O AMOR é uma mudança de velocidade no ritmo da fantasia.
A HISTÓRIA de um amor não é mais do que a história dos erros
cometidos por uma parte ou pela outra. Como na esgrima e no xadrez, no amor
vence aquele que menos erra.
DETESTO as cartas de amor e as correspondências seguidas. A circulação
papel denota pouca reserva metálica de paixão.
O AMOR é feito de pequenas coisas humildes.
AOS dezasseis anos o amor ainda é uma necessidade da alma.
SE O AMOR é uma ciência que pode ser ensinada, é, certamente, uma ciência
positiva. Não se ensina, portanto, sem demonstração.
ADMITO que se consiga aprender o alemão sem mestre em sessenta lições,
mas não creio que se possa ensinar o amor numa noite.
DOIS corpos sentem que são belos e procuram-se e encontram-se e se enlaçam
sem se ver... Isto é sinal de que uma vontade superior clarividente, os guia.
Uma vontade eterna que não conhece nem fé de mulherzinhas, nem lei de homens,
nem moral de hipócritas.
O AMOR é um pseudónimo com que os homens convencionaram chamar o prazer
dos sentidos; mas quase todos julgam que seja o nome de uma coisa diversa,
abstracta, indefinível. De uma coisa que, na realidade, não existe.
O AMOR é obsceno quando feito de cartas para a posta-restante, de
cumplicidade de porteiros, de cópulas apressadas em hotéis à hora, dos
movimentos embaraçados em carros alugados com cortinas corridas, de posições
incómodas com complicações de vestidos que o medo de ser surpreendidos não
permite tirar.
Em suma, o amor é sórdido e imoral somente quando atormentado pelas
dificuldades, pelos subterfúgios, pelas hipocrisias que a moral hipócrita impõe.
A ÚNICA coisa triste no amor é o tornar a vestir-se.
O SONO, a loucura, não dão ideia da morte. O amor sim. O estremecimento
de todos os nervos, a aceleração do ritmo cardíaco, o esquecimento da consciência,
não são mais que uma rápida agonia. No momento em que a gente se projecta
para fora de si mesmo morre-se um pouco; faz-se uma excursão momentânea à
morte, que parece mais bela porque se morre a dois voltando-se à vida.
DURANTE a sacudidela epiléptica em que os dois corpos se fundem num só
os olhos fecham-se automaticamente. A natureza deixou entender aos homens que o
amor é uma cerimónia misteriosa em que não se devem ver símbolos nem
sacerdotes.
QUEM não se uniu somente à
própria mulher ou à Calipso de cinco francos, compreenderá como a gente se
pode sentir puro, mesmo depois de uma noite de espasmos, quando o ar frio da
manhã faz reabrirem-se nos lábios os pequenos cortes que os dentes rasgaram
durante o frenesi violento da noite. Esperar pela amante num canto da rua, dar
ao motorista um endereço, copular, sair, também a isto as gentes chamam amor.
Mas não é amor. Ao coito, no verdadeiro amor, chega-se sem saber, gradualmente
ou de um salto: e quando se readquire a lucidez de espirito, não é possível
precisar de que modo se chegou àquele gesto.
NO amor verdadeiro, a comunhão dos corpos realiza-se como o coito das
flores, como as bodas dos insectos.
Os insectos, que sublimes mestres do amor! É muito mais interessante ver
como amam os coleópteros, do que as cortesãs, as actrizes, os poetas, os
frades, os filósofos, e os reis.
NÃO tem importância alguma esse episódio físico, esse incidente epidérmico,
esse inócuo, simples, silencioso acontecimento que em todos os tempos tem
enfurecido os poetas, os moralistas, os juizes; esse factorzinho nervoso que
provoca ferozes injustiças e imbecis lengalengas filosóficas, em nome dos bons
costumes; essa naturalíssima aproximação de dois corpos, que se olha de modo
tão diferente conforme se realize antes ou depois de uma ida à conservatória;
que é considerada honesta se ocorre em determinada cama, e torpe se numa cama
qualquer.
POUCOS compreendem a verdadeira essência do amor. Julga-se geralmente
que um homem seja atraído para uma mulher pela frescura do seu rosto, pela elegância
da cintura, pela agilidade das pernas, pelo magnetismo do olhar, pela muda
promessa dos lábios impudicamente carnudos, pela palidez da fronte pura, pela tácita
oferta das ancas, pela garridice indisciplinada da cabeleira. Julga-se que uma
mulher se sinta atraída para um homem pela prepotência do seu olhar másculo,
pela dobra da boca autoritária, pelo sorriso triste de sonhador ou de
desiludido, pelos cabelos animalescos dos pulsos ou pela face depilada de efebo;
pelo espírito que mostra, pela inteligência que esconde, pela nobreza do seu
carácter, pela malvadez sádica da sua alma, pela sensualidade que promete a
sua mandíbula nervosa.
A beleza, pois, a linha, a forma, a cor, são, no juízo da maioria, os
elementos que atraem um para o outro, o macho e a fêmea. Só por meio deste
erro se explica a pergunta que ouvimos dia a dia:
—
Mas, como podes gostar daquela mulher, que não tem seios, é magra, tem
boca pequena e olhos apagados?
O amor — respondemos nós — não é produzido por uma contemplação
recíproca da cor dos olhos ou da forma do nariz. O amor, este magnetismo
animal, mediante o qual um indivíduo é atraído para outro indivíduo, é
causado pela afinidade química de dois corpos. No indivíduo devem-se
distinguir duas entidades: a forma e a substância, isto é, o que se vê por
fora e o que se esconde dentro. ...,...
(de: Capítulo I)