Discurso e pragmática

 

Em muitos casos, a significação das palavras e das frases não é inteligível se ficarmos pela sua análise semântica. Algo mais se exige do que a semântica: exige-se a análise pragmática.

Uma pessoa pode muito bem saber as regras da gramática e possuir simultaneamente um conhecimento profundo de um leque elevadadíssimo de léxicos e, todavia, falhar na interpretação de um discurso. E porquê? Porque os sujeitos que participam no acto de comunicação afectam o significado do que é enunciado. Este depende das circunstâncias do seu uso. Só o contexto amplo do uso das palavras pelo utilizador, isto é, se tivermos em conta a adaptação feita por ele das expressões simbólicas aos contextos referencial, situacional, de acção e interpessoal, é que nos dá inteligência do que locutoriamente se diz. A linguagem não é, como se poderia facilmente julgar, nem mero cálculo de regras sintácticas nem catálogo de significados, mas também um meio de "dizer e dizer com a intenção de fazer/mandar fazer algo". A atitude pragmática diz respeito à procura de sentido nos sistemas de signos, considerando o contexto, os costumes/usos linguísticos dos falantes e as regras sociais. Impõe-se, portanto, na interpretação de um discurso, além das análises sintáctica e semântica, a análise pragmática: quem disse, em que circunstâncias e com que intenção, isto é, o uso que os interlocutores fazem das linguagens tendo em vista a acção que exercem uns sobre os outros.

De facto, facilmente se constata que:

a) ‘Dizer é fazer’.

b) As mesmas palavras ditas por emissores pertencentes a classes sociais diferentes têm significados diferentes.

c) As mesmas palavras em contextos diferentes têm significados diferentes.

 

a) Dizer é fazer

Qualquer texto oral ou escrito representa a realização de um acto que não é apenas de carácter locutório (o falante diz algo, isto é, produz algo conforme as regras gramaticais ou a articulação e combinação de sons, a evocação e relacionação sintáctica das noções representadas pelas palavras), mas também de carácter ilocutório (o que se diz visa influenciar o comportamento do receptor: pelo facto de dizer algo, já está a fazer essa coisa, seja prometer, aconselhar, recusar, elogiar, pedir, avisar, etc. ou a mdar fazer) e, finalmente, de carácter perlocutório (uma vez que podemos constatar o(s) efeito(s) produzido(s) no interlocutor).

Exemplos:

- O falante faz algo ao dizer: "prometo que vou estudar Filosofia", posto que realiza o acto de prometer, isto é, a partir desse momento é um sujeito que vai estudar conforme prometeu.

- Um aluno chega atrasado. Abre a porta da sala de aula, entra, deixa a porta aberta e senta-se no seu lugar. O professor diz-lhe então: "Ó Manel, tens um rabo muito comprido!".

O que ele disse foi um mandar fazer: O Manuel tem de ir fechar a porta da sala".

 

b) As mesmas palavras ditas por emissores pertencentes a classes sociais diferentes têm significados diferentes.

Suponha-se este acto locutório: "Abra a porta, por favor"

O que é que se disse e se mandou fazer, se estas palavras fossem proferidas pelo ministro à sua secretária? Evidentemente que deu uma ordem. O falante ao dar uma ordem afirma a sua vontade e define o papel que institucionalmente lhe está conferido, ao mesmo tempo que define o papel do seu interlocutor – o papel de obedecer e de executar o que lhe foi ordenado.

E se fosse um aluno para o seu professor? Responda você.

 

c) As mesmas palavras em contextos diferentes têm significados diferentes.

Repara:

Se alguém disser: ‘chego amanhã’, o que é que esse alguém quis dizer?

 

E se alguém afirmar: ‘tenho fome’, o que é que esse alguém quis dizer?

 A) ‘Afirmar simplesmente que está com fome’, se está, por exemplo, acompanhado de colegas igualmente esfomeados.

B) A pessoa que disse que estava com fome está mesmo com fome e, não tendo meios de subsistência, ‘está a pedir comida à pessoa que o está a ouvir’.

C) ‘Recusar um convite para passear com os amigos’, já que, se os acompanhasse, iria embaraçá-los no namorico.

D) ‘Informar os colegas dos seus apetites sexuais’ resultantes da passagem de um grupo de raparigas bem bonitas.

E) Etc.

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