LAURA ALICE R. F. MONTEIRO AREIAS

 

            Nascida em Vale Flores, Gondomar, Porto, Portugal, a 14 de Dezembro de 1923, realizou os cursos primário e humanidades nos Colégios do Sagrado Coração de Jesus e Dom Nuno, na Póvoa de Varzim. Diplomou-se em Pedagogia, no Porto. Lecionou até 1949, data em que se transferiu para Pernambuco, Brasil. Em Recife diplomou-se em Jornalismo e Licenciatura em Letras pela Universidade Católica. No Curso de Jornalismo foi detentora dos prémios "Carlos Rios" (1962) e "Frei Caneca" (1961-1962) conferidos pela Cia. Tecidos Paulistas e Sambra. Homenageada com a Medalha de Bronze Comemorativa dos 125º Aniversário do Gabinete Português de Leitura (1994). Atualmente reside em Recife-Pernambuco-Brasil.

 

 

OBRAS:

 

Cantares da Minha Terra (1962)

Esgotado

Cristina – poesia (1962)

Esgotado

Por Onde Correm os Ventos (1996)

2625 - 13,09

Os Homens Bons (1996)

Esgotado

Quem é Beatriz? (1997)

Esgotado

Eu e o Profeta (1998)

1575 - 7,86€

Filosofias de um Guarda Noturno (1998)

Esgotado

Quem Matou Rudolfo (1999)

Esgotado

Ensimesmando (1999)

Esgotado

Os Dois Cristóvãos (1999)

3675 - 18,33€

O Despertar de Uma Vida (1999)

Esgotado

Emigrar Foi Preciso (2000)

2625 - 13,09€

Nas Passagens desta Vida (2000)

Esgotado

Samuel o Judeu (2000)

3150 - 15,71€

Mais Um Crime (2000)

3150 - 15,71€

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«MAIS UM CRIME»

 

           ... O grande comércio, pratas e antiguidades, trazia dos solares do Minho jóias e relíquias, santos de marfim e terrinas da Índia ainda com as impressões digitais dos criadinhos nascidos para pequenos Budas e que não o foram. O José Régio, quando não estava no cinema a ver  A Filha de Ryan, que era um drama meio sobrenatural, andava pelo Macarrão a jogar com as probabilidades de obter um Cristo galego ou uma Maria Madalena de cabelos desatados, que eram o símbolo da perdição. Mas isso foi depois. Antes disso, muito antes, eu e a Laura íamos ao cinema Garrett a ver Greta Garbo. Ríamos dos amores infelizes com a insensatez gloriosa dos doze anos. Ríamos de felicidade, porque não havia ninguém para nos aborrecer a castigar, e minha mãe estava longe a dar ordens a caseiros e a criadas, tudo numa barafunda de atritos que escondiam desilusões. Muito tenho apresentado desculpas à Garbo, tão bela e temperada de perfumes, que parecia impossível.

                 No lugar que era o do Casino Chinês, copiado dos de Macau e Hong-Kong, construiu-se o Póvoa-Cine. Tinha pretensões às superproduções do De Mille e filmes de guerra. Não era tão bom, nem hilariante, nem nada. Era um cinema que levantou do chão a parada dos críticos e dos sabedores. A Laura e eu aborrecíamo-nos com o Bob Hope. A comicidade quer-se voluntária, como os bombeiros. Não pode ser uma profissão.

                Estou quase a terminar este passeio pela Póvoa de Laura e eu. Ordem e sentimento, acácias que o vento não deixava crescer, peripécias de riso e de lágrimas, pessoas que nos deixam pensamentos luminosos, outras só pensamentos cristãos. A procissão do Enterro, as salvas de foguetes dos arraiais no dia do Socorro. Missas, confissões, naufrágios, extravagâncias, dramas que os jornais não repetem e ficam no ar como expiações, entre o perdão e a lenda. Que coisas se passam em tão verdes anos! Laura e eu, primas-irmãs, que não tínhamos outras, nem teremos. A Póvoa serviu de madrinha a este parentesco. Ordem e sentimento foram o sal e a água-benta do nosso riso comum e do coração comum que temos.

 

AGUSTINA BESSA-LUÍS

(do prefácio: ORDEM E SENTIMENTO)

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«POR ONDE CORREM OS VENTOS»

   

               Cento e cinquenta e oito países assistem à fórmula Indy, no Rio de Janeiro, a 17 de Março de 1996, Jacarepaguá – Autódromo Nelson Piquet.

                A torcida organizada senta nas bancadas. Aplaude seus fãs. O circuito é oval, com apenas duas curvas. O autódromo lotado. Os carros alinhados para a largada. A reta tem 1.100 metros.

                Oito brasileiros participam, Emerson Fitipaldi é um deles, brasileiro que se evidenciou nas corridas automobilísticas e deu oportunidade para hoje o Brasil ver um quadro tão impressionante.

                Roncam os motores. Chega o momento. Todos anseiam. Piquet dá a bandeirada. Francisco, na arquibancada, emociona-se.

                A SBT transmite. Catarina em casa vê e ouve o roncar dos carros.

                Greg Moore é bom. Porém os brasileiros são melhores. Pensamento positivo atravessa Francisco. Sempre sonhou ser corredor. Não o foi pela pouca força de vontade própria. Alega dinheiro, país, família, os culpados da sua não presença. O correr, o lutar pela realização está dentro de cada um. Os carros correm na pista.

                Os olhos franciscanos de quem nunca foi agregado da ordem, pularam. Bandeira verde foi a grande emoção. Agora a corrida em alta velocidade. Os carros deslizam na pista. Emerson Fittipaldi em oitavo lugar. Mike Andretti entra no boxe. Christian Fittipaldi, mesmo com a batida no dia anterior, segue em sexto colocado, na 60ª volta. Ricardo junto de Francisco conversa com o vizinho animadamente. O assunto, corrida e negócios. O vizinho, conhecido pelo Mulato Malandro, homem de cinquenta anos, fala baixo, voz mansa, com ar de quem faz jus ao nome que lhe dão. Vestido com roupa americanizada, charuto no canto da boca dá ares de bem de vida, ou foi ganho próprio, ou pela colaboração de alguma mulher que veja nele o homem macho carioca.

                Ricardo e Francisco moram, um em Olinda; o outro, em Recife. A ida ao Rio de Janeiro, estimulada por Ricardo que tinha negócios com o vizinho da arquibancada. Era pobre, nascido em Olinda, viveu a luta da sobrevivência. Geralmente aqueles que atravessaram a fase da infância em comunhão com a miséria, ou são marginais ou singram no oceano do viver.  ...,...  (de: Capítulo I)

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«EU E O PROFETA»

 

Ser vidente é ser sensitiva,

ver o mundo além do dia-a-dia,

prever acontecimentos futuros

e nada fazer para impedi-los.

Edwiges visionava tragédias,

sofria com elas, mas acreditada

por aqueles que seriam vítimas

de acidentes, assaltos,

crimes premeditados...

 

                A alma do profeta revive em mim e, eu, sem saber que ele existiu, caminho descalça no deserto da ignorância. Não há pés cobertos, o corpo envolto num manto que será o da pureza, protege-me da maledicência dos olhares. Meus cabelos estão soltos, levados pelo vento, batem no meu rosto. O desconhecimento de um além, ou de seres do além, perturba a minha mente. Queria conhecer o espaço, não esse que os homens vão em suas naves espaciais, aquele que tem dimensões diferentes, que alberga os espíritos dos homens que se foram. Desdobro a minha alma em tempos que não convergem com o profeta que me conduz. Gostaria de tê-lo conhecido, mas ele partiu séculos antes do meu nascer. Agora que ele volta e o sinto em mim, não sei quem ele é. Procuro na bíblia a sua existência, nos livros sagrados, em tudo que remota a um passado longínquo, não o encontro. Busco no mais íntimo da minha alma uma conexão com seres que habitaram com o profeta. Procuro seu nome e ele não tem. Beijo a terra que o abrigou e ela não devolve meu beijo. Grito, como esse grito fosse só da terra, mas abalasse os céus. Não há resposta. O choro dos inocentes ressoa em meus ouvidos. A voz embargada das vítimas de guerra não entoa cânticos de revolta. Clemência, ouço uma voz de quem sofre nos abismos da terra. Sombras dimanam de mim que esvoaçam como fumaça em tempos de S. João.

                Parei de divagar e sentei-me num banco do jardim, como se hoje não houvesse ladrões, atacando os incautos, e bebi um copo d´água da fonte, trazida pelo anjo que não vi e senti derramar a água fresca de uma ânfora de estanho. A frieza tornou agradável a bebida e ela trouxe-me a vitalidade que eu procurava na brisa da manhã. (de: Capítulo I "O Profeta") 

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«OS DOIS CRISTÓVÃOS»

 

 

            Conhecer um povo, a sua luta, enobrece os atos praticados.

            Os descobrimentos foram o resultado de uma sequência de buscas, de batalhas, de ocupações de terras, de abrir caminhos em tenebroso oceano.

            Duas dinastias, Borgonha e Avis, voltaram seus olhos para as terras desconhecidas. D. Afonso IV, D. João I, D. Duarte, D. AfonsoV, D. João II, D. Manuel I foram os monarcas que de conquista em conquista, descobrimento em descobrimento, chegaram ao grande descobrimento do país irmão, o Brasil.

 

 

                Ontem e Hoje entrelaçam-se no personagem Cristóvão como se estivesse presente no século quase vinte e um, com sentimentos assemelhados àquele que viveu em 1500. A regressão ou processo similares ao reencarnar trazem a vantagem da autenticidade do passado.

                Dois Cristóvãos, homens de duas épocas, com destinos amorosos em mulheres de povos da mesma origem.

                A história dos descobrimentos, marcados após os 500 anos da vinda de Pedro Álvares Cabral, o recordar da persistência do Infante D. Henrique, a sabedoria silenciosa de D. João II e o reinado glorioso de D. Manuel I fazem-se presentes nos "Dois Cristóvãos" como a dizer ao mundo que Portugal foi nos fins do século XV e início do século XVI, o país que mostrou à Europa, o seu poderio, riqueza, determinação e ousadia de um povo que não temeu os mares, o sulcar dos oceanos, as tempestades, as doenças advindas dos longos tempos de viagem, com o objectivo de acrescentar terras ao seu país, cujo lema era "Espalhar a fé e o Império."

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«EMIGRAR FOI PRECISO»

 

            É bom lembrar os tempos em que os portugueses saíram de seus lares em busca de melhores condições de vida e reconhecer o quanto foram heróis, aventurando-se a terras desconhecidas com espírito de triunfo.

            A ousadia de sair das famílias para quem o Brasil era o lugar de fortuna, da prosperidade, fez com que muitos aldeãos deixassem tudo e sulcassem os mares certos de que vencer era coisa simples e fácil. Porém, a ilusão é mais presente naqueles que a ânsia brota no peito para caminhar sem saber o que os espera no outro lado do oceano.

 

 

               "Emigrar foi preciso", título inspirado no verso do poeta Fernando Pessoa, quando diz "navegar é preciso" apenas troquei o verbo navegar por emigrar e passei o tempo do ser presente para passado.

                Hoje, o Brasil não possui imigração portuguesa; no século XIX foi um país de imigrantes e uma grande avalanche foi oriunda de Portugal.

                Em verdade, um país pequeno em território, com uma população demasiada em relação ao espaço físico, Portugal, principalmente o Norte, teve necessidade de exportar gente, para minorar as condições de vida.

                A cidade do Porto, segunda em importância, conhecida pelos falados vinhos finos, atuou como uma espécie de oficina, criadora de emigrantes. O embarque, quase uma aventura, foi feito de início de uma forma incipiente, em barcas, barcos, brigues e escunas. Moroso, o percurso marítimo, não tanto como Pedro Álvares Cabral, mas levando longo tempo.

                O comércio emigratório era rentável, havia pessoas aliciadoras de jovens, menores de catorze anos, preparando-os moral e fisicamente para a partida. A terra era promissora, pródiga na natureza e aberta àqueles que quisessem trabalhar. A recompensa seria a fortuna e o acúmulo de bens.

                Para viver o novo mundo, os enviadores dos rapazes, vindos geralmente das aldeias, adquiriam-lhes um novo vestuário mais adequado ao novo lugar. Os pés descalços recebiam umas chinelas de carnaz. A calça de saloio trocava-se por uma de cotim. Aos ombros, uma jaqueta e na cabeça um chapéu burguês.

                A bagagem, uma caixa de pinho, adquirida na feira das caixas, expostas em abundância e de todos os tamanhos de acordo com as provisões pessoais.

                O Minho e o Douro eram os principais provedores dos meninos emigrantes.

                A frota das reduzidas embarcações ancorava no surgidouro estreito do Douro, cavado entre ribanceiras empinadas. Nos fins do século XIX, apareceu o vapor, substituto das formas precárias de condução.

                A emigração foi uma das realidades portuguesas, após os descobrimentos. Houve necessidade de mandar homens para fora do país, a princípio em busca de novas terras, depois ocupando-as, assegurando desse modo  a posse dos territórios e usufruindo das riquezas encontradas. Tal fato fez o país escasso de homens e farto em mulheres. O Brasil, a partir das capitanias, vice-reino, e reino mesmo, foi a terra descoberta que mais portugueses recebeu.  ...,... (de: Prefácio) 

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«SAMUEL O JUDEU»

 

            Por que sofrer?

            Pergunta que me faço ao ver um povo que marcou a II Guerra Mundial com a mais terrível tragédia de genocídio.

            Po que os Judeus?

            A mesma dúvida existe no responder. Pelos avanços técnicos, pelo acúmulo de riquezas, pelo espírito de luta?

            A resposta tem o dom da pergunta...

 

 

                A época é de insegurança pela volta ás velhas ideologias, apresentadas como novas e únicas viáveis ao progresso dos países. Por tal razão, recordar as atrocidades vividas é sentir presente um passado e ter coragem de renegá-lo para não admitir-lhe repetição. O tempo suaviza mágoas. As gerações de hoje esquecem as gerações passadas, ouvindo-as somente como sombra de saudosismo dos judeus que foram vítimas do extermínio nos campos de concentração, embora sem causas, nem crimes. Rever algumas passagens é chamar ao hoje, o inconsciente, num simulacro da dor pelos que partiram e pelos que ficaram marcados pela crueldade dos trabalhos ignominiosos. Aos que sofreram as vilezas da Segunda Guerra Mundial, somente porque eram judeus, deve-se lembrá-los como mártires gloriosos, cujo sofrer foi a pedra básica para que nascesse uma real nação e um país cujo nome é Israel.

 

 

                Ao decidir escrever um livro, longo ou não, prendo-me ao primeiro gesto: pegar uma pena e um caderno meio usado, jamais novo, isso seria um compromisso de grande responsabilidade. O tema vem a partir da primeira página escrita, momento impulsionador. Não há pré-preparo mental, há a manifestação do subconsciente, aflorada em determinada época ou circunstância. A II Guerra Mundial foi importante na minha formação de jovem, habitante da Póvoa do Varzim, praia onde os judeus apareciam, fugidos ao pavor da perseguição alemã. O contacto com uma judia, senhora idosa,  mãe de uma filha, vítima do extermínio, fez-me enxugar-lhe as lágrimas e ouvi-la pacificamente, para que ela recordasse os tempos felizes de um convívio sadio: mãe e filha.

                Creio ter sido a Póvoa, sempre presente em mim, e essa época, vivida de 1939 a 1945, que me fez escrever SAMUEL — O JUDEU, um misto de realidade e ficção.  (de: Apresentação)  

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