
No
século XVIII, a Itália contava com uma longa tradição
de música instrumental, que vinha se desenvolvendo paralelamente
à musica vocal. As primeiras manifestações de evolução
técnica, formal e construtiva nesse terreno podem ser encontradas
nos músicos venezianos do século XVI. No século
seguinte é; a cidade de Bolonha que se projeta em primeiro plano,
com o surgimento de uma escola violinística que seria o centro
de gravitação de grande número de autores de primeira
categoria, como Giovanni Battista Vitali
e Giuseppe Torelli. Nos
últimos decênios do século XVII, os editores bolonheses
publicaram um extraordinário número de obras para cordas.
Esse período assinala a constituição definitiva
do Concerto Grosso e um notável enriquecimento da produção
de Sonatas.
Entre
todos os compositores dessa época o que mais se destacou foi
Arcangelo Corelli, cuja
obra surge como o supremo refinamento de uma longa tradição
instrumental e como a base sobre a qual se fundaria a Arte violinística
de músicos como Vivaldi, Geminiani,
Locatelli e Veracini.
Todos
esses fatores convergem para a obra de Tartini, um compositor que não
se notabilizou por ímpeto revolucionário, mas pela extraordinária
capacidade de retirar do passado uma linguagem própria e inconfundível.
Tartini é; daquela família de artistas que necessita penetrar
profundamente o terreno histórico e nele assimilar, longa e laboriosamente,
os elementos com os quais alçar seu próprio vôo.
E, de fato, o compositor criou uma síntese clássica e
muito pessoal, na qual se encontram o "pathos"
profundo e elegíaco de Corelli, o fervor de Vivaldi, graça
de Veracini, o virtuosismo de Locatelli, a clareza de Geminiani. Com
isso, sua obra resume todo um século de Arte violinística
italiana e a transmite para o resto da Europa, preparando as conquistas
do fim do século XVIII e da etapa seguinte.
O
Lado Negro da História
Entre o Lendário e o Imaginável
Giuseppe
Tartini nasceu a 8 de abril de 1692, na cidade de Pirano, no litoral
da península da Ístria, atualmente parte integrante do
território iugoslavo. Na época do nascimento do compositor,
a cidade subordina-se a Veneza e uma de suas atividades econômicas
mais importantes era a produção e o comércio de
sal. Seu pai, Giovanni Tartini, de origem florentina, dedicava-se a
essa atividade. Documentos da época o qualificam como "escrevente
público dos sais" da república veneziana, cargo que
só era exercido por pessoas de consideráveis posses e
elevada honestidade. Homem pio e caridoso, gozava de grande estima na
cidade e foi eleito tutor, procurador e síndico do Convento de
Pirano. A mãe do compositor, Caterina Zangrando, provinha de
uma das melhores famílias da cidade. Casando-se com Giovanni
Tartini, deu-lhe nove filhos. Giuseppe foi o quarto.
A infância de Tartini transcorreu tranquila, pois a família
gozava de boa situação econômica, possuindo terras
e casas de campo. Numa dessas propriedades rurais, a de Strugnano, rica
de oliveiras, o compositor passava longos períodos. Sua educação,
inicialmente, esteve a cargo dos padres filipinos, de Pirano. De 1700
a 1707, foi aluno da Pia Escola de Capodistria, onde, além das
matérias comuns, ter-se-ia iniciado no estudo da música
e do violino. Teria sido, também encaminhado no sentido da carreira
eclesiastica. O jovem, no entanto, opôs-se a esse plano e o problema
somente foi resolvido com a intervenção do arcebispo de
Capodistria, Paolo Naldini, que sugeriu o envio de Tartini a Pádua,
para estudar letras e teologia.
Em
Pádua, o futuro compositor não seguiu o conselho: preferiu
matricular-se na Faculdade de Direito. Não se sabe exatamente
quando isso aconteceu. Segundo seus biógrafos, entre os anos
1708 e 1710. A mesma falta de informações seguras ocorre
no que se refere à sua educação musical. Os testemunhos
a esse respeito são às vezes contraditórios, outras
vezes vagos. Charles Burney,
contemporâneo de Tartini e autor de várias obras sobre
a música e os músicos da época, afirma que o compositor
estudou muito pouco até os trinta anos de idade. Testemunho mais
de acordo com os fatos parece ser o de Gian
Rinaldo Carli, o polígrafo e professor de ciência
náutica em Pádua, que manteve estreito contato com Tartini
por mais de um decênio. Textos de Carli que chegaram até
os dias de hoje informam que Tartini, apesar da oposição
paterna, estudou com afinco o violino, durante oito horas por dia, desde
a mais tenra juventude.
Outras
fontes, no entanto, alimentaram a lenda de um Tartini vagabundo, estróina
e licencioso. É nesse contexto que se situa a história
da paixão amorosa que teria mudado inteiramente o curso de sua
vida, a partir de 1713. A moça chamava-se Elisabetta
Premazzone e, segundo alguns relatos da época,
era sobrinha do Cardeal Giorgio Cornaro.
O cardeal era seu tutor e opôs-se ao casamento, que teria sido
realizado secretamente, após a fuga do casal. Segundo a lenda
que corria sobre o caso, o cardeal ordenou a prisão de Tartini.
A própria família do compositor opôs-se ao casamento
e privou-o de todos os meios de subsistência. Tudo isso levou-o
a deixar Elisabetta em Pádua e iniciar um período de peregrinação.
Foi a Roma e, finalmente, a Assis, onde se asilou secretamente no famoso
mosteiro da cidade.
Pouco
se sabe sobre o tempo em que Tartini esteve no Mosteiro de Assis. Ainda
segundo textos de Gian Rinaldo Carli, ali ele dedicou-se inteiramente
ao estudo do violino e fez sua famosa descoberta do
"terceiro som" (quando duas notas são tocadas
em uníssono, ouve-se uma terceira), fenômeno acústico
que, posteriormente, seria explicado cientificamente pelo grande físico
Helmholz. Além dessa descoberta, o compositor introduziu diversos
melhoramentos técnicos no violino, usando cordas mais grossas,
diminuindo o tamanho da cabeça do instrumento, construindo um
arco mais longo e de madeira mais leve e introduzindo-lhe estrias a
fim de possibilitar maior firmeza no ato de segurá-lo.
Um
sonho criativo experimentado pelo compositor refuta a noção
de que o ópio, e não Coleridge, que cabia o mérito
da obra Kubla Khan. Tartine sonhou que fazia um pacto Faustino
com o Diabo tendo
a famosa visão da qual resultou a célebre sonata
Trilo do Diabo. M. de Lalande, em sua obra “Viagem
de um Francês pela Itália”, publicada
em 1765, reproduz o relato que lhe teria sido feito pelo próprio
Tartini:
"Uma
noite sonhei que tinha feito um pacto com diabo, o qual se dispôs
a me obedecer, em troca de minha alma. Meu novo servo antecipava meus
desejos e os satisfazia. Tive a idéia dar-lhe meu violino para
ver se ele sabia tocá-lo. Qual não foi meu espanto ao
ouvir uma Sonata tão bela e insuperável, executada com
tanta arte. Senti-me extasiado, transportado, encantado; a respiração
falhou-me e despertei. Tomando meu violino, tentei reproduzir os sons
que ouvira, mas foi tudo em vão. Pus-me então a compor
uma peça - a Sonata Trilo do Diabo - que, embora seja a melhor
que jamais escrevi, é muito inferior à que ouvi no sonho."
O
Relato de Lalande, como muitos outros que foram veiculados sobre a vida
do compositor, ao que tudo indica, é pura lenda. Mais próximo
da verdade é o fato de que, no final de 1715, Tartini foi perdoado
pelo Cardeal Cornaro, voltou ao convívio da esposa em Pádua
e iniciou uma nova vida, toda dedicada à música.
Artigo:
Márcio Domenes (Domenium)
Biografia: Fronteiras
do Desconhecido; Lendas da música Clássica
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