Dossier
Leitura
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A
Crise Francesa de Maio - Pierre Mendès France |
1995 - 9,95€ |
Introdução
ao Pensamento de Herbert Marcuse - Milton
Miranda |
1995 - 9,95€ |
Introdução
a Um Realismo Difícil - N Teixeira
Neves |
1995 - 9,95€ |
Vietname
- da Resistência à Vitória - General
Nguyen Giap |
1995 - 9,95€ |
O
Fenómeno Universal da Fome - Alain
Toblem |
1995 - 9,95€ |
1995 - 9,95€ | |
Os Católicos Holandeses e Evolução da Igreja-Bispo de Breda e outros |
1995 - 9,95€ |
Oração
Fúnebre para Ernesto Che Guevara - Fidel
Castro |
1995 - 9,95€ |
1995 - 9,95€ | |
1995 - 9,95€ | |
1995 - 9,95€ | |
A
Revolução e a Crítica da Cultura - Alfonso
Sastre |
1995 - 9,95€ |
Arte,
Literatura e Imprensa - Autores socialistas |
1995 - 9,95€ |
A Comuna de Paris e os Socialistas Portug.s-Ramalho, Eça, Antero, etc. |
1995 - 9,95€ |
1995 - 9,95€ |
PROPOSTAS
PARA UMA ACÇÃO
Por Pierre Mendès France
O objectivo desta compilação reside apenas no desejo de possibilitar ao leitor e estudioso uma primeira panorâmica dos acontecimentos que abalaram a França nos meses de Maio e Junho.
A nossa pretensão não obedeceu à finalidade de um estudo e, muito
menos, de uma tese. Tanto quanto possível (e dentro das limitações
informativas, facilmente compreensíveis) moveu-nos o interesse de integrar, no
seu encadeamento, os principais factos da contestação que fez paralisar aquele
país.
Além da transcrição de alguns documentos, declarações e análises de
sociólogos, entendeu-se que a ordem cronológica dos factos mais
significativos, constituía, sem dúvida, uma dimensão imprescindível para
quem tente inteligir este fenómeno de revolta. E isso simplesmente, como é óbvio,
porque os factos históricos, a sua interpretação, só poderão adquirir uma
luminosidade objectiva desde que relacionados, inseridos e datados.
Evidentemente, não se pretende que os simples títulos de cronologia
e selecção constituam, só por si, garantia dessa objectividade.
Pelo menos — se não pelas próprias deficiências pessoais — o
compilador está subjectivamente presente pelos elementos de que dispôs
e, também, pelo mínimo de selecção que usou.
Não temos rebuço de admitir esse risco mas, estamos certos, igualmente,
de que o nosso trabalho constituirá instrumento mental de utilidade para
ulteriores leituras e estudos.
E isso nos basta de momento.
HERBERT
MARCUSE»
Na casa dos setenta, Herbert Marcuse viu-se indiscreta e simultaneamente
alcandorado a porta-voz dos «estudantes em fúria», pela mediação oficiosa
de uma publicidade e uma imprensa com funções específicas nos parâmetros da
sociedade de consumo.
No transcurso da entrevista concedida a uma equipa do hebdomadário francês
L´Express — as declarações produzidas constituem um notável documento,
pela clareza das ideias expostas e pela amplitude da temática, apesar de uma
certa malevolência dos inquiridores que a intenção polémica do diálogo não
basta a explicar —, Herbert Marcuse declina a qualidade de arauto do movimento
estudantil e insurge-se contra «a justaposição da sua fotografia e do seu
nome aos de» alguns próceres do movimento contestativo em geral, contrapondo
à abnegação ilimitada daqueles o carácter meramente verbal e ideológico do
seu próprio protesto: um pouco como Sartre, associado malgré lui ao folclore
«existencialista» dos caveaux de Saint-Germain-des-Prés, ou como Lévi-Strauss,
paraninfo involuntário de um estruturalismo de que vem denunciando o abuso da
extrapolação metafísica — assim, num bem diferente contexto, se encontra
Marcuse forçado a conjurar o espantalho publicitário que sintomaticamente ameaça,
para pior ou melhor, usurpar-lhe as feições.
Quem é pois Herbert Marcuse?
Como filósofo, «representa a confluência de Hegel, do jovem Marx, de
Heidegger e de Freud, passando pelo antecessor (Wilhelm) Reich e também por
seus companheiros da Escola de Frankfurt, principalmente Theodor W. Adorno e
Walter Benjamin» — responde um dos seus tradutores brasileiros.
É porém impossível rastrear aqui, em profundidade, a polivalente filiação
do pensamento de Marcuse, bem como as similitudes, analogias e coincidências
(nunca acidentais) com outros momentos do filosofar pregresso e contemporâneo.
(...)
«INTRODUÇÃO
A UM REALISMO DIFÍCIL»
O meu objectivo seria, se a tanto me chegasse a eficiência incomodar. As
singelas verdades ou propostas deste livro, antes que eu as aceitasse, doeram-me
como lâminas ou espinhos. Por fim, estabeleci uma certa paz com elas, mas na
condição de as transmitir. Confesso a comodidade, para mim, deste ofício, mas
quem me ler deverá tomar o amargor à sua conta. Além de que, lendo-me também
a mim mesmo, estas verdades ou propostas (comuns a tantos outros) as hei-de
entender ainda, em mais funda leitura, pelo que me dizem ou gritam para lá do
que me são como defesa contra a angústia ou doce literatura engalanada de
divisas militantes.
Incomodar, ofender, agredir. Não tenhamos receio das palavras. E não me considerem injusto os que se julguem visados, nem se ressintam mais que o necessário para que este livro tenha efeito, pois lhes presto uma grande homenagem (presto-a também a mim) já que os considero (me considero) entre as poucas pessoas com as quais merece a pena, neste país, gastar tempo e paciência.
Em três pontos insisto, e para cada um sua parte do livro: a necessidade
de substituir uma dialéctica apenas pensada (se tal coisa existe) por uma dialéctica
vivida, o que exige ainda, na situação altamente alienadora que é a nossa, o
simultâneo exercício do pensamento e de uma suspeita activa acerca dele ou
seja daquilo que se nos oferece e oferecemos como tal; um aumento da consciência
da responsabilidade dos intelectuais, que é referida aos valores éticos específicos
dos mesmos (condicionados por uma determinada e concreta situação histórica)
e em nada a uma noção abstracta e mistificadora de compromisso; e, finalmente,
a elementar mas dolorosa ideia de que a compreensão de uma obra literária é
possível e cresce apenas na medida em que existe no seu usufruidor ou crítico
uma disposição moral para corresponder ao apelo implícito nessa obra, ainda
que para tal disposição se haja de purgar continuamente, mediante a apreensão
da estrutura estética, das suas manifestações mediocremente emocionais, ideia
esta que conduz a uma concepção dramática, que logo ascende a épica, das
relações do leitor com a obra, e, em outro plano, do realismo com a vanguarda.
O autor não se considera um ensaísta. Pelo menos, não ensaia teorias
nem críticas. Apenas se ensaia a si mesmo, se experimenta, frente a certos
temas culturais do nosso tempo. A sua atitude é muito mais actuante e de apelo
que analítica ou judicativa. E mais provocatória. Não pretendo insinuar a
sem-razão de ninguém, mas que cada um confronte as suas razões com um ar frio
que venha do espaço e tempo exteriores a elas. Que saiam dos pauis do Mesmo,
esses cosmos bolorentos e gastos, para uma passagem sadia, embora perigosa,
pelas quedas vertiginosas do Diferente. Entusiasmo outros a que se atrevam, pois
só em companhia me atrevo. Porque só em companhia se faz aquilo que cada um só
pode fazer sozinho. E é por este paradoxo que termino a introdução: ele
formula, aliás, o que de mais fundo e complexo desejaria defender neste livro.
«VIETNAME
DA RESISTÊNCIA À VITÓRIA»
O nosso povo está
a viver o período mais glorioso da história milenária da sua luta contra a
invasão estrangeira e do seu combate revolucionário conduzido sob a égide do
partido desde há algumas dezenas de anos. No heróico Sul, numa superfície de
170 mil quilómetros quadrados, os nossos enfrentam mais de um milhão de
agressores, tropas imperialistas americanas e seus lacaios, conseguindo vitórias
cada vez mais importantes. O mesmo se passa no Norte. Deste modo se faz abortar
a guerra de destruição imposta pelos Estados Unidos e se malogra o seu complot
fundamental, prosseguindo o nosso povo na construção do socialismo e
desenvolvimento económico, reforçando a defesa nacional e cumprindo uma vez
mais a sua obrigação de sustentar o front principal.
Estas gloriosas vitórias reflectem o poder do nosso povo, um poder capaz
de mover montanhas e de secar rios. Este poder é indestrutível: o Programa do
Partido para salvar a nação contra os imperialistas americanos é justo, o que
torna o nosso povo e o nosso exército invencíveis. A simpatia e o apoio
fraternal dos países socialistas e de todos os povos progressistas para com a
nossa causa de salvaguarda nacional contra os americanos crescem diariamente e
tornam-se cada vez mais eficazes. Nesta atmosfera de entusiasmo que criámos e
os resultados da luta, com os quais comemoramos o aniversário da Revolução de
Agosto e a nossa Festa Nacional a 2 de Setembro, e considerando os dois últimos
anos de resistência, em que conseguimos retumbantes vitórias contra os
americanos, o exército e o povo do Vietname do Sul sentem engrandecer a fé e a
confiança no nosso país, no nosso povo e no bem amado presidente Ho. Por isso
estão dispostos a redobrar a vontade de combater, de intensificar a valorosa
resistência para a salvação da pátria e destruir os complots dos
imperialistas americanos para alcançar a vitória final.
General VO NGUYEN GIAP
«O
FENÓMENO UNIVERSAL DA FOME»
Se era urgente escrever a obra de Josué de Castro, o seu conhecimento é ainda mais necessário. Isso explica e justifica este estudo sobre o fenómeno universal da fome porque os homens — embora a sofram — não querem dela falar!
Josué de Castro, com a sua obra (escrita ou por escrever) lança um grito de alarme, generoso e lúcido — mas estridente e firme...
O interesse de tal estudo é de amplamente rasgar os espíritos ao
problema exposto e preparar o homem responsável para enfrentar as forças que
serão desencadeadas desde que se não apresse a agir dentro da orientação
pormenorizadamente apontada.
Antes de tudo, homem de sensibilidade, o antigo Presidente do Conselho da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, estuda o
fenómeno da fome como sábio mas, também, com o sentido das realidades.
Denuncia ao mesmo tempo que explica, e propõe soluções para o problema.
Desejaríamos sublinhar esse grito de alarme e, ao fazê-lo, demonstrar
que foi lançado por um homem generoso, humanisticamente preocupado pelo futuro
da humanidade e pelo seu bem estar, e capaz de encarar os problemas do ponto de
vista da mais pura objectividade científica.
Propusemo-nos iniciar o nosso estudo pelo homem, não propriamente nas
suas relações com a obra mas, mais, na medida em que o seu mundo de criança e
de adolescente o fez descobrir a realidade que o marcará na sua carne e no seu
espírito: a fome dos homens. Na medida, também, em que a sua vida de homem
responsável nos ajuda a compreender a urgência desta tomada de consciência: a
generosidade do seu combate torna-se comunicativa e, exercitando a adesão das
consciências, contribui para difundir a ideia fundamental da responsabilidade
de cada um de nós nesta luta contra o maior dos flagelos que os homens têm
sofrido. Se tudo isto é urgente é porque, verdadeiramente, essa luta ainda não
foi empreendida — pelo menos ao nível mundial.
(...)
Sob a forma de entrevistas, Jean-Paul Sartre analisa acusa e explica algumas situações do tempo presente, principalmente a Crise Francesa e a Guerra do Vietname.
Diferentes, sem dúvida, França e Vietname representam pólos da mesma
circunstância, ainda que projectada em consequências bem distintas.
Nos dois campos de batalha (de diferentes tonalidades, como é óbvio)
sente-se o mesmo combate e o mesmo adversário — o imperialismo, a «sociedade
de consumo», os interesses alienados e alienantes de uma classe social que,
universal e efectivamente, tem os Estados Unidos da América como símbolo. Sem
dúvida, é a bandeira desse país que flutua à frente dos exércitos
massacradores da população vietnamiana e que, igualmente, controla as
estruturas francesas no interesse dum grupo social (não será suficiente como
cabal demonstração a existência, na América, de um cidadão subalimentado em
cada três, quando esse país, que apenas representa 6% da população mundial,
detém nas suas mãos 60% das riquezas do globo?).
Num lado (o Vietname), o sangue, a morte e a corrupção declarada;
noutro (a França), a infiltração lenta e subterrânea — mas altamente
lucrativa e já visível — a vivência falsa de quem julga marchar para a
civilização ideal. Duas formas de conquista, portanto, contra as quais se opõem
dois povos sob duas formas de luta.
Daí a validade desta publicação. São os dois factos que se
confrontam, as duas frentes que são aproximadas como seguidas são as páginas
que a compõem. Validade tanto maior quanto se torna necessário uma visão
global para entender a realidade histórico-social: as parcelas construindo a
totalidade, o todo iluminando os factos, o conjunto em constante confronto e
reestruturação. Só assim, os fenómenos sociais (como quaisquer outros, aliás)
poderão surgir na sua possível e objectiva luz, e, portanto, como indicadores
autênticos de normas de acção.
Se, sobre a Crise de Maio, em França, a opinião de J.-P. Sartre pode não
constituir a mais válida (o inédito da situação vivida, a aproximação dos
acontecimentos, sem dúvida, não favorecem em demasia essa exigência), a sua
posição perante a agressão americana no Vietname não oferece controvérsia séria.
Aqui, a História já esclareceu o suficiente, o sangue vertido já apontou o
agressor criminoso.
De qualquer modo, ainda que possível de recensão, as obras de J.-P.
Sartre terão de ser lidas e meditadas, quer pela capacidade de análise do
autor, quer, ainda pela receptividade que possuem.
Notável a sua colaboração no Tribunal Internacional Bertrand Russell,
como importante foi a acção desse tribunal na denúncia dos crimes de guerra
cometidos pelos americanos contra o povo do Vietname.
Como — em acontecimentos tão importantes — não é suficiente ter
uma ligeira intuição mas um conhecimento o mais detalhado possível,
juntou-se, em apêndice, a transcrição dos principais documentos desse
Tribunal e ao mesmo tempo lembramos o 1º volume desta Colecção, onde se
referenciam os acontecimentos que deram motivo à Crise Francesa de Maio.
DA
IGREJA»
Por
Bispo de Bréda (e outros)
As páginas que se seguem permitem-nos a convivência com alguns dos crentes holandeses e irão assinalar, sem dúvida, um certo número de factos com os quais a imprensa — de um modo sensacional ou não — nos foi familiarizando. E, aliás muito justamente, porque tais factos significam um determinado espírito, uma inspiração. É sem dúvida verdade, por exemplo, que na Holanda certas instituições venerandas como os seminários ou o traje eclesiástico, e certas práticas respeitáveis como a confissão ou o breviário, têm progressivamente desaparecido. É verdade, igualmente, que a comunhão é depositada pelo padre na mão do crente e que cada um pode transmitir o seu pensamento aos bispos.
A finalidade destas entrevistas é integrar essas realidades no seu
contexto e, sobretudo, evocar a inspiração que as fez nascer.
Longe de se concluir por soluções fáceis, ou por um desfasamento e
igualmente longe de se permanecer insensível aos erros cometidos, esses autores
acreditam principalmente em que se assiste a uma redescoberta libertadora do
Evangelho e à eclosão de uma nova vida na Igreja.
ERNESTO
“CHE” GUEVARA»
Por
Fidel Castro
A MORTE DE "CHE" — Gravemente ferido, esfomeado e com sede pois fora aprisionado havia já cerca de vinte e quatro horas, Ernesto "Che" Guevara encontrava-se no chão, os ombros encostados à parede, numa sala da Escola de La Higuera para onde o haviam levado sem qualquer tratamento.
O Capitão Gary Prado
Salgado, Comandante do 2º Regimento de Rangers, entrou na sala mal iluminada e
disparou de frente, de cima para baixo, sobre o nariz do prisioneiro. Quatro
tiros soaram.
Com os olhos embaciados, mas calmos, o guerrilheiro heróico da Sierra
Maestra, o orador incendiário que inflamara pela palavra a juventude cubana, e
fora, sem dúvida, o herói mitológico das revoluções na América Latina,
ainda tentou sorrir desdenhosamente do seu carrasco. Mas, entretanto,
aproximara-se também o Coronel Andrés Selniche, Comandante do 3º Grupo Táctico,
que sacando da sua pistola M. M. Disparou certeiramente sobre o peito de "Che"
perfurando o coração e o pulmão. Era o golpe de misericórdia.
Estava terminada uma aventura que durante onze meses semeara a esperança
nas selvas e nos campos da Bolívia. Como escreveu Ricardo Rojo, seu amigo e
companheiro de lutas, «desde a juventude até à morte Guevara acreditou sempre
na magia da força de vontade, acreditando em si próprio e nos outros. Daí a
sua grande atracção, sobretudo para a juventude, da qual se tornou uma
personalidade carismática.»
Tombou heroicamente, abatido pelas balas do seu maior inimigo: a C.I.A.
O Major Niño de Guzman tentara transportar Guevara para Vallegrande logo
após a sua captura, num helicóptero que ele próprio pilotava. O Coronel
Joaquin Zenteno Anaya mantinha-se em contacto telefónico permanente com La Paz,
procurando uma solução legal para o prisioneiro. Prado Salgado e Andrés
Selniche tinham, porém, aprendido outros métodos mais eficientes, nos Campos
de Treino Anti-Guerrilha que a C.I.A. possui no Panamá. Métodos fisicamente
eficientes, porque Ernesto "Che" Guevara morreu fisicamente em 9 de
Outubro de 1967. Mas continua vivo na lenda, talvez mais forte do que foi na sua
vida real.
Os dois textos que compõem este volume não são textos que tenham sido escritos
mas sim ditos: a oração fúnebre é um discurso pronunciado na Praça
da Revolução, em Habana, na noite de 18 de Outubro de 1967 perante mais de
meio milhão de pessoas; o outro, é uma presença de Castro na televisão, três
dias antes, em 15 de Outubro. Textos ditos com o estilo repetitivo e por vezes
pedagógico peculiar do líder cubano, podem acaso sofrer, na leitura, pelo
facto de não terem sido escritos, pelo facto de serem o fruto do conhecido fôlego
oratório de Fidel Castro, capaz de improvisar discursos de seis, sete e oito
horas, como o fez por vezes diante das câmaras de televisão no primórdio do
seu governo. Outra das suas características habituais, que surge no segundo
documento publicado (embora o primeiro em data), era a de comentar os telegramas
e notícias de agência. Nos últimos anos os discursos de Castro têm uma boa
parte dedicada a esse trabalho e, dizem os observadores, é a parte mais
esperada e gozada pelos cubanos, que lhe chamam «o jornal falado de Fidel
Castro». No documento publicado, Castro, utilizando apenas a sua experiência
de guerrilheiro e um certo número de telegramas das agências, consegue
reconstruir perfeitamente as últimas horas de Guevara e o comportamento dos
seus inimigos. Os factos conhecidos posteriormente não desmentiram a
excepcional reconstituição levada a cabo pelo chefe cubano.
A sua «Oração...» é uma tentativa de retrato ideal do "Che",
na qual o jorrar da emoção é dominado por uma forte vontade racionalizadora e
uma preocupação ética, mas é também a história apaixonada de uma amizade
contada pelo sobrevivente. Além disso, num e noutro dos textos, abundam as
referências a uma experiência guerrilheira comum, que Castro maneja com
habilidade no sentido de obter uma definição do guerrilheiro e da estratégia
da guerrilha — não apenas da sua táctica — revelando os seus suportes
morais que baseia, entre outros, no culto da Verdade.
Por:
Raul Rego
Jornalista e professor, o autor de «Horizontes Fechados», candidato a deputado pelo círculo de Lisboa nas eleições de 1965 e de 1969, marcou lugar de relevo na Imprensa Portuguesa dos últimos anos.
Raul Rego é natural de Morais, Macedo de Cavaleiros. Impedido de exercer
o Ensino Liceal Particular entrou no jornalismo, em 1940. A sua actividade
tem-se exercido especialmente no «Jornal do Comércio» e no «Diário de
Lisboa». Foi também redactor da Agência Reuter.
Profissional do jornalismo e político dirigiu os serviços de Imprensa
das candidaturas à Presidência da República dos generais Norton de Matos, em
1949, e Humberto Delgado, em 1958. Participou ainda em todas as campanhas de
Oposição desde 1945.
Em 1969 foi, a convite do Governo da Alemanha Ocidental, assistir às
eleições naquele país, quando já havia sido indicado para candidato de Oposição
pelo círculo de Lisboa.
Como jornalista e a convite dos respectivos governos estivera
anteriormente em Inglaterra e nos Estados Unidos.
A sua actividade de escritor anda estreitamente ligada às suas atitudes
políticas e ao jornalismo.
FECHADOS e bem fachados, neste momento, os horizontes portugueses!
Imobilizado o país e a opinião pública há mais de quarenta anos, muitas
nuvens se perfilam nos horizontes e ameaçam temporal.
Os responsáveis pelo Governo do país durante muitos anos se habituaram
a não lhe dar contas, e muito menos a consultá-lo, em momentos dos mais graves
da nossa história. Proclamou-se a união e a unidade, mas grande parte dos
portugueses era sistematicamente posta de lado, quando não presa por manifestar
as suas opiniões até sobre as coisas mais simples. Haja em vista o que
aconteceu aos signatários do «Programa para a Democratização da República»,
em 1961.
Desde há meses acentuou o Sr. Presidente do Conselho que não queria ver
os portugueses divididos. E, noutras palavras e noutras atitudes públicas,
parecia ir-se para novo rumo. Em dada altura, o ministro do Interior classificou
até de «Primavera Política» os nossos tempos.
Documentos desta fase recolho no presente volume. O que trata da Imprensa
foi lido no Congresso Republicano de Aveiro, na sessão de encerramento, em 17
de Maio. Interveio o lápis censório no breve relato que os jornais dele
fizeram; interveio mais o lápis censório em muitos dos artigos que ora
publico. E em todos eles posso dizer que intervém o ambiente. É que a nossa
prosa é modelada já de forma a tentar passagem nas forcas caudinas que
condicionam a nossa vida intelectual.
Até quando se traça um perfil de personagem histórico, como o do Bispo
de Viseu, o de Guerra Junqueiro, de personalidades que são do nosso tempo, como
João de Barros ou António Sérgio, de políticos, felizmente ainda vivos, como
o prof. João Soares; ao tratarmos de acontecimentos, como a Traulitânia e
Monsanto, temos sempre de pensar naquilo que nos deixarão passar e da forma
como o podem deixar dizer... E às vezes não deixam mesmo!
Aí ficam estas páginas, testemunho do momento. Nem todos se calaram.
Publico quase tudo como saiu da minha pena, embora grande parte, ou tenha
sido truncado contra minha vontade, no jornal, ou nem tenha chegado a ser
publicado por simplesmente cortado. Estão neste caso as páginas em que tentei
pôr perante a consciência da Nação os aspectos de que se revestia o exílio
do sr. Bispo do Porto e outras páginas de comentário à abortada Primavera política.
Mas quando surgirá ela, essa Primavera, com prados e flores e variedade
de processos e opiniões, nada monocórdica? Quando virá o dia em que todos nos
consideremos portugueses, qualquer que seja o nosso sentir e pensar?
Raul Rego
Os três ensaios que apresentamos neste volume do DOSSIER LEITURA , publicados em colaboração com a UNESCO, pretendem examinar as repercussões da ciência e da tecnologia sobre as diversas formas da actividade humana, neste particular, sobre o comportamento sexual.
Não será errado dizer que a história do homem depende mais das gonadas do que do seu espírito, porquanto, nenhuma das suas actividades, intelectuais, instintivas ou outras, estão subordinadas a um tão grande número de interdições, tabus, leis e preceitos morais que o seu comportamento sexual.
No estudo inicial «Tecnologia, Ciência e Atitudes Sexuais» a Profª
Bernard apresenta-nos a sociedade americana, que pode muito bem servir como
estudo comparado das sociedades em via de transição.
A Drª Birgitta Linnér estuda a seguir a sociedade sueca, que serve também
como termo de comparação para todas as sociedades mais liberais.
Por fim, o Prof. E. Kostyachkine que representa as de orientação
tradicional, fala-nos da educação sexual na União Soviética.
Temos, assim, um estudo aprofundado, tanto quanto permitem as características
desta colecção, sobre um assunto que é considerado de interesse primordial na
actualidade. Até que ponto terão os seus autores atingido a finalidade destes
estudos é problema que deixamos aos leitores capazes de avaliarem as
dificuldades inerentes. Pela nossa parte, estamos certos que o resultado é
positivo e pode contribuir profundamente para uma nova moral sexual, baseada no
conceito do Dr. Paul Chauchard, de que o órgão sexual principal do ser humano
é o cérebro.
Para Robbe-Grillet (Por um novo romance) os únicos deveres do escritor são para com a literatura; a sua actuação como homem comum, como cidadão de um país, deve estar inteiramente separada da sua actividade artística, e na criação das suas obras ele não devia seguir nenhuma regra fixa, nenhuma linha que significasse um compromisso com qualquer tipo de orientação política ou outra, por mais justa que fosse.
Se o escritor não deve usar voluntariamente de restrições, menos se
admite ainda que deva ele ser sujeito a
directivas exteriores quanto ao seu trabalho criador, especialmente quando as
coacções partem de grupos ou organismos interessados na consecução, através
da literatura, de objectivos que lhe são totalmente estranhos.
A literatura (toda a actividade criadora), quando submetida a normas, é
uma contradição nos seus próprios termos: em vez de criar, destrói, a começar
por si mesma, pela sua função, pela função do escritor. A literatura, como
uma das mais legítimas actividades sociais criadoras do homem, frequentemente
tem sido a mola propulsora do progresso cultural e material dos povos através
da história. E nunca precisou de conselhos ou da orientação de outros que não
seus próprios autores. Pelo contrário: sempre se ressaltou mais justamente
quando teve de se opor a essas tentativas de intromissão no seu terreno. Pela
sua actuação passada e presente, e pelas suas possibilidades futuras, a literatura
tem ou deve ter um crédito de confiança de todos os homens: é desnecessário,
e mesmo criminoso para com a humanidade, tentar cercear-lhe a acção,
dirigi-la, o que só faz rebaixá-la transformando-a num meio de propaganda.
Mais do que qualquer exposição teórica, o exemplo concreto narrado
neste volume (exemplo este que ninguém, em circunstância alguma, deve
desconhecer) constitui uma trágica advertência.
«A
REVOLUÇÃO E A CRÍTICA DA CULTURA»
No volume de ensaios, anterior ao que hoje se apresenta ao leitor português, intitulado «Anatomia del realismo», Alfonso Sastre escreveu que aquele livro pretendia ser «algo parecido com uma provocação (ideológica); ...é tal o silêncio e o charlatanismo... que às vezes é necessário recorrer ao que poderíamos chamar «métodos violentos». Nada define melhor o ensaísmo do autor de La Cornada do que estas palavras. E Domingos Pérez Minik diz algures que «com razão o próprio Alfonso Sastre se chamou a si mesmo o desmancha-prazeres do nosso teatro actual».
Desmancha-prazeres duma realidade social que o obriga a pagar bem caro a sua independência e o facto de Sastre ligar indissoluvelmente a sua acção como escritor à sua posição como cidadão (não saberemos o que fazer no teatro na medida em que não saibamos o que fazer na vida) e ser pois, inteiramente, «uma pessoa moral, social e politicamente exemplar».
Sastre — cuja ironia salutar acerca da sua própria situação tem produzido alguns bons textos de humor negro — vive da pena, é dramaturgo, e há anos que não estreia uma peça em teatros profissionais (em 1966 falava em 16 manuscritos por estrear, embora alguns estivessem permitidos pela censura) o que é uma espécie de recorde. Em Portugal (para fazer uma comparação que serve os meus interesses de partidário de um diálogo ibérico) já vamos a caminho de também possuir autores assim qualificados. Uma outra façanha que Sastre reivindica para si próprio é o de nunca ter sido premiado, isso num país onde os prémios literários se contam por dezenas, alguns de avantajado valor pecuniário (nesse aspecto desisto de me meter em comparações) e de escrever há mais de vinte anos. É com certeza, porém, o dramaturgo mais traduzido no estrangeiro: mesmo em Portugal, estão traduzidas (pelo signatário) seis peças: três representadas, três proibidas: um saudável equilíbrio.
Seria longo — e não seria este o lugar — examinar o que leva um autor dramático, reconhecido como dos maiores, a sofrer um tal isolamento. Não apenas o facto de não ser adepto do regime vigente (quem são os adeptos, com qualidade?) mas sim o de ser algo mais do que um escritor oposicionista como tal: Sastre é um lutador íntegro, de «antes quebrar que torcer». Este seu último livro — o terceiro de ensaios — demonstra a sua fibra de polemista a começar no título; não rodeia os assuntos, não os disfarça sob o açúcar dos eufemismos, chama as coisas pelo seu nome. Autor inconformista, sofre naturalmente as «23 dificuldades para ser um autor teatral inconformista», texto em que, demonstrando o processo que encerra um autor em si mesmo e lhe corta a comunicação com o público, demonstra o absurdo do sistema num estilo que nos transporta às famosas crónicas do século XIX de Mariano José de Larra — autor que vivamente se recomenda a todo o leitor interessado em «iberizar-se».
Num colóquio realizado após a estreia da sua peça Carregamento de Sonhos por um grupo escolar, de província, perguntaram ao autor se não considerava mais importante a dignidade da pátria que o facto de o seu teatro se representar. Sastre respondeu — segundo relata Ricardo Domenech — que uma coisa não estava em contradição com a outra, e que, em todo o caso, a dignidade da pátria não podia deixar de se relacionar com a dignidade da cultura, dignidade essa que só poderia dar-se na base de uma liberdade de expressão.
Este é o homem que, com o livro presente, desencadeou uma polémica furiosa na imprensa espanhola que veio provar mais uma vez a sua posição de autor incómodo. E que, nos últimos anos, a par de traduções com que vai substituindo (Sartre, Sean O´Casey, Peter Weiss) aumentou já, e espera continuar a aumentar, o seu recorde dos dezasseis manuscritos.
Por:
Mao Tse-Tung — Lenine — V. Kelle
Camaradas: vocês foram convidados a vir aqui, hoje, a estes colóquios para se proceder a um intercâmbio de opiniões e estabelecer a relação adequada entre o nosso trabalho no terreno artístico e literário e o nosso trabalho revolucionário em geral; para determinar qual é o caminho que convém ao desenvolvimento da arte e da literatura revolucionárias, e como podem elas proporcionar ajuda às restantes actividades revolucionárias de modo a permitir que possamos derrotar o inimigo da nossa nação e cumprir a obra de libertação nacional.
Na nossa luta pela libertação do povo chinês existem diversas frentes, de entre as quais podemos destacar duas: a frente civil e a dos soldados, ou seja, a frente cultural e a militar. Para derrotar o inimigo devemos depositar a nossa confiança, em primeiro lugar, num exército que disponha de armas: mas isso não basta. Temos também necessidade de dispor de um exército cultural; é absolutamente indispensável para nos unirmos e para derrotar o inimigo. A partir do movimento do 4 de Maio de 1919 esse exército cultural tomou forma, na China, e auxiliou a revolução chinesa no que se refere à redução gradual do domínio e ao enfraquecimento da influência da cultura difundida na China pela classe feudal e pela burguesia mercantil, cultura adaptada à agressão imperialista. Actualmente os reaccionários chineses só podem propor aquilo que eles chamam «quantidade contra qualidade» como meio de se oporem à nova cultura; por outras palavras, os reaccionários que podem custear as despesas esforçam-se por produzir uma enorme quantidade de obras de fancaria, embora se mostrem incapazes de produzir qualidade. Na frente cultural a arte e a literatura constituiram um sector importante e vitorioso desde o movimento do 4 de Maio. (...) Mao Tse-Tung
«A
COMUNA DE PARIS E OS SOCIALISTAS PORTUGUESES»
Por:
Ramalho, Eça, Antero, José Falcão, Nobre França, José Fontana
Os textos de autores portugueses sobre a Comuna de Paris ou com tal acontecimento relacionados, que neste pequeno volume se publicam, carecem de algumas palavras de esclarecimento, já porque são praticamente desconhecidos já porque necessitam ser perspectivados face à história do movimento operário português para o qual a eclosão da revolução parisiense contribuiu de um modo decisivo.
Pode dizer-se que «tudo está por fazer» (apesar do lugar comum que esta afirmação já representa em Portugal) no que toca à investigação sistemática e científica do pensamento político português na segunda metade do século dezanove e, entre este, no que concerne ao pensamento socialista e ao movimento operário. Esta ausência, explicável por múltiplas e diversas razões, e que nem sempre pode ser atribuída às difíceis condições de investigação no nosso país, precisa, no entanto, de ser resolvida antes de mais por uma inventariação completa e exaustiva de todos os aspectos que o pensamento social assumiu, mormente, nos referentes ao movimento operário na trajectória da sua inserção dialéctica na sociedade portuguesa oitocentista. Os textos que se publicam neste volume são apenas uma contribuição modesta e muito parcelar para o inventário necessário de que atrás falamos e, neste sentido, deve ser entendido o presente volume, para além da sua oportunidade, agora (1971) que passa o centenário da Comuna de Paris. (...)
César
Oliveira
Que é a vida? Qual a sua origem? Como surgiram os seres vivos que nos rodeiam? A resposta a estas perguntas constitui um dos maiores problemas das ciências naturais. Qualquer que seja o seu nível de desenvolvimento intelectual, não há ser humano que, consciente ou inconscientemente, não tenha feito essa pergunta esforçando-se por lhe dar resposta. Sem essa resposta, não poderia haver concepção do mundo, por mais primitiva que fosse.
Desde tempos imemoriais que o problema da origem da vida atrai o espírito
humano. Não há sistema filosófico nem existiu pensador que não lhe tenha
dedicado a mais séria atenção. Esse problema recebeu soluções diversas,
conforme as épocas ou o grau de civilização das sociedades, mas sempre foi
motivo de violenta discussão entre dois campos filosóficos opostos: o
materialismo e o idealismo.
De um modo geral, distinguimos dois mundos na natureza circundante: o
mundo dos seres vivos e o da matéria bruta, inorgânica. O mundo vivo é
representado por uma infinidade de espécies animais e vegetais. Contudo,
mal-grado a sua diversidade, os seres vivos, do homem ao mais minúsculo dos
micróbios, têm alguma coisa em comum, que os aparenta, fazendo com que a mais
simples bactéria se distinga dos objectos inanimados. Esse «alguma coisa» é
aquilo a que chamamos vida, na acepção mais elementar da palavra. Mas, o que
é a vida? A sua essência será material, como o resto do mundo, ou é constituída
por um princípio espiritual, inacessível à experiência? (...)