Literatura Geral

Crónica de Uma Ideia Fixa - José António Ferreira

2520 - 12,57 €

Meia-noite no Conclave - Orlando Romano

1050 - 5,24 €

Outro Mundo-Contos - João de Araújo Correia

1050 - 5,24 €

Staccato - Filomena Cabral

1050 - 5,24 €

Gisela - Bento Acácio Pinheiro

1050 - 5,24 €

Milonga - Domingos Van-Dúnem

1050 - 5,24 €

Poder Autárquico e Poder Regional - Prof Dr Ant. Teixeira Fernandes

3402 - 16,97 €

Há Sombras no Circo - Serio Barbosa

2856 - 14,25 €

Memória Recuperada - Carlos Lucas de Freitas

2856 - 14,25 €

Regresso à página inicial

«CRÓNICA DE UMA IDEIA FIXA»

Por: José António Ferreira

        

José António Ferreira, é natural do Porto. É licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra. Exerceu a advocacia até finais de 1986 data em que passou a integrar a administração de algumas sociedades.

 

         PRÉMIO EÇA DE QUEIROZ/91: Sobre o primeiro prémio na categoria de romance, «Crónica de Uma Ideia Fixa», escreve Luís Carmelo: «Abre com a chave simbólica do voo, elemento que convoca o "gravitas", o desequilíbrio, a natureza primeira da vertigem.

         É esta a noção de risco, a consumar-se no penúltimo capítulo com o suicídio de Inês e com o rapto fatal de J. Pedro, que induz ao repto revolucionário e à punição da memória, cenários interiores do protagonista, Afonso, narrador e actor desta trama testamentária. Os doze capítulos intermédios, a medearem os elementos anímicos da tensão romanesca, são, numa estrutura sintáctica de subordinação, a história de Afonso (...)

         "Mise-en-abîme" narrativa, mais uma vez tão cara à vertigem, reelabora, em tom de intriga memorial, os contornos do triângulo amoroso onde a teia ficcional se investe – tão efémero quanto redentor, afinal, ou não se consuma a narrativa na área elegíaca da terra, primeiro e último estádio de uma outra, ou da mesma viagem ("Viera da pedra e à pedra haveria de voltar").

         Estamos perante a interrogação da memória e dos seus sentidos, mas também irreverentemente perante a vida, curso e corso vertiginosos. Não que a festa dela se alheie e não seja, de longe em longe, partilhada: belas passagens de cariz epistolar ou monologadas e ainda a música de Telemann, no augúrio de um pôr de sol em Leça, aí estão a sinalizar a fixa ideia desta crónica», continua no seu texto aquele membro do júri.

         (...) «Mas, sobretudo, "Crónica de uma Ideia Fixa" é um romance de grande fôlego, abarcando uma multiplicidade discursiva assinalável, entrelaçando produtivamente lances oníricos e o cofre-forte da realidade, onde o mistério de Afonso, finalmente, se resguarda.

         Talvez o diário de Inês, nome epónimo do mito do eterno amor, consiga decantar o enigma ou o voo desta viagem»".  (in: "Olivais Jornal", Março de 1991)

 Para voltar ao preçário

 

«MEIA NOITE NO CONCLAVE»

Romance histórico

Por: Orlando Romano

 

         Orlando Janeiro Romano nasceu em 1933 em Almofada, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo. É licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas pela Universidade de Lisboa e Doutor em História da Filosofia e da Cultura pela Universidade do Porto, de que é Professor. Foi Assistente da Faculdade de Letras de Lisboa (1961-1963) e da Universidade de Luanda (1963-1974), Bolseiro do Instituto de Alta Cultura em Itália (1965-1968) e em França (1969-1971), Director da Produção da Emissora Católica de Angola (1971-1972), Vice-Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Letras do Porto (1977-1978) e Presidente do Conselho Directivo da mesma Faculdade (1978-1979). Actualmente é Director do Jornal «O Comércio do Porto».

         O Doutor Orlando Romano é autor de vários trabalhos da sua especialidade e membro de sociedades científicas internacionais.

         Exceptuando alguns textos literários, pequenos e dispersos, esta obra é a primeira de índole literária, subsidiária, no entanto, da investigação científica feita ao longo de três anos no Arquivo Secreto do Vaticano e outras Bibliotecas de Roma e de Paris, onde foi escrita em Janeiro de 1970.

 

         Nas vésperas do Natal do ano de 1588, em Lisboa, saía de uma das poucas oficinas tipográficas da cidade um livro que semearia a perturbação nos meios intelectuais

         Escreveu-o um professor, recentemente dispensado de ensinar na Universidade de Évora, de cuja principal cadeira era titular há vinte anos. Sua aula era a primeira em cada dia; e daí o chamarem à cadeira de prima e ao mestre de primário.

         Alquebrado, e desgastado pelo trabalho de pensar, interrogando-se sem descanso sobre o que poderia ser solução satisfatória para a grande contradição que vira rasgar o seu tempo, Luís de Molina fora dando a seus alunos uma doutrina que fabricara para resolver o problema do século — o da justificação. (de: Introdução)

 Para voltar ao preçário

 

«OUTRO MUNDO»

Contos

Por: João de Araújo Correia

 

         João de Araújo Correia nasceu em 1899 em Canelas do Douro (Régua). É formado em Medicina pela Universidade do Porto e autor de numerosos estudos, crónicas e conferências, além de uma vasta colectânea de contos em que a sua vocação de escritor, sensibilizada pela experiência amarga de médico em meios atormentados, lhe permitiu transferir para esse género literário a visão coerente de toda uma vivência dramática e conflituosa com «uma fauna comovente e risível, enternecida e pícara» das gentes durienses.

         Num estilo de linguagem plástica e vigorosa, marcada por um vernaculismo que poucos escritores portugueses contemporâneos são capazes de utilizar, João de Araújo Correia «galga as minguadas fronteiras da região» tornando-se, indiscutivelmente, um nome maior na nossa literatura.

         Destacam-se, dos seus livros de contos: Contos Bárbaros (1939), Contos Durienses (1941), Terra Ingrata (1946), Cinza do Lar (1951), Folhas de Xisto (1959), Montes Pintados (1964), Horas Mortas (1968), Rio Morto (1973), Tempo Revolvido (1974). Da regularidade, cujo ritmo não se reduz ao longo da sua carreira de médico e escritor, a obra de João de Araújo Correia tem resistido ao tempo e cresce sempre em qualidade, até atingir o ápice que é, sem dúvida, este OUTRO MUNDO.  Não o mundo depois da morte. Mas este mundo onde o autor sempre viveu, com os pés bem fincados na terra, a sua amada terra duriense.  (Por: J. Carvalho Branco)

 

         O velho, que tinha feito a casa, à força de trabalho e de economia, viu abalar, sorrateiramente, para a guerra civil, os três filhos mais novos: o José, o António e o Francisco. Os mais velhos, coitados, não lhe deram essa consumição. Já casados, cada um em sua freguesia, imitavam o pai como lavradores. Mal sabiam ler e escrever, mas, em redor das cepas, iam vivendo em paz. Diziam entre si: a nossa política é a terra, que, mal ou bem, sempre nos dá de comer. Que sabemos nós de política? Tanto como as nossas videiras. A política é boa para os doutores de cabresto ou da mula ruça. É boa para os nossos irmãos, já que o nosso pai cismou em os fazer doutores. Mas, fê-la fresca! O José, o António e o Francisco, sempre engalfinhados à hora da comida, nem respeitavam o pai nem a mesa de Cristo. Quebravam os pratos e entornavam o vinho. Chegavam a desafiar-se para o quinteiro, com os punhos fechados ou de faca em punho. Que tristeza! Cada um com sua ideia, como carraça que lhes ferrou no miolo, mal pensavam em acabar os estudos. Só pensavam em enguedelhar. Pobres moços! Doidos de todo, lá foram para a guerra, tomando cada um o seu caminho. Vão-se matar uns aos outros. Mas, lá se avenham. De quem nós temos pena é do pai e da mãe, que vão chorar por eles até o fim da vida. (...)  (do conto: Debaixo do Céu)

 Para voltar ao preçário

 

«STACCATO»

Por: Maria Filomena Cabral

 

         Mais uma vez me tacteio e tacteio o mundo quando ganho coragem para enfrentar um novo dia embora permaneça de olhos ensonadamente serrados. Este frémito de angústia tão meu conhecido á também a ânsia do esfomeado, o medo terrível que o mundo acabe para mim, não de uma maneira definitiva com flores verdadeiras  de amigos falsos mas de que me escape algo que me tenha estado destinado desde o princípio de mim própria.

         E tacteio-me: que terei hoje, que farei, que darei? Tacteando o mundo só não lhe pergunto o que me terá reservado para que não perceba o meu medo.

         Tacteio, portanto,    (...)

 Para voltar ao preçário

 

 

«GISELA»

Romance

Por: Bento Acácio Pinheiro

 

         Subi e desço agora os últimos degraus do meu tempo, carregado com duas carências congénitas e uma adveniente: de saúde, de dinheiro e de cultura literária.

         A falta de saúde é uma brasonada herança familiar; a falta de dinheiro é a sina avoenga de uma família sem brasão; e a falta de cultura é uma resultante da carência de numerário para comprar livros e da carência de tempo para os ler.

         Se alguém, por amabilidade, me chamar escritor, terei de lhe confessar que sou um escritor em bruto, tão primitivo e rude como as fragas graníticas que servem de fundo à casa em que habito.

         O meu pensamento, martelado e nu, sem paradigmas, foi caldeado na forja da natureza estreme em que nasceu e cresceu o primeiro homem e moldou-se na tosca safra da vida rústica.

         Calcorreei por dois continentes, mas ficou-me o jeito atávico de dizer as coisas à maneira de quem, por força das circunstâncias, foi ensinado a poupar tudo, desde a fatiota coçada à palavra arremessada.

         Na minha aldeola só há três coisas que nunca se pouparam: as asneiras, os piolhos e as mulheres, estas nem sequer na cama. Mas, em contrapartida, ainda se poupa o surro e a ignorância. Nenhuma das patrióticas revoluções que, até hoje, glorificam a história deste país limpou o corpo e o espírito dos aldeãos. Continuam a misturar os francos e os marcos com a bosta dos currais e as crendices avitas.

         Foi desta mescla que desembrulhei as minhas ideias. Não as comprei nem me foram emprestadas. São espontâneas, como o tojo e a urze, com raízes na terra anémica em que fechei os olhos ao primeiro raio de luz e em que os fecharei ao último, se voltar ao seio da natureza como um justo, com menos pressa do que aquela com que nasci.

         Na estreiteza do meu mundo físico, limitado, de um lado, pelas exíguas courelas sulcadas pela charrua e, do outro lado, pelos cumes rochosos das amplas montanhas, só encontrei no homem um valor eterno — o amor. O amor pela natureza e o amor pela humanidade, em todas as suas formas.

         Mesmo aquele que odeia, ama alguém ou alguma coisa. Hitler amou, pelo menos, Eva Braun e o pastor que nunca teve mulher nem a deseja ama as suas ovelhas.

         Escrever um livro sem amor, seria como falar de uma ave sem asas, de um astrólogo sem olhos, de um mar sem água, de um céu sem estrelas ou de um ser humano sem sexo.

         O amor pela natureza e pela humanidade é sagrado. O amor entre o homem e a mulher é profano. Como todas as coisas sagradas, o primeiro tem a sua sede na alma ou no coração, para aqueles que nasceram sem alma. O segundo, como tudo quanto é profano, não tem morada certa. Habita em todas as partes do corpo em que o prazer, seu mensageiro, o anuncia.

         Por assim o pensar, é que todas as personagens dos meus livros, quando entidades profanas, têm uma vivência voltada para o amor, cujo uso, bom ou mau, eu respeito inteiramente. Deixo aos outros o dizerem mal delas. Enquanto se amam, eu não digo mal nem bem. Eles falam por si. Quando me intrometo no seu diálogo, é só para explicar o que elas me confidenciaram, sem pedido ou promessa de sigilo. A explicação é necessária porque nem todas as formas de vida são inteligíveis para quem não as experimentou. Eu aprendi muito com as minhas personagens, algumas das quais bastante mais novas do que eu. Ensinaram-me, entre outras coisas, que o amor é o eixo da vida humana. Um homem disse-me que a vida sem a mulher seria um deserto sem oásis. E uma mulher confidenciou-me que a Terra sem o homem seria a nave das loucas furiosas. Eu atrevo-me a dizer que todo o homem que não desejou uma mulher necessita de fazer um exame de consciência; e toda a mulher que nunca se sentiu atraída para um homem deve submeter-se a um exame ginecológico.

         O amor é a primeira linguagem inconsciente do homem e da mulher que começam a ter consciência. É o cordão umbilical que prende as suas vidas. É o catalisador da reacção geradora da vida humana. Por isso o homem coloca acima do amor divino o amor humano. O céu para além da vida. Da vida curta e da longa vida; da vida gozada e da vida sofrida. Da vida que cada um carrega no bom e no mau tempo do seu tempo.

         O meu corpo ainda não vergou ao peso da dura recovagem que me foi imposta. Quando não suportar mais, ficar-me-á o espírito, rijo e indomável como uma força saída do âmago da natureza, para a qual estou voltado num cismar contemplativo, de que brotou a minha concepção da vida. Filosofia rudimentar, sem parâmetros, que me leva a chamar as coisas pelo seu nome, tal como o aprendo pela percepção dos sentidos quando comecei a desatar a língua. Uma língua que não se cala facilmente e que nunca teve medo de dizer a verdade. A língua de um camponês.

         Ao contemplar a pujança primaveril e a fertilidade outonal, sinto-me compensado dos meus longos e algo penosos passos pelo mundo. Mundo branco e mundo negro, mundo frio e mundo quente, mundo este que me deixou um vivificante e inesgotável calor humano.

         Apenas odeio a mentira, a injustiça e o convívio dos cemitérios, onde as famílias não consentem o repouso às almas dos seus parentes, amarrando-as a lápides e a mausoléus que paradoxalmente as chamam para o Céu e para a Terra.

         Eu desejaria regressar ao nada sob a sombra de um carvalho, onde os pássaros me cantassem os seus hinos, que desse ao meu corpo morto a frescura que, nas horas de cansaço, ali procurei para o meu corpo vivo. E, numa pedra de granito, só um nome e duas datas, para não desenterrarem os ossos e ficar assinalado o tempo de alguém que percorreu as suas veredas em busca do que não chegou a encontrar — a fraternidade universal.  (de: Confissão ao leitor) (pelo: Autor)

 Para voltar ao preçário

 

«MILONGA»

Por: Domingos Van-Dúnem

 

         ALGUNS DADOS BIOGRÁFICOS:  DOMINGOS VAN-DÚNEM, nasceu na Sanzala de Mbumba, em Kaxitu, em 1925. No ano de 1945, aos vinte anos, deixou a banca de operário gráfico, escolhido por velhos escritores e políticos (André Mingas, Assis Júnior, Fernando Torres, José Vieira Dias Van-Dúnem, Sebastião de Sousa, Gervásio Viana e outros), fundadores e sócios da antiga Liga Nacional Africana, para ocupar o cargo de secretário de redacção do FAROLIM, o jornal que publicou o primeiro texto político de Agostinho Neto. Colaborou em quase todos os jornais da capital de Angola (Luanda). Foi dirigente da L.N.A., do Clube de Teatro de Angola e co-fundador do conjunto «Ngola Ritmos» e do Grupo de Teatro «Gexto». Esteve preso em 1961, tendo sido desterrado para a Baía dos Tigres, Moçâmedes. Entre os cargos oficiais que ocupou, foi Director-Geral de Espectáculos e Cultura Popular e da Biblioteca Nacional de Angola. Presentemente, é Embaixador, representando o seu País junto da Unesco. O seu Auto de Natal (Luanda,72), recebeu o «Prémio Óscar Ribas». Domingos Van-Dúnem é membro fundador da União dos Escritores Angolanos.

 

         O interesse que a Brasília Editora tem vindo a devotar às literaturas africanas de língua portuguesa fica, uma vez mais, demonstrado com a publicação de MILONGA, de Domingos Van-Dúnem, volume inaugural de uma colecção que recolherá outros títulos de autores da África lusófona, recém-chegados às letras ou nelas já consagrados. Deste modo, a Editora cumpre uma função, que é a sua, de contribuir para estreitar os laços culturais e de amizade entre povos que falam a mesma língua, ainda que o façam diferentemente.

         Domingos Van-Dúnem, actual embaixador da República Popular de Angola junto da UNESCO, não se estreia na Literatura Angolana com este volume de estórias. De facto, o seu nome foi revelado, em livro,  pelo Auto de Natal, que fez dele um dos pioneiros da dramaturgia literária angolana. Obra singular, mas curiosa, essa peça procura, através dum motivo de grande peso litúrgico na civilização ocidental, fazer a síntese da tradição animista africana com a tradição cristã dessa festa profundamente enraizada na cultura portuguesa e, por extensão, na cultura dos povos com quem fizemos um longo percurso histórico.

         A escrita de MILONGA mantém, sem dúvida, a simplicidade de processos, que os primeiros escritos de Domingos Van-Dúnem revelam, mas já não tem a ingenuidade, etimologicamente falando, dos exercícios literários iniciais. As estórias, que constituem o presente livro, assumem o literário na sua dimensão social, inserindo-se perfeitamente na corrente nacionalista literária angolana que começa a ganhar, na ficção, contornos definidos, na década de 40.

         O discurso de MILONGA, no que diz respeito ao seu aspecto verbal, recorre ao hibridismo lexical e morfossintáctico, cujos fundamentos mergulham longe na história colonial de Angola e que a chamada «Geração da Cultura» tão bem soube cultivar. A fala de Domingos Van-Dúnem, em MILONGA, brota espontânea, sem preocupações de retórica ornamental, apenas com a vontade de, naturalmente, aproximar a literatura do povo, fazendo-o rever-se e louvar-se no realismo social das estórias.

         MILONGA vai, estamos certos, aumentar o público que Domingos Van-Dúnem tinha conquistado, enriquecendo-se e enriquecendo a Literatura Angolana que começou já a trilhar os caminhos estéticos pós-independentistas que a tornarão mais real e mais realista.  (de: Abertura por: Salvato Trigo)

Para voltar ao preçário

 

 

«PODER AUTÁRQUICO E PODER REGIONAL»

Por: António Teixeira Fernandes

(A Teixeira Fernandes, doutorado em Sociologia, é professor catedrático da Universidade do Porto e director do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras. Foi delegado nacional em Bruxelas, de 1994 a 1997, no Comité para a investigação sócio-económica orientada. Tem leccionado em outras Universidades. Dirige a publicação de sociologia—Revista da Faculdade de Letras do Porto.

 

 

                                                                                  Eu não nasci para ser forçado.

                                                                                  Hei-de respirar sempre

                                                                                  à minha maneira.

                                                                                               Henry David Thoreau

 

 

         À Europa dos Estados-nação vai sucedendo progressivamente a Europa das regiões e sobretudo das cidades. Núcleo de criação civilizacional do Ocidente, o espaço urbano surge hoje como campo privilegiado de vivência democrática. Numa época de hiper-densidade das aglomerações humanas, de circuitos e de comunicações mundiais, num tempo de urbanização difusa, transforma-se em categoria central para se pensar o desenvolvimento e para se estabelecerem relações entre os povos.

         Parece assistir-se actualmente a um processo paradoxal de reversibilidade do curso do tempo. A situação normal existente antes da constituição dos fortes e concentrados Estados europeus activa o imaginário colectivo. As democracias buscam novos caminhos em sentido oposto à modernidade. Um movimento geral de retroactividade histórica atinge as mentalidades, os procedimentos mentais e as modalidades de concepção do relacionamento social. Valorizam-se as formas de viver de outrora, reabilitam-se os espaços de proximidade, exaltam-se os sentimentos de identidade e de autenticidade, diluem-se as racionalidades fortes e busca-se uma vida aprazível sem intensidade excessiva. No seu avanço para o futuro, as sociedades procuram e reencontram o passado.

         A entrada na era da globalização, com o aparecimento de economias transnacionais e a formação de instâncias políticas supra-nacionais, faz com que o Estado-nação perca grande parte da sua anterior adequação, ficando demasiado pequeno para os problemas com que passa a confrontar-se. A abertura a outros mundos, diluindo as identidades sociais, traz para primeiro plano, em contrapartida, a importância dos particularismos locais, tornando o Estado demasiado grande para as questões das regiões ou das cidades. As democracias representativas conhecem, além disso, algum descrédito por toda a Europa, ao mesmo tempo que as máquinas burocráticas tendem a limitar as liberdades individuais. A gestão do social transforma-se no grande problema do momento actual.

         Com o enfraquecimento da nação, a forma segundo a qual se tem configurado a democracia, o político deixa de constituir o ligame nacional e de instituir o social.

         Não quer dizer que o Estado esteja em vias de desaparecimento. O seu sucesso parece encontrar-se na sua dissolução. Com a sua anemia, dissemina-se em todos os micro-estados locais. Cada fragmento conserva a sua imagem. Em miniatura, algumas micro-ditaduras são reprodutoras de igual servidão. Os vícios do Estado concentrado difundem-se na sociedade.

         Por razões fiscais ou por outros motivos de alcance mais vasto de ordem social e política, o Estado-providência entra, por sua vez, em situação de relativo colapso. Buscam-se, em alternativa, novas formas de segurança e de protecção e outras modalidades de solidariedade social. As sociedades europeias recompõem os ligames sociais sujeitos a forte desgaste pelo individualismo e pela estrutura social dominante.

         Por acção do cruzamento destas orientações, o ideal das democracias directas volta a povoar as representações sociais. A participação, no âmbito das comunidades locais, é recorrentemente reivindicada pelas populações como dimensão essencial da democracia. Recusa-se um destino pré-determinado por outros e deseja-se tomar nas próprias mãos a vida que, sendo comum, a todos compete construir.

         O movimento associativo que anima actualmente as democracias veicula em si a descoberta de novos sistemas de relações. O homem isolado e solitário, numa sociedade aparentemente massificada, vai encontrando solidariedades renovadas. A comunidade local, com as suas singularidades próprias, contrapostas à homogeneização globalizante, provoca a dinamização das democracias, activando a vontade de participação. A recusa da passividade em dependência origina movimentos de criatividade, com apoio em identidades expressivas ou instrumentais.

         As democracias hodiernas vivem sob o signo da participação e da criatividade. Sem participação, esvaziam-se do seu conteúdo próprio e, sem criatividade, a participação torna-se passiva e dependente. Porque a participação é ambivalente, postula-se a criatividade como forma de recusa da dependência. A emergência das identidades traz a marca deste processo geral que atinge por dentro as sociedades.

          O exercício do poder local vai exigindo, nesta perspectiva, a entrada em cena de novos actores políticos que percebam os dinamismos que atravessam as actuais democracias. Parece ser necessário proceder à reorganização da vida social, tendo em conta as mudanças entretanto introduzidas. Mas mais urgente poderá ser ainda a adopção de procedimentos políticos que, em vez de dirigirem autoritariamente a actividade colectiva, a suscitem e apoiem. Para que a massificação não se estenda e domine a sociedade e a irracionalidade não a penetre nas suas mais diversas manifestações, o poder necessita de ser modesto e a criatividade participante tem que atingir a sua maior expressão. Tais são algumas das tendências do desenvolvimento civilizacional neste final de milénio. Porto, Setembro de 1997 —  António Teixeira Fernandes

Para voltar ao preçário

«HÁ SOMBRAS NO CIRCO»

Por Sério Barbosa

 

"SÉRIO BARBOSA" possui um tipo de humor saborosamente original, desapiedado de onde a onde, cáustico e crítico, roçando por vezes o absurdo e demonstrando um certo desencanto em relação à humanidade, mas surpreendentemente, a par dessa faceta, vemo-lo senhor duma sensibilidade riquíssima, de uma capacidade de sonhar e de sofrer que o tornam verdadeiramente irmão do Homem.

 

A vestir as suas graças, os seus desabafos, as suas críticas, uma agilidade e capacidade expressivas que chegam a atingir uma grande beleza e profundidade, como por exemplo, no texto impressionante a que deu o nome de "A Esperança".

(...) Vivacidade descritiva, inigualável caricatura da estupidez. As repetições, além de musicais, marcam por contraste o andamento vivo das suas composições." (Virgínia Motta)

 

SÉRIO BARBOSA (F. Sériot Barbosa) nasceu no Porto e foi professor do ensino secundário, tendo obtido a mais alta classificação concedida no país a professores do seu grupo e grau de ensino.

Na década de cinquenta, o cinema italiano de feição neo-realista, de Rosselini a De Sica, despertam-lhe um tão vivo interesse pela cultura italiana que frequenta os cursos de Cultura e de Língua no Instituto Italiano de Cultura sob orientação do prof. Francesco Pederzolli.

Foi colaborador convidado do diário portuense "0 Comércio do Porto", nas páginas do qual semanalmente publicou escritos variados, desde o conto e a poesia à análise política.,

Em 1983 publicou o livro "A Rua a Descer", que viria a merecer elogiosas referências por parte do Movimento de Novos Escritores e de diferentes personalidades das letras e das artes, e, em 1991, sob o pseudónimo de Sério Barb publica "Pulecenella".

 

Em 1992 obtém o PRÉMIO EÇA DE QUEIRÓS com o seu conto "0 Fato Novo".

Em 1994, é galardoado nos "Jogos Florais do Carvalhido" subordinados ao tema "Família, torna-te aquilo que és", com o conto "A Oração".

 

O parto sem dor

Escrever um conto, ou um romance, é uma coisa fácil.

Naturalmente, é preciso uma ideia. Mas ideias não faltam, andam por aí aos pontapés. Ninguém lhes liga.

Escolhe-se uma ideia original, uma ideia que nunca alguém houvesse tido até então. Uma ideia grande, melhor ainda se for uma ideia genial. Lança-se, a ideia, ao papel, respeitando o mais possível as regras da gramática e da ortografia. Emprega-se um estilo elegante, fluente e vigoroso ao mesmo tempo. E já está. O conto.

É, como vêem, fácil. Muito fácil.

Depois só falta quem o leia. Mas isso não é indispensável. Uma vez feito, está feito. E é disso que se trata: de dar à luz o conto. Com vinte, já se faz um livro.

Do produto da sua venda no mercado, uma metade irá para o distribuidor, outra metade, para o livreiro e, o que sobra, isto é... a terceira metade, vai para o editor.

Este um dia chama o autor e diz-lhe amavelmente: "aqui tem a metade que lhe toca, que é rigorosamente metade da minha metade".

 

Com este jogo das metades fica-se um tanto confuso e começa-se a pensar que há metades a mais, umas maiores e outras menores, à semelhança do que acontece com a música, no que toca à tonalidade, creio eu. Por outras palavras, ficamos pensando que certas metades são diferentes das outras, isto é, menos de metade de uma metade das grandes e mais de metade de uma metade das pequenas.

Será talvez confuso mas é certamente compensador.

Obviamente.

 

Seduzia-me o conto.

Agarrei algumas ideias. Ideias não faltam, andam por aí aos pontapés. Ninguém lhes liga.

Fui, por isso, lançando ao papel aquelas que me iam ocorrendo, respeitando o mais possível as regras da gramática e da ortografia. Empreguei um estilo elegante, ao mesmo tempo fluente e vigoroso.

Como se vê.

 

Pois é. Escrevi este livro.

Para pórtico, no fito de lhe ampliar a credibilidade, concebi o projecto banal de um prefácio subscrito por nome conhecido nos meios críticos, um filósofo, um sociólogo, ou melhor talvez um político, qualquer deles muito capaz de encontrar grande profundidade filosófica ou qualquer brilhante mensagem social nos meus escritos; ao menos, um humorista ou produtor da TV, que é tudo gente ilustre (para não dizer ilustrada).

 

Ou um jogador de futebol...

 

Das personalidades convidadas, porém, uma só me respondeu, para me dizer, em carta apressadamente alinhavada à mão, em letra clínica tão hieroglífica que mais parecia receita para aviar na botica, que "não via qualquer razão sensata para se escrever um livro nos dias de hoje". E dizia mais que "o que está a dar são as telenovelas e os concursos da TV, com muitas gargalhadas e muitas palmas, a imprensa desportiva e as histórias de acção em quadradinhos".

 

Na míngua de nome ilustre que me apadrinhasse o livro com um prefácio luzido, resolvi eu próprio fazê-lo dirigindo-me aos meus futuros leitores, admitindo que vou ter algum.

Primeiro pensei encher quatro páginas com estas únicas palavras: patati patatá, patati patafá, patati patatá. Era cómodo e certamente poucos dariam por isso, pois nenhum dos meus leitores, se é que vou ter algum, o iria ler do princípio até ao fim, porque ninguém lê prefácios do princípio até ao fim.

Seria por isso um prefácio inócuo e inofensivo. Mas não me pareceu decente. Cheguei a pensar colocá-lo no fim do livro. Deste modo, porém, o meu leitor   — continuo a admitir que vou ter algum, teria forte razão para não ficar satisfeito comigo por se ver obrigado a ler todo o livro primeiro, coisa que certamente ele não pensaria fazer.

E ninguém gosta de ser obrigado.

Não, também não era bonito. Por isso, como é de uso, vai no princípio.  ...,...  (de: Prefácio: Parto sem Dor)

Para voltar ao preçário

 

«MEMÓRIA RECUPERADA»

Por Carlos Lucas de Freitas

 

" Pedaços de mim " é como o A. considera os seus versos, afirmando de modo lúcido a identidade profunda que há entre ele e a sua poesia ao convergirem ambos para uma trajectória comum, na cumplicidade duma escrita apaixonada e fluente.

Sem ser deliberadamente confessional, esta poesia em cada verso deixa adivinhar o A. e a sua maneira de ver o mundo e as coisas e de entender a sociedade e os homens. A cada passo irrompe dela um indignado protesto ou uma crítica mordaz, ou é esboçado um quadro humano que a memória, numa visão realista, ressuscita.

Poesia do quotidiano com " sede de infinito " ela é, contudo, intemporal; a partir da vida vivida do concreto ergue-se, não raro, à meditação metafisica sobre a realidade, entrevista através duma evocação emotiva e sensual. Há nela, por vezes, um frenesim incontido e uma confessada frustração, resultantes " deste inferno de querer sentir o mundo", sem conseguir senti-lo plenamente. A par de versos meramente objectivos surgem estrofes metafóricas donde o lirismo irrompe, por vezes, impetuoso e barroco, numa variedade de ritmos calorosa e rica.

Desprevenidamente, o A. escreve os seus versos como quem respira e ao sabor dos apelos da sensibilidade em épocas diferentes, e não se espere, assim, que a sua obra tenha uma unidade estética marcada; ela é vária e multímoda, em correspondência com a variedade dos temas e as apetências, entretanto modificadas, do poeta.

Obra de uma poesia viril, com momentos altos de força, onde há arrebatamentos moços e impulsos eróticos de par com uma humana ternura e a nostalgia de bens perdidos no turbilhão da vida. Obra que, em meu entender, encerra uma lição de coragem que o poeta nos transmite nos seguintes tercetos finais de um seu poema:

 

"Mas ao cabo de inútil sofrimento

um resto de coragem ou de alento

como um pássaro, em mim, livre esvoaça...

 

Respiro fundo, enfim, sacudo os ombros

como quem varre sórdidos escombros

para que tudo, esplêndido, renasça. "  (de: Prólogo por Deniz-Jacinto)

Para voltar ao preçário

Hosted by www.Geocities.ws

1