estado que você chegou, eu nem tive tempo.
—> O que é? <
— O Paulo. Ontem eu o peguei com um xérox de um velho jornal onde constavam as vítimas do Ponta-de-Faca de 93. E agora fiquei sabendo que ele esteve, sem minha ordem, na diligencia em frente à faculdade de Erica. E na hora que a moça foi morta ele desapareceu voltando logo em seguida.
[11:34. Casa de Al de Sousa.]
— O Paulo?! — Não pode ser... alguém que está sempre ao nosso lado, de nossa confiança... — Puxa, Milton... mas não vamos tirar conclusões precipitadas... Ainda precisamos investigar o taxista Roberto... e claro, Hernan. Eu estou voltando aí pra resolver isso e outras coisas. — Desligo o telefone. — Agora tenho que ir mãe...
— Espere mocinho... você ainda não terminou sua sopa! — Por essas e outras é que eu saí de casa aos dezoito anos...
Onze e quarenta e nove. Tempo de terminar de tomar minha sopa, arrumar a gola da minha camisa, o nó da gravata, dar um abraço na dona Eulália e sair com o carro. A caminho do distrito ligo o rádio e ouço as notícias... que não são nada boas. O que me preocupa mais em descobrir se Paulo é um suspeito em potencial é em encontrar a próxima vítima. Se eu contabilizar, tenho três suspeitos: Paulo, Roberto e Hernan... Cléber está envolvido em algo sujo com Hernan, mas acho difícil ele ser o assassino, pois seus horários não batem. Uma visita aos seus cúmplices do circo pode me ajudar.
[12:08. Bairro da Liberdade. Um carro familiar para em frente a uma lanchonete. O motorista entra e se acomoda frente ao balcão. Uma jovem o atende:]
— Pois não?
— Um café puro, por favor. — [O homem é Cléber. Ele olha sobre seus óculos escuros o nome no crachá da garota. A moça trás seu café.] — Obrigado... Carina...
— Mas alguma coisa, senhor?
— Por ora, não. — [Cléber sorri, Carina corresponde, mas logo abaixa os olhos e vai atender outro freguês. Cléber fita a moça enquanto toma seu café. Outra garota entra na lanchonete:]
— Oi amiga! Tudo bem? — [Diz a que entrou para Carina, esta vai ao seu encontro e a beija no rosto.]
— Oi Julia... Tá atrasada pro seu turno. — [Carina lhe entrega o avental...] — Toma... A gente se vê na facul! — [E sai pelos fundos. Cléber termina o café, deixa o dinheiro sobre o balcão e sai.]
Meio-dia e trinta... chego no distrito e vou direto ver a pasta do caso de 93. Encontrar a próxima vítima é fundamental. Passo pela sala do Milton, mas ele está ao telefone e não pode falar agora. Ainda bem que o Paulo não está aqui, não sei se conseguiria agir naturalmente perto dele. Na minha sala eu pego as fichas... Depois de Erica Azevedo veio... Julia Matias. Vou usar o sistema de busca pra localizar as garotas com o nome Julia. Minutos depois, o computador processa os dados enquanto o Milton vem até minha sala. Juntos nós vemos o resultado: Quarenta e uma universitárias chamadas Julia. Quarenta e uma?!
— São muitas, Al! Será impossível encontrar a certa em tão pouco tempo.
— É verdade... então temos que usar a outra semelhança: universidades iguais. — Procuro nos casos anteriores e vejo se Julia estudava na mesma faculdade de alguma das outras... — Nada! É de uma instituição totalmente diferente, de região diferente. Com isso perdemos essa vantagem! É como começar do zero!
— Não se desespere Al... vamos conseguir... Já que não podemos encontrar a vítima, temos que nos esforçar em achar o assassino.
— Sim... é o deveríamos fazer desde o começo... Faça o seguinte, mantenha o Paulo aqui a madrugada inteira... invente um plantão ou qualquer coisa, mas não deixe ele sair daqui. Eu vou tentar encontrar o taxista... e ainda fazer uma visita ao circo do Hernan.
— Feito Al. Falando nisso, não conseguimos encontrar o Cléber em lugar nenhum. É melhor tomar cuidado. — Sim, vou tomar... deixa o Cléber aparecer na minha frente que eu sei bem o que fazer. Saio da sala e já na saída pra rua eu vejo Paulo entrar...
— Boa tarde, detetive! — Ele diz sorridente... não posso demonstrar desconfiança...
— Olá Paulo... Bem, estou de saída, até mais. — Essa foi por pouco.
Sem mais demoras eu saio com o carro. O taxista Roberto faz ponto em São Miguel, pra mim é mais perto ir ao Tatuapé antes ver aquele circo. Mas tem um lugar que eu ainda não tinha pensado. É um lugar onde eu nunca pisei nesses onze anos, mas lá, talvez, eu encontre algumas respostas. É o cemitério onde Ponta-de-Faca está enterrado. Um cemitério de indigentes e criminosos. Fica perto daqui e no caminho pra Zona Leste. Vou até lá.
[13:04. Ponto de Táxi em São Miguel Paulista. Um grupo de taxistas conversam, um outro vem de encontro:]
— Vocês viram o Roberto? Ele esqueceu a carteira na banca de jornal.
— Saiu faz uma hora.
— Mas ele estava atrás de mim na fila...
— Ele não foi fazer corrida, saiu sozinho.
[13:05. Circo onde Hernan se apresenta. A garota que estava com ele na ocasião em que Al o visitou pergunta por ele aos seguranças:]
— O cara não aparece desde ontem... ouvi comentários que o chefe vai demitir o gringo. — [Diz um dos seguranças.]
Uma e vinte, entro no cemitério. Deixo o carro no estacionamento e ando até o local onde Ponta-de-Faca está enterrado. Não é difícil, pois aqui é pequeno e os criminosos ficam em um só lugar. Ando algumas quadras e encontro o túmulo. Uma lápide de cimento, velha e coberta pelo mato, onde está escrito seu nome verdadeiro, João Batista. Sua data de nascimento e de morte. Sem flores, velas ou qualquer homenagem. Mas o que eu tinha na cabeça de vir aqui? O que isso pode me ajudar? Será que eu queria ter a certeza de que ele continuava morto, ou... a experiência com Salvador Mendonça me fez crer que os mortos poderiam falar e apontar os assassinos? Bobagem, é melhor eu ir...
Ouço um barulho, me viro e tenho a impressão de ver alguém de escondendo atrás de uma árvore. Vou ver o que é... caminho devagar até a árvore e... não tem ninguém. Só uma confusão dos meus sentidos. Mas então olho ao longe. O que eu vejo me causa arrepios: Um homem de preto, com um capuz preto, em pé há uns trinta metros de distância. Ou é outra alucinação, ou o fantasma de Ponta-de-Faca.... ou o novo maníaco! Corro em sua direção, ele se esconde atrás da pequena capela. Meu cérebro me manda parar de correr e diz que é só uma alucinação, mas meu coração diz o contrário.
Chego à capela e num instante percebo que ele quer me atacar pelas costas (a experiência com Cléber me deixou mais esperto!), me abaixo depressa. Depois me viro e dou um chute estilo kung fu na barriga dele. Ele recua. É de carne e osso, não fiquei louco e não vejo fantasmas. Ele é real. Estranhamente ele fica parado, há poucos metros de distância enquanto eu me levanto. É como voltar ao passado... a mesma roupa, o mesmo olhar. E ele me reconhece... quer minha morte.
— Al... — Diz com uma voz grave e fria, claramente disfarçando-a.
— Pare! — Saco minha arma. — Não se mova, senão eu atiro!!
— De novo? — Diz sarcasticamente. — Tudo vai se repetir Al... Vai?
— Cala a boca! — Eu me aproximo, mas ele recua a cada passo meu.
— Não adianta Al. Não há nada que você possa fazer. Nada! E dessa vez... Eu não terminarei com outra bala sua na minha testa! — O jeito que ele fala, é como se fosse o verdadeiro Ponta-de-Faca! Ele quer me fazer acreditar que ele é o mesmo que eu matei! A minha mão começa a tremer... por mais que eu me esforce... ele está conseguindo me assustar...
— Não... se... mova... — Digo ainda com a mão trêmula...
— Atire. — Ele diz daquele modo sarcástico... Sim, é o que eu devo fazer. Atirar... não para matar, mas... na perna para ele não fugir e eu poder desmascará-lo. Sim... droga! Se minha mão não tremesse tanto!! Vejo-o levar a mão à cintura. Ele está armado!! Saco, tem que ser agora!! Atiro, mas graças ao nervosismo, erro. Ele, rapidamente, tira do cinto sua faca e incrivelmente tira a arma da minha mão. Ele me cortou! Depois sinto um soco na barriga e uma cotovelada nas costas. Vou ao chão. Levo chutes nas costelas e ouço o maldito gargalhar. Mas então ele pára, os seguranças do cemitério ouviram o tiro e estão vindo. Ele fica nervoso, mas antes de ir, diz: — Tudo está se repetindo, Al. Mas dessa vez eu não irei falhar... Luiza será minha!
— Desgraçado!! — Digo enquanto o vejo fugir sem poder fazer nada. Mais uma vez fui derrotado e estou no chão... Ele falou de Luiza... O maldito falou de Luiza!! Eu não vou permitir!!
— Meu Deus! O senhor está bem?! — Diz o segurança do cemitério. Ele me ajuda a me levantar e me leva até sua guarita. Só então percebo que me falta um pedaço do dedo médio direito. O infeliz o cortou com sua faca quando me desarmou. Está sangrando muito.
Sou levando ao pronto-socorro pra tratar do meu dedo e dos demais machucados. Graças a minha credencial passo na frente da fila. Não gosto de fazer isso, mas preciso. Peço para ligarem pro Milton enquanto sou atendido. São duas horas agora. Vinte minutos depois o Milton chega em uma viatura:
— Al, o que aconteceu?
— Eu o vi, Milton... o Ponta-de-Faca. Fui ao cemitério onde o original está enterrado e o novo estava lá. Foi uma armação do destino ter me levado até aquele cemitério.
— Mas o que houve? O que aconteceu com sua mão?
— Ele... ele falou comigo... falou como se fosse o original... como se tivesse saído do túmulo. Me disse que tudo iria se repetir... e que não iria acabar com outra bala na testa... O sacana me fez ficar nervoso o bastante pra eu errar o tiro. Nesse momento ele me cortou o dedo...
— É um filho da puta... Um grande filho da puta!
— Tem mais... ele falou que dessa vez... dessa vez ele pega Luiza.
— Meu Deus!
— Onde estava o Paulo? Eu o vi chegar ao distrito quando eu saí... Se ele continuou lá, pelo menos teremos um suspeito a menos.
— Eu o vi chegar assim que você saiu, mas depois ele saiu de novo... não deu dez minutos e ele saiu. — O Paulo não estava lá... poderia ser ele, mas também poderia ser o taxista Roberto ou o Hernan... vai ver aquele sotaque espanhol seja um disfarce, vai ver... pode ser até o Cléber dessa vez... O sarcasmo, o jeito de falar... mas... Ele era bem rápido... Teria que ser mais jovem que o Cléber, um adolescente quase... Inferno!! Ele estava ao meu alcance... estava nas minhas mãos! Eu sou um fracassado! Um grande fracassado que perdeu a metade do dedo!
[15:15. Casa de Henrique. Um grupo de universitários organiza outro protesto:]
— Sabe o que temos que fazer? — [Diz Simone.] — Temos que montar grupos e fazer rondas noturnas... assim boicotamos as aulas e ainda garantiríamos mais proteção.
— É uma boa idéia... só falta a galera tomar. — [Diz Gilson. Nisso chega Gustavo.]
— Desculpem o atraso... tive que comprar tinta pra minha impressora.
— É o tal livro que a Gisele falou? — [Pergunta Henrique.]
— É... terminei mais um capítulo hoje. Eu imprimo porque ínvio pra uns amigos que não tem computador... — [Gustavo deixa sua mochila sobre a cadeira.]
— Posso ler? — [Pergunta Henrique.]
— N-não... não... Não está terminado, falta umas correções... assim que eu terminar eu mando uma cópia pra você. Posso usar o banheiro?
— Pode... — [Henrique repara que Gustavo está nervoso... Ele aproveita que ninguém está olhando e abre sua mochila. Lá encontra um capuz, um capuz preto.] — Mas o que é isso...? — [Fala em voz baixa enquanto olha se Gustavo não volta. Então ele vasculha mais na bolsa e encontra um disquete com um rótulo escrito “Contos de um Assassino”. Henrique pega e esconde o disquete, coloca o capuz de volta na mochila e a fecha. Gustavo volta:]
— Então? O que vocês planejaram?
— É... conta pra ele Simone... — [Henrique passa a desconfiar de Gustavo.]
[15:18. Gisele conversa com Robson, o ex-namorado de Solange, em uma praça do Tatuapé:]
— Eu já falei pra você sumir por uns tempos, Robson! Não adianta fazer nada... Você não vai trazer a Solange de volta.
— Fica na moral Gisele... Eu sei o que eu tô fazendo. Vou me vingar desse cuzão que matou a Solange! Um truta meu tem um rádio que pega o sinal dos meganha, falaram que o assassino tretou com um detetive aí não faz muito tempo. Diz o que o coxinha se fudeu e deixou o bosta fugir. Da pra ver que se for depender da polícia nóis tá é fudido.
— E o que você tá fazendo, Robson? Merda nenhuma! Só fica aí se escondendo.
— Se liga mina... eu e uns camarada meu tamo fazendo nossa parte. Agora vou dá área... Fé em Deus!
Seis e dez, após algumas horas no pronto-socorro eu volto ao distrito com o Milton. O tempo está acabando e eu tenho a certeza que uma menina vai morrer hoje porque eu falhei em pegar o assassino. Me sinto o pior ser humano que existe. Uma Julia e sei lá mais quantas vão morrer ainda até que isso termine. Mas eu coisa eu garanto... nem que minha vida dependa disso, Luiza não passará por aquilo outra vez.
— Você precisa descansar ou pouco Al. Quer que eu ligue pra sua casa pra avisar?
— Não Milton... Minha mãe está lá, se ela souber o que aconteceu pode ter um ataque. E lembre-se... nosso plano continua... Não deixe que o Paulo saia daqui esta noite. — Falando no diabo... Paulo aparece:
— Nossa, detetive! Pelo que me falaram pensei que o senhor tinha perdido a mão! Foi só isso... menos mal. — Ou ele é inocente ou o maior safado que eu já conheci...
— É... vou ficar bem...
— Delegado... tem um rapaz na linha, ele disse que tem uma denuncia. — O Milton atende, Paulo vai saindo...
— Espere Paulo, preciso falar com você depois.... não saia daqui. — Paulo acena com a cabeça. Milton fala ao telefone, logo sua expressão muda... — Al, é melhor você ouvir isso! — Ele me passa o telefone:
— Alô?
—> É o detetive Al? Nós nos encontramos ontem, eu estava na portaria da faculdade onde... <
— Sei... eu me lembro... qual é seu nome?
—> Eu não gostaria de me identificar, mas vejo que não tem jeito, já que o assunto é importante... Sou o Henrique, hoje achei umas coisas suspeitas na mochila do Gustavo, o senhor deve ter visto ele ontem também. <
— Sim, eu me lembro de vocês... Mas o quê...?
—> Era um capuz preto... <— Capuz?! —> E um disquete, Gustavo está escrevendo um livro... o senhor precisa ver o conteúdo do disquete... Tem um e-mail para que eu possa te enviar? <
— Claro... — Falo meu e-mail, minutos depois recebo o arquivo de texto do Henrique. Ele me pede pra manter sigilo... Mas veremos o que tem nesse texto: — “Contos de um Assassino. Capítulo I. Uma noite quente, duas garotas caminham distraídas pela rua e não reparam a aproximação daquele que seria seu pior pesadelo (...) E ele as atacou, mas só uma cai em suas garras, a outra escapou sendo só parada pela sua sandália que a trai. A tempo de ver sua amiga Solange ser morta a facadas.” — Eu avanço o texto mais um pouco... — “Amanda era jovial e linda. Seu sorriso a todos encantava. Ela era amiga dos amigos e amava seus amores... Pois bem... Era. Também sucumbiu ante a ferocidade tenaz do, que ainda seria chamado por todos de... Ponta-de-Faca.”
— Deus do céu, Al! É a narração do caso...
— É o que parece Milton... Vou localizar algumas palavras pra ver se batem... — Dou o comando no computador e procuro pelos nomes Lívia, Solange, Erica... Estão todos lá. A discrição de suas mortes do modo que se passaram. Procuro também pelo meu nome, e o encontro diversas vezes em divagações do narrador, taxado como o “grande inimigo o qual deve ser abalado e destruído”, sempre é assim. Até que chego na última coisa escrita: “E Ponta-de-Faca viu face a face seu inimigo, não como da última vez, pois agora ele não se escondia na sua identidade de cidadão pacato.” (...) “E o detetive se mostrou mais uma vez fraco frente ao grande Ponta-de-Faca, que como troféu tem a certeza de ter levado pelo menos um de seus dedos.”
— É a narração do confronto no cemitério... Al, esse garoto está transcrevendo a história real!
— Eu já vi um filme assim, Milton. Um cara atacava um policial e escrevia o que acontecia em um livro. Não é preciso nem pensar muito... E o capuz preto que Henrique encontrou é a prova. Vamos deter esse tal Gustavo imediatamente!
Saímos em diligência até o Tatuapé, pois é onde Gustavo mora. Da viatura ligo pro telefone que Henrique me passou em seu e-mail, lhe pergunto o endereço do suspeito. Normalmente a burocracia nos impediria de agir assim, mas que se dane! Vamos pegar esse desgraçado de qualquer jeito! Espera um pouco... eu estou julgando esse Gustavo como o único suspeito, não é bem assim. As provas contra ele são fortes, mas não devo virar as costas pro maior mandamento da minha profissão: “todos são inocentes até prova em contrário”, além disso, temos o Roberto, que esteve com pelo menos duas vítimas antes delas morrem; Hernan, que usa o nome de Ponta-de-Faca no circo e... Paulo! Esquecemos do Paulo!
— Milton... você deu a ordem pro Paulo? — Pergunto na viatura.
— Caralho, esqueci Al. Saímos às pressas que nem me lembrei... — Bem... é quase certo que Gustavo seja o maníaco... Não podemos nos preocupar tanto com o Paulo.
[20:00. Distrito da Polícia Civil. Paulo sai as escondidas com uma viatura.]
[20:01. Bairro da Liberdade. O táxi de Roberto estaciona próximo a um conjunto residencial, de onde ele observa, com um binóculo, Carina, a atendente da lanchonete, se trocar para sair. Depois ele pega uma fita cassete e insere no rádio. Começa a tocar uma música antiga que fez grande sucesso em 1993.]
Oito e cinqüenta, chegamos à casa de Gustavo. Uma casa de classe média numa vizinhança de igual status. Chegamos, eu, Milton e mais três homens no procedimento padrão. Cercamos a casa, o que chama a atenção dos vizinhos. Parece que não há ninguém na casa. Resolvemos invadir:
— Parados! Aqui é a polícia!! — Diz Milton depois que um agente arromba a porta. Entramos devagar, a casa está escura. É como se quem estivesse lá tivesse saído não faz muito tempo. Vejo nas fotos da parede o rapaz com a família, pai, mãe e dois irmãos. Tem fotos dele com uma garota também, alguma namorada, de certo. Subimos até o segundo piso, sempre com atenção em qualquer movimento.
— Ali... — Digo. — É o único quarto que está de porta fechada... — Arrombamos o quarto. Lugar bagunçado, com instrumentos musicais, pôsteres de bandas e esportes e um computador. Os porta-retratos indicam que é o quarto de Gustavo. — Liguem o computador. — Logo um de nossos homens ativa a máquina, minutos depois temos acesso aos arquivos de Gustavo.
— Olhe isso Al... — Diz o Milton. Trata-se de uma pasta repleta de fotos de jornais antigos. Todos sobre o caso Ponta-de-Faca. Fotos das vítimas de 93, vivas e mortas... e uma foto do assassino no necrotério. Uma foto que eu não gostaria de ter visto. Além disso, tem documentos de texto também sobre o assunto. — É um verdadeiro dossiê do caso! Alguns desses arquivos foram perdidos anos atrás... como ele os obteve?
— Boa pergunta. Mas hoje em dia na internet se encontra de tudo.
— Sabe Al, acho que cometemos um erro. Aquilo que lemos pode narrar tanto o caso de agora como o caso de 93. Isso deve ser material de pesquisa do escritor.
— Não Milton, pois ele narra o encontro no cemitério...
— Mas isso pode ser explicado com isto. — Um dos policiais encontra um rádio amador, sintonizado no canal da polícia. E se Gustavo ouviu pelo rádio as informações que circularam sobre meu confronto com Ponta-de-Faca e resolveu acrescentar na sua estória? Não podemos descartar essa hipótese. Até porque sua narração não apresenta detalhes cuja só quem esteve lá poderia dar.
— Sinto que nos precipitamos demais! É melhor voltarmos e tomar todas as providências cabíveis agora.
[21:45. Liberdade. Cléber e Hernan circulam de carro pelos arredores de uma faculdade. Hernan brinca com uma de suas facas. O carro some na escuridão.]
[23:58. Julia e sua amiga Carina saem da faculdade. Próximo de lá o olhar frio do Ponta-de-Faca as segue sem que elas percebam. As garotas descem uma rua íngreme para chegarem ao ponto de ônibus, mas na sua frente cruza o maníaco empunhado sua faca. Julia grita e corre, mas Carina fica em choque e não se move enquanto o assassino se aproxima. Ponta-de-Faca repara que urina desce pelas pernas de Carina, ele a olha e lhe dá uma cotovelada que a leva ao chão. Ele persegue Julia até uma esquina onde tem um bar funcionando. Os fregueses se agitam, mas o maníaco consegue alcançar a moça e a mata em um único corte no pescoço. Ele precisa fugir da turba enfurecida. Ponta-de-Faca corre dos populares que querem lincha-lo. No caminho porém, ele não esquece de Carina. Correndo o risco de ser pego, ele se abaixa e esfaqueia a garota, também do pescoço. Só então corre e se esconde nas sombras dos altos prédios.]

Fim do Capítulo IV

Galeria de Desenhos

Profany, o anjo da morte


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