O INDIVÍDUO NA SOCIEDADE

(...) Todo progresso foi essencialmente marcado pelo aumento das liberdades do indivíduo em desfavor da autoridade exterior tanto no que respeita à sua existência física como política ou econômica. No mundo físico, o homem progrediu até submeter às forças da natureza e utilizá-las em seu próprio proveito.

O homem primitivo dá os primeiros passos na estrada do progresso assim que consegue fazer fogo, reter o vento e captar água, ultrapassando-se a si próprio. Que papel tiveram a autoridade ou o governo neste esforço de melhoramento, de invenção e descoberta? Nenhum, ou antes, nenhum que fosse positivo. É sempre o indivíduo que consegue o êxito, apesar, geralmente das proibições, das perseguições e da intervenção da autoridade, tanto humana como divina.

(...) Houve um tempo em que o Estado não existia. O homem viveu em condições naturais, sem Estado nem governo organizado. As pessoas viviam agrupadas em pequenas comunidades de algumas famílias, cultivando a terra e dedicando-se à arte e ao artesanato. O indivíduo, e mais tarde a família, era a célula-base da vida social; cada um era livre e igualado ao seu vizinho. A sociedade humana desta época não era um Estado, mas sim uma associação voluntária, onde cada um se beneficiava da proteção de todos. Os mais velhos e os membros mais experimentados do grupo eram os guias e conselheiros. Eles ajudavam a resolver os problemas vitais, o que não significa governar e dominar o indivíduo.

Só mais tarde é que se vê aparecer governo político e Estado, conseqüências do desejo dos mais fortes de tomarem vantagem sobre os mais fracos, de alguns, contra o maior número. O Estado eclesiástico ou secular, serviu então para emprestar uma aparência de legalidade e de direito aos danos causados por alguns à maioria. Esta aparência de direito era o meio mais cômodo de governar o povo, porque um governo não pode existir sem o consentimento do povo, consentimento verdadeiro, tácito ou simulado. O constitucionalismo e a democracia são as formas modernas deste consentimento pretendido, inoculado por aquilo que se chama “educação”, verdadeiro doutrinamento público e privado.

O povo consente porque é convencido da necessidade da autoridade; inculcam-lhe a idéia de que o homem é mau, virulento e demasiado incompetente para saber o que é bom para si. É a idéia fundamental de qualquer governo e de toda opressão. Deus e Estado só existem por serem apoiados por esta doutrina. Todavia, o Estado não é senão um nome, uma abstração. Como outras concepções do mesmo tipo, nação, raça, humanidade, ela não tem realidade orgânica. Chamar ao Estado um organismo é uma tendência doentia de fazer de uma palavra um feitiço. (...) Mas ainda, o espírito do homem, do indivíduo, é o primeiro a revoltar-se contra a injustiça, e o aviltamento; o primeiro a conceber a idéia de resistência às condições nas quais se debate. O indivíduo é o gerador do pensamento libertador, e também do ato libertador.

E isso não diz respeito apenas ao combate político, mas toda a variedade dos esforços humanos, em qualquer momento e em toda à parte. É sempre o indivíduo, o homem com sua pujança de caráter e a sua vontade de liberdade que abre o caminho do progresso humano e transpõe os primeiros passos para um mundo melhor e mais livre; em ciências, em filosofia, no domínio das artes como no da indústria, o seu gênio eleva-se até o ápice, concebe o impossível, materializa o seu sonho e comunica o seu entusiasmo aos outros, que se envolvem, por seu turno, no amálgama. No domínio social, o profeta, o visionário, o idealista que sonha com um mundo segundo o seu coração, ilumina a estrada das grandes realizações.

Fonte: O Indivíduo na Sociedade / Emma Goldman / Editora Achiamé.

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