O ANARQUISMO

"Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a desobediência é a virtude original do homem." (Oscar Wilde)

"Eu aceito com entusiasmo o lema que afirma 'O melhor governo é aquele que menos governa'; e gostaria de vê-lo posto em prática de forma sistemática. Uma vez posto em prática, ele acabaria resultando em algo que também acredito -'0 melhor governo é aquele que não governa'; e quando os homens estiverem preparados, será exatamente este o tipo de governo que irão ter." (Henry Thoreau)

Proudhon (1809-1865) e Bakunin (1814-1876) foram contemporâneos de Marx e com ele partilharam as críticas ao sistema capitalista, à propriedade privada dos meios de produção e à exploração da classe proletária pela burguesia. Concordavam também que as revoluções Francesa e Americana tinham sido mais políticas que sociais; elas teriam renovado os padrões de autoridade, dando poder às novas classes, mas não modificaram basicamente a estrutura social e econômica da França e dos Estados Unidos.

A relação de amizade e admiração entre Proudhon, Bakunin e Marx rompeu-se, porém, a partir de divergências que se tomaram cada vez mais agudas. O nó do desentendimento encontrava-se na teoria marxista da ditadura do proletariado. Como vimos, Marx preconizava um degrau necessário antes do advento do comunismo, quando a força do proletariado, exercida através do partido, evitaria a contra-revolução da classe deposta. Só depois esse poder se dissolveria rumo a uma sociedade sem Estado.

Acusando Marx de otimista, Bakunin não via como evitar a rígida oligarquia de funcionários públicos e tecnocratas, que tenderiam a se perpetuar no poder.

É comum as pessoas identificarem anarquismo com "caos", "bagunça". , Na verdade, não se trata disso. Etimologicamente, a palavra é formada pelo : sufixo archon, que em grego significa "governante", e an, que significa "sem", ou seja, sem governante. O princípio que rege o anarquismo está na declaração de que o Estado é nocivo e desnecessário, pois há formas alternativas de organização voluntária.

A proposta anarquista não deve ser confundida com o individualismo, pois essa organização não coercitiva deve estar fundada na cooperação e na aceitação da realidade da comunidade. O homem é um ser naturalmente capaz de viver em paz com seus semelhantes, mas as instituições autoritárias deformam e atrofiam suas tendências cooperativas. Nota-se aí a tese da espontaneidade tão defendida por Rousseau. Surge, então, um aparente paradoxo, ou seja, a realização da ordem na anarquia; mas a ordem na anarquia é uma ordem natural. .

Nesse sentido, a sociedade estatal possui uma estrutura cuja construção é artificial, pois cria uma pirâmide em que a ordem é imposta de cima para baixo. A sociedade anarquista seria, não uma estrutura, mas um organismo que cresce de acordo com as leis da natureza, e a ordem natural se expressa pela autodisciplina e cooperação voluntária, e não pela decisão hierárquica.

Por isso, os anarquistas repudiam até a formação de um partido, já que este prejudica a espontaneidade de ação, tende a se burocratizar e a exercer formas de poder. Também temem as estruturas teóricas, na medida em que podem tornar-se um corpo dogmático. Daí o anarquismo ser mais conhecido como movimento vivo, e não tanto como doutrina. A ausência de controle e de poder torna o movimento anarquista oscilante, sempre frágil e flexível, podendo ficar inativo por muito tempo, para surgir espontaneamente quando necessário.

A crítica à existência do Estado leva à tentativa de inversão da pirâmide de poder que o Estado representa; a organização social que deriva dessa inversão deve se reger pelo princípio da descentralização, procurando estabelecer a forma mais direta de relação, ou seja, a do contato "cara a cara". A responsabilidade começa a partir dos núcleos vitais da vida social, onde também são tomadas as decisões: o local de trabalho, os bairros. Quando isso não é possível por envolver outros segmentos, formam-se federações. O importante, porém, é manter a participação, a colaboração, a consulta direta entre as pessoas envolvidas.

Os anarquistas criticam a forma tradicional de democracia parlamentar, pois a representação contém o risco de alçar ao poder um demagogo. Quando a decisão envolve áreas mais amplas, havendo necessidade de convocação de assembléia, a proposta é de escolha de delegados por tempo limitado e sujeitos à revogação do seu mandato.

O mais brilhante anarquista foi Bakunin, filho de ricos aristocratas , russos. Tornou-se revolucionário graças à influência de Proudhon. Participou das rebeliões que ocorreram em Paris, Praga e Dresden em 1848-1849, tendo sido preso por vários anos e depois exilado na Sibéria. De volta à agitação, em 1870 tomou parte nas revoltas de Lyon e Bolonha. Fez cerradas críticas a Marx, tendo sido expulso da Primeira Internacional em 1872. Com outros companheiros fundou a Internacional Saint-Imier. Sua obra é vigorosa e apaixonada, mas mal organizada, pois dificilmente Bakunin terminava o que começava. Era sobretudo um ativista.

Além de Bakunin, Proudhon e Kropotkin (1842-1912), o anarquismo conta, entre seus defensores e simpatizantes, com artistas, jornalistas e intelectuais em geral, como Oscar Wilde, Tolstoi, George Orwell, Aldous Huxey, Picasso, Alex Comfort, Herbert Read, Emma Goldman, Malatesta e Jeorge Woodcock.

No final do século XI, o movimento sindical deu ampla força ao anarquismo, gerando o movimento chamado anarcosindicalismo, pelo qual os sindicatos não deveriam se preocupar apenas em conseguir melhores salários, mas em se tornar agentes de transformação da sociedade. Foi na Espanha que o movimento atingiu maior expressividade, até quando não pôde mais resistir à ação dos exércitos do ditador Franco. Do mesmo modo, advento do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha significou o fim desse movimento nesses países.

O anarquismo ressurgiu timidamente depois da Segunda Guerra Mundial e recrudesceu na década de 60 com o ativismo de jovens de vários países da Europa e da América, culminando com o movimento estudantil de 1968 em Paris.

Fonte: Filosofando - Uma Introdução à Filosofia / Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins / Editora Moderna.

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