Biografia
José Mojica Maris
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Zé
do Caixão apresentava o inesquecível Cine
Trash (1990) |
No dia 13 de março de 1936, uma sexta-feira
13, nasceu um menino no Bairro do Brás em São Paulo. A
família humilde, descendente de imigrantes espanhóis,
jamais poderia imaginar que aquele bebê de nome José
Mojica Marins se tornaria numa Lenda do Cinema e do Folclore
Moderno Brasileiro.
Mojica, como era conhecido desde criança, não
teve uma infância comum. Passava horas lendo gibis, assistindo
a filmes na sala de projeção do Cinema em que seu pai
trabalhava, brincava de teatro de bonecos e montava peças com
fantasias feitas de papelão e tecido.
Mojica era fascinado por cinema e teatro (foi "diretor"
de uma peça da escola aos 8 anos) e assim que ganhou uma Câmera
V-8 aos 12 anos, o jovem rapaz da Vila Anastácio jamais pararia
de fazer cinema, essa era a sua vida.
Os anos foram se passando, e aquilo que parecia uma
brincadeira de adolescentes (fazia filmes amadores no galinheiro de
um amigo) acabou se tornando coisa séria. Montou uma escola de
interpretação para amigos e vizinhos (o professor era
o próprio Mojica). Quando tinha 17 anos, depois de vários
filmes amadores, ele fundou com ajuda de amigos, a "Companhia
Cinematográfica Atlas". Mojica sempre foi um autodidata
do Cinema, nunca teve aula de cinema, nunca leu um livro sobre cinema,
nunca havia lido um roteiro... Mojica fazia cinema por instinto!
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Mojica
fazendo uma ponta em seu primeiro filme que
dirigiu: "A Sina de Aventurteiro"
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Depois de vários fracassos e de um projeto quase
terminado (o filme "Sentença de Deus"), Mojica e seus
amigos conseguiram (depois de muita confusão) terminar seu primeiro
filme: "A Sina de Aventureiro",
uma espécie de bang-bang tupiniquim.
Agora Mojica era um Cineasta de verdade!! Não
ouviria mais as chacotas dos vizinhos que o chamavam de louco e vagabundo.
Não havia mais caminho de volta! Mojica abandonara os estudos
muito cedo com a desculpa de trabalhar, mas a verdade é que ele
só queria saber de uma coisa: CINEMA!
Mojica seguiu seu caminho...agora com a "Companhia
Cinematográfica Apolo". Com uma ingenuidade
irritante, uma força de vontade invejável e um poder de
autopromoção bestificante, Mojica conseguia fazer seus
filmes sempre com problemas sérios de dinheiro e recursos técnicos.
Mojica foi um dos maiores improvisadores que o cinema mundial conheceu.
Ele conseguia fazer milagres com um punhado de madeira
velha, papelão, cartolina e durex. Seus filmes eram conhecidos
pela sinceridade de seu diretor e a objetividade das histórias.
Mojica fazia um cinema sincero, experimental, vigoroso, forte, atordoante
e não apelava ao intelectualismo barato(quando fez isso uma vez
no filme "Delírios de
um Anormal" nos fim dos anos 70, foi duramente
criticado pelos fã e admiradores).
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Zé
do Caixão em "Delírio
de um Anormal" |
Mojica foi o homem mais amado e odiado no cinema nacional.
A censura dos anos 60 e 70 era a sua principal inimiga. Os censores
perseguiram Mojica como nenhum outro cineasta brasileiro. Eles retalhavam
seus filmes com corte enormes e mudanças de roteiro(!!!!); por
exemplo, o filme "Ritual do Sádico"
de 1970 ficou retido até 1986. Mas apesar de tudo, os filmes
de Mojica eram sucessos de bilheteria (nunca ficou rico pois era extremamente
perdulário e displicente quando o assunto era dinheiro).
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Mojica
teve que usar o seu lado "louco" para não cair
na Insanidade do Esquecimento |
Assim
podemos dividir a carreira de Mojica em décadas:
- Anos
50: filmes amadores com amigos e vizinhos.
- Anos
60: o auge no cinema, televisão e quadrinhos.
- Anos
70: a Censura e a Embrafilme
acabam com todos seus projetos e Mojica passa a fazer alguns
filmes por encomenda.
- Anos
80: Mojica cai no esquecimento, e para não morrer de fome,
acaba entrando no Cinema do Sexo Explicito.
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Anos 90:
o reconhecimento Mundial e Nacional,
o renascimento de José Mojica Marins.
Mojica era um diretor completamente diferente da maioria.
Ele viveu todas as ondas cinematográficas e culturais do Brasil
e nunca tomou parte de nenhuma delas. Ele criou seu próprio estilo
e proposta de trabalho. Mojica era completamente independente em sua
obra e nunca recebeu ajuda governamental em nenhum de seus filmes. Mojica
era um estranho, um intruso na "panelinha" cultural brasileira
nos anos 60 e 70.
Mojica participou (como diretor ou ator ou como técnico)
em mais de uma centena de filmes... amadores, profissionais, longas,
curtas e produções em vídeo. Seu trabalho não
se limitava apenas ao terror (apesar de seu maior sucesso ser "Zé
do Caixão" ). Ele gostava de fazer
duras críticas à sociedade e mostrar uma realidade nua
e crua da classe baixa e média do Brasil no período.
Sempre usando imagens fortes, psicodélicas, sulreais e aterrorizantes
(não era um cinema simplesmente de "terror"), Mojica
pegou fama de gênio e louco, intelectual e ignorante, ingênuo
e maquiavélico. Glauber Rocha perto de Mojica era "bom moço"...
Mojica chocava qualquer um com seu cinema primitivo e verdadeiro.
Zé
do Caixão e sua Ideologia *
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Josefel
Zanatas,
um homem sedutor
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Zé do Caixão não tem história,
não tem passado. Na mente do povo, é como uma entidade,
com a única diferença que através do seu criador,
o cineasta José Mojica Marins, aparece, em carne osso em manchetes
de jornais e programas de televisão. E Josefel
Zanatas, o que tem a ver com isso? Um próspero
agente funerário do interior, muitas vezes fornecedor dos próprios
defuntos enterrados com seus caixões, temido por homens e mulheres,
repudiado pela Igreja local, mas querido pelas crianças. Afinal,
quem é esse homem? Para quem não lembra do filme, algo
fácil num país onde não se lembra nem dos votos
dados na última eleição, e os mais jovens que não
eram nascidos à época a estas pessoas, temos uma surpresa:
Josefel Zanatas e Zé do Caixão são a mesma pessoa!!!
Não se trata de dupla personalidade. Zé
do Caixão é apenas o apelido, colocado por uma cidade
atemorizada, em seu agente funerário. Josefel não crê
no sobrenatural. É materialista pra nenhum Marx
botar defeito. Como Rousseau acredita na boa natureza humana,
encarnada não no selvagem, mas, na criança. Quanto à
sociedade, entretanto, é mais descrente que
Kafka e Nietzsche.
Não queremos que esse artigo seja pedante, mesmo porque José
Mojica Marins, ao criar a personagem, como ele mesmo garante, nem tinha
conhecimento destes nomes. Não tinha tempo para estudar ou ler,
pois o que ele queria, era fazer cinema.
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Mojica
filmando "D'gajão Mata pra
Vingar" |
Entretanto, serve para ressaltar que Zé do Caixão,
ou melhor, Josefel Zanatas, não tinha em mente apenas a criação
de novos métodos de tortura, como alguns congêneres do
cinema mundial. Ao contrário, refletia sobre questões
pensadas por alguns dos maiores filósofos e escritores de todos
os tempos. Talvez, entre múmias e zumbis, este "homem de
unhas grandes" seja o personagem do mundo
do horror, mais carregado de filosofia e coerência próprias.
Algo pouco explorado pela imprensa interessada no espetáculo
de fácil absorção. Zé do Caixão difere
da maioria dos "seres horripilantes"
em um ponto fundamental: ele não é demoníaco por
prazer. Ele tem um grande propósito e fará qualquer coisa
para atingi-lo, nem que seja preciso matar. Josefel Zanatas, sendo um
homem sem medo, ultra-materialista, cético e convencido de que
é o ser mais perfeito da Terra, busca uma meta: o "filho
perfeito".
A única coisa que amedronta o agente funerário
é a morte, não a morte da carne, mas sim a morte do ser.
Ele procura desesperadamente uma mulher superior para gerar seu "filho
perfeito", pois seria o único meio de se transformar imortal:
através de seus descendentes. É assim que se desenvolve
a sina de Josefel Zanatas. Ele é um homem amargurado pela vida,
revoltado com a humanidade e enojado com a religião. Tanta diferença
com a "situação normal" o transforma numa aberração,
um câncer que todos querem destruir. Zé do Caixão
é vítima das piores e ferozes pragas e maldições
que se pode imaginar. Para o leitor menos avisado, será uma surpresa
constatar que Zé do Caixão não é o desencadeador
do sobrenatural, e sim uma vítima!!! Apesar de sua aparência
bizarra, suas unhas diabólicas e um nome, que ao contrário,
quer dizer Satanaz (Zanatas), Zé do Caixão ridiculariza
o sobrenatural e seus praticantes.
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Dr.
Oaxiac Odez (leia de trás pra frente)
e uma de suas vítimas em
"O Estranho Mundo de Zé
do Caixão"
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Cena
de "Esta noite Encarnarei em teu
Cadáver" |
Para o coveiro, a morte é inevitável
e Deus e Diabo são crendices estúpidas de um povo atrasado.
Mas para todos, Josefel é uma entidade, parte do folclore, e
mesmo para quem conhece bem sua personalidade, ele ainda se parece como
um "Arauto do Inferno". Talvez
o caráter insólito e agourento do personagem nos filmes
e na televisão na década de 60 ajudaram a mistificar a
figura de Zé do Caixão como um ser "do além",
mas mesmo assim, durante a ditadura militar e a repressão, Zé
do Caixão foi cada vez mais esquecido e seu criador, José
Mojica Marins foi "sepultado". A Saga do Coveiro, prevista
para 9 filmes, foi arquivada. Tudo começou com um pesadelo, onde
um homem de capa preta e cartola arrastava Mojica para o túmulo
com sua data da morte. Ele acordou em pânico e perdeu o sono,
mas teve a idéia do personagem que iria imortalizá-lo
no mundo do cinema. Mojica não era iniciante, já havia
feito filmes de outros gêneros, mas até então, nunca
havia pensado em terror. Aliás, ninguém no Brasil havia.
Com o roteiro na mão, apareceram dois grandes problemas: dinheiro
(que se poderia "arranjar" de um jeito ou de outro) e quem
seria o ator principal. Quem seria o louco? Quem se exporia ao ridículo
caso fosse um fracasso? (como todos pensavem). Quem em sua sã
consciência se vestiria de capa preta e cartola num cinema de
terceiro mundo? Mojica não teve saída, ele mesmo encarnou
a personagem. Depois de uma "via sacra", Josefel Zanatas conseguiu
estrear nos cinemas brasileiros. A crítica e público,
depois de recuperados do choque inicial, transformaram José Mojica
Marins num dos homens mais famosos do Brasil. Ninguém era indiferente
ao seu trabalho. Mojica era amado e odiado, não existia.
*
Texto retirado do site Necrose
A Seguir a Parte Final
do Artigo Especial, Zé do Caixão
– O Anfitrião das Trevas, com sua filmografia, diversos
trabalhos e trabalhos atuais do cineasta brasileiro.
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Primeira Parte
Parte Final >>
Escrito por
: Márcio Domenes