Gustavo Bayerl Lima
Acadêmico de
Direito da CSVV/UVV
1. Introdução; 2. Constituição Sintética ou Analítica?; 3. Constituição rígida ou flexível?; 4. Constituição Escrita ou Costumeira?; 5. Constituição codificada ou não codificada?; 6. Constituição ortodoxa ou eclética?; 7. O Controle da Constitucionalidade, face aos princípios universais de direitos humanos.
1. INTRODUÇÃO
O
Estudo da estrutura constitucional é de extrema importância,
especialmente no atual momento, quando se discute o futuro do
Estado Constitucional, que nas suas formas liberal, social ou
socialista, se encontra em crise.
Importante
notar que não é o Estado constitucional que está em crise, mas
sim os modelos socio-econômicos consagrados nos textos
constitucionais. Entretanto, a crise destes modelos faz com que
propositalmente ou não, se identifique a crise como sendo do
próprio Estado Constitucional na sua essência, fazendo com que
sua existencia esteja ameaçada.
2.
Constituição Sintética ou Analítica?
Ao
se propor uma Constituição de princípios, onde a democracia
como processo irá permitir as mudanças que as comunidades
locais, regionais e nacionais desejam, devemos questionar, além
do importante papel da interpretação normativa e o processo de
mutação constitucional, qual a estrutura ideal dessa nova
Constituição.
O
primeiro ponto desta nova estrutura constitucional será a
extensão do texto, discussão que em geral é tratada com a
simplicidade que o debate não permite, pois não se trata apenas
de adotar uma Constituição pequena ou longa, uma vez que o
debate da extensão do texto constitucional está relacionado,
necessariamente, com a questão da interpretação do mesmo, e
visto que a lei é a interpretação que se faz dela, em um
determinado contexto histórico, político, social e econômico,
através de leitura sistemática do texto constitucional e das
normas infra-constitucinais, em relação a esse.
Dessa forma, além de sabermos, ao final deste trabalho, até que ponto podemos, através do processo de interpretação da Constituição, com a sua necessária inserção dentro da situação histórica sócio econômica, possibilitar evolução interpretativa, que permita o rompimento com leituras clientelistas e neoliberais deste texto, poderemos indicar, também, modelo ideal de Constituição democrática, em um texto que possibilite a consagração de um novo paradigma constitucional, que ao mesmo tempo que permita seguro processo de mutação, evite o retorno a modelos anteriores, menos democráticos.
Tradicionalmente
tem-se dividido as Constituições em sintéticas e analíticas,
no que se refere a extensão do texto. Desta forma, texto
sintético é aquele que se reduz às normas essenciais de
organização e funcionamento do Estado, e ainda a declaração e
garantia de alguns direitos fundamentais.
Ao
contrário, Constituição analítica é aquela que, além das
matérias que nos referimos anteriormente, desenvolvidas com
maior detalhamento que no caso anterior, traz no seu texto regras
que poderiam ser deixadas para serem tratadas em normas
infra-constitucionais, pois a perspectiva de permanência destas
normas, é inferior à da norma tipicamente constitucional, que
não pode nunca ser considerada imutável, uma vez que muda
através de um processo apenas interpretativo, não passando pelo
processo formal de alteração do texto constitucional, por
emenda ou revisão, mas que de qualquer forma tem uma expectativa
maior de sobrevivência, do que uma norma que desce a um grau de
especificidade muito grande, desaconselhando-se a sua inclusão
no texto constitucional, principalmente em um texto onde o
processo de alteração, seja mais complexo, caracterizando-se
uma constituição rígida.
Portanto,
alguns pontos específicos irão marcar a diferença entre um
texto sintético e um analítico, sendo característica deste
último:
a)
maior detalhamento das normas referentes à organização e
funcionamento do Estado, presentes em todos os textos
constitucionais contemporâneos;
b)
maior relação de direitos fundamentais ou de direitos humanos,
com um maior detalhamento de suas garantias processuais,
constitucionais e socio-econômicas;
c)
inclusão de regras que devido ao menor grau de abrangência de
seus efeitos, e consequentemente maior especificidade, tendem a
uma menor permanência, exigindo o funcionamento dos mecanismos
formais de reforma da Constituição, uma vez que a mutação
interpretativa, pode encontrar maiores problemas para evoluir nos
tribunais pelo grande detalhamento do texto.
d)
maior número de regras em sentido restrito ( que regulam
situações específicas), em relação a regras em sentido amplo
( que se aplicam a várias situações diferentes), em uma
Constituição analítica.
Não
é correto afirmar que as Constituições liberais eram
sintéticas e que as Constituições Sociais são analíticas.
Sem dúvida alguma, com o surgimento, no início do século, de
Constituições que representam novo tipo de Estado, agora
interventor no domínio econômico e assistencial, perante
questões sociais (o modelo neoliberal em sentido amplo, pois
mantém o núcleo do pensamento liberal de liberdade econômica,
passando a intervir na economia, para assegurar sua
sobrevivência, assistindo ainda aos excluídos do modelo
econômico, através de diversos direitos sociais, em graus
diferentes de intervenção e de preocupação social), o
conteúdo dessas Constituições foi ampliado, com um maior
número de direitos fundamentais, com a inclusão de direitos
sociais e econômicos, ao lado dos direitos individuais e
políticos. Entretanto, é possível encontrar Constituições
Sociais (neoliberais em sentido amplo), bastante sintéticas
assim como Constituições Liberais, no passado, bastante
detalhadas.
Outro
ponto fundamental, é a compreensão de que texto menor não
significa uma Constituição com conteúdo restrito, assim como
texto grande não significa uma Constituição dotada de maior
número temático. A preocupação que deve fundamentar a
adoção de uma Constituição, analítica ou sintética, será o
grau de importância que se quer oferecer aos processos informais
de mudança dos textos constitucionais e aos processos formais de
reforma.
Ao
se adotar um texto constitucional, com número maior de regras em
sentido amplo (os princípios), mantendo-se número pequeno de
normas em sentido restrito, isto deverá significar maior
valorização dos processos informais de mudança do texto
constitucional, permitindo, com isto, que a doutrina, e
principalmente a jurisprudência, dinamizada por uma população
participativa e um judiciário, obrigatoriamente, sensível à
realidade sócio-econômica e as indicações democráticas dos
cidadãos, faça a Constituição estar em constante processo de
evolução. Dessa forma, a Constituição sintética, ao permitir
uma maior participação do judiciário e dos cidadãos na
construção do texto constitucional, cria uma Constituição
dinâmica, pois esta será composta do texto escrito e da
interpretação que se faz dos princípios e regras, em
determinado momento histórico. Conclui-se que não se pode
conhecer a Constituição de um país, apenas pela leitura de seu
texto, mas é necessário, sempre, procurar na jurisprudência e
na doutrina, influência da vontade popular em um Estado
democrático, apreendendo significado de seus princípios e
regras, em um dado momento histórico. Exemplo elucidativo do que
viemos de analisar, será a Constituição norte-americana de
1787, em vigor até hoje, com apenas vinte e sete emendas, mas
que recebeu leituras bastante variadas, em momentos históricos
diferentes, fazendo que determinados autores afirmem a
existência de múltiplas interpretações constitucionais nos
Estados Unidos, construídas em momentos históricos diferentes,
através da sua compreensão flexibilizada e a necessária
inserção de seus princípios, em situações históricas
diferentes.
Uma
Constituição analítica, quanto maior e mais detalhado for seu
texto, menor será o espaço para os processos informais de
mudança constitucional, valorizando os processos formais de
reforma constitucional, e consequentemente, de uma certa maneira,
a mudança constitucional, através da democracia representativa,
em processos lentos e difíceis (no caso de uma Constituição
rígida).
O
Brasil adotou uma Constituição analítica, que representou um
passo significativo, no início da construção de uma democracia
no país. A Constituição de 1988 traz um amplo leque de
direitos fundamentais e de garantias de varias espécies,
representando modelo de Constituição Social, que pode permitir
a construção de um Estado efetivamente democrático.
Embora,
a interpretação do texto de 1988, permita o estabelecimento das
bases de um novo modelo de Estado democrático, onde os direitos
sociais e econômicos ganham uma perspectiva de garantia
sócio-econômica, de exercício dos direitos individuais e
políticos, portanto enquanto pressupostos de implementação dos
direitos individuais e de uma democracia política, social e
econômica, dentro da perspectiva de indivisibilidade dos grupos
de direitos individuais, sociais, políticos e econômicos, o
caminho para a implementação desses pressupostos é longo, não
passa apenas pela construção de uma interpretação do texto,
mas efetivamente de mudança profunda na sociedade brasileira.
Por
este motivo, não devemos apenas discutir o modelo atual, mas,
estudar alternativas estruturais de organização estatal, que
incentivem uma mudança de postura na sociedade, criando-se
mecanismos que envolvam a população na construção de seu
futuro, chamando a população, constantemente, a opinar na
transformação social, política e econômica do espaço
público.
Obviamente,
o caminho de mudança da estrutura constitucional, adotando-se
modelo descentralizado de exercício de poder, e nova perspectiva
de tratamento constitucional dos direitos fundamentais, não é,
também, caminho fácil, mas resta como opção a construção
gradual de novas realidades estatais, através de processos
formais e informais de reforma na Constituição, não se
descartando, obviamente, nova ruptura com o ordenamento
constitucional para a elaboração de uma nova constituição que
permita a consagração definitiva de um novo modelo.
O
ponto central, que defende a desconstitucionalização da ordem
econômica e social, incluindo necessariamente a
desconstitucionalização da propriedade privada dos meios de
produção, coloca-nos um desafio, no sentido de sabermos se,
para a consagração deste novo modelo, seria necessário
rompimento com a Constituição, o que implicaria não apenas na
atuação do poder constituinte derivado(o poder de reforma), mas
na necessidade de um novo poder constituinte originário (capaz
de elaborar nova ordem constitucional de forma soberana).
No
momento, concluímos, que pelo exposto neste tópico, uma
constituição sintética, que privilegie os princípios sobre as
regras, em sentido restrito, possibilitando processos de
construção informal e democrática do texto constitucional,
seria o modelo ideal para o Estado democrático que defendemos,
reduzindo-se as normas em sentido restrito, na Constituição
Federal àquelas que estabelecem o funcionamento e a competência
dos órgãos e dos canais de participação democrática.
3. Constituição rígida ou flexível?
Outra
classificação utilizada, com freqüência, é a divisão das
Constituições em rígidas e flexíveis.
As
Constituições rígidas são aquelas que necessitam de um
processo formal, que dificulta a alteração de seu texto,
estabelecendo mecanismos parlamentares específicos, quorum para
a aprovação com maiorias especiais, competência restrita para
propor a sua alteração, além de limites temporais,
circunstanciais e materiais para o funcionamento do poder de
reforma.
A
Constituição de 1988 segue a tradição dos textos brasileiros,
que adotam o modelo de Constituições rígidas, com exceção da
Constituição de 1824, que continha dispositivos que só
poderiam ser alterados, através de processos mais complexos, ao
lado de dispositivos que poderiam ser modificados, através de
quorum de lei infra constitucional, caracterizando uma
Constituição semi-rígida, ou seja, parte rígida, parte
flexível.
Os
elementos principais, que caracterizam a rigidez da
Constituição de 1988, são:
a)
a existência de quorum de 3/5 para a alteração do texto
através de emenda à Constituição, em dois turnos de votação
em cada casa legislativa.
b)
a proposta de emenda só poderá partir de 1/3, dos membros da
Câmara de Deputados ou Senado, do Presidente da República ou de
mais da metade das
Assembléias
Legislativas, que encaminharão a proposta aprovada por maioria
relativa de seus membros.
c)
a existência de limites materiais, estabelecidos pelo artigo 60,
parágrafo 4º, incisos I a IV, onde se proíbe emendas tendentes
a abolir a forma federal, a democracia, os direitos individuais e
suas garantias e a separação de poderes.
d)
a existência de limites circunstanciais, consubstanciados na
proibição do funcionamento do poder constituinte derivado (o
poder de reforma), durante a vigência do Estado de Sítio,
Estado de Defesa e Intervenção Federal.
Além
da reforma constitucional através de emendas, que visa
alterações pontuais do texto, através de emendas supressivas,
aditivas ou modificativas, a Constituição de 1988 previu,
ainda, o poder de reforma através de revisão do texto, o que
implica em alteração de todo o texto, obviamente sem
comprometer ou modificar os princípios constitucionais,
alterando o fundamento da Constituição, visto que o Poder de
reforma, enquanto Poder Constituinte derivado, de segundo grau e
subordinado, não pode alterar a obra do seu criador que é o
Poder Constituinte Originário, este sim, soberano e inicial,
portanto de primeiro grau.
Tendo
sido previsto no Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, o Poder revisional recebeu flexibilização, no
que diz respeito ao processo legislativo, estabelecendo-se quorum
de maioria absoluta em votação unicameral, para a aprovação
do projeto de revisão. Entretanto, em contrapartida, além dos
limites materiais e circunstanciais já mencionados, sofreu esse
poder de reforma através de revisão, limite temporal de cinco
anos, podendo ser exercido apenas uma vez, pelo Congresso, com
poderes constituintes derivados de revisão, pois com a
implementação do texto provisório, o dispositivo transitório
desaparece.
As
cláusulas pétreas no texto ou as cláusulas imodificáveis,
são elementos importantes, no estabelecimento da rigidez do
texto, uma vez que estas cláusulas não poderão ser
modificadas, nem mesmo através dos processos de reforma. Além
das cláusulas pétreas expressamente enumeradas na
Constituição, não pode um Poder Constituinte Derivado (o poder
de reforma), alterar a estrutura fundamental da Constituição,
compromentendo os seu princípios fundamentais.
As
Constituições flexíveis perderam importância, pois não
respondem à necessidade de supremacia e segurança que o texto
constitucional, deve oferecer aos cidadãos, em relação às
garantias de seus direitos fundamentais e a organização do
Estado.
Ao
contrário das Constituições rígidas, as Constituições
flexíveis podem ser alteradas através de procedimentos
simplificados, perdendo com isto o caráter de supremacia que
devem ter. Torna-se difícil falar em controle de
constitucionalidade, elemento fundamental na caracterização da
supremacia constitucional, uma vez que, pelo mesmo processo que
se elabora uma lei, pode-se alterar o texto constitucional.
Os
textos flexíveis se mostraram inadequados para permitirem a
garantia que a Constituição deve oferecer enquanto norma
suprema, que se impõe como limite a atuação dos poderes, sejam
públicos ou privados, que atuam no território estatal.
A
Constituição democrática deve combinar texto sintético, que
permita processos de mutação democrática, ao lado de garantias
eficazes de rigidez constitucional e controle de
constitucionalidade, para possibilitar os processos e mecanismos
de exercício de democracia nela estabelecidos, assim como
estabelecer como cláusulas pétreas, os princípios universais
de direitos humanos nela consagrados.
4.
Constituição Escrita ou Costumeira?
Classificação
tradicional, que a doutrina de Direito Constitucional adota, é a
divisão dos textos constitucionais entre escritos e não
escritos.
Exemplo
típico de texto não escrito, ou de Constituição costumeira,
é a da Grã-Bretanha. Foi na Inglaterra que se fortaleceu,
inicialmente, o processo de construção do constitucionalismo
moderno, consagrando a idéia de limitação do poder do Estado,
por texto legal criador do Estado, de seus poderes e orgãos,
distribuindo competências, garantindo direitos e estabelecendo
limites para a atuação do mesmo.
Desta
forma, a Magna Carta de 1215 é um texto referencial e
embrionário do processo de formação do Estado Constitucional
moderno, sendo norma constitucional que, ainda hoje, é
referencia para a construção do sistema de princípios, valores
e normas costumeiras, em que se transformou a Constituição
inglesa.
O
sistema constitucional britânico, hoje, está alicerçado sobre
varias leis constitucionais, como a Magna Carta, o Habeas Corpus
Act e a Bill of Rights, não sendo correta a afirmação de que
não existem leis constitucionais escritas naquele país. O que
ocorre, é que neste sistema além das leis constitucionais sobre
as quais se construíram todo o sistema, de princípios, valores
e regras, convivem normas não escritas, que estabelecem
procedimentos construídos historicamente e repetidos durante
séculos.
Não
se pode esquecer que originou-se, também, na Inglaterra de
Cromwell, no século dezessete, a idéia de instrumento de
governo escrito, que estabeleceria as regras para o exercício do
poder estatal. Portanto, se do ciclo constitucional inglês,
pode-se extrair a idéia de uma monarquia parlamentarista, da
curta experiência republicana, no período de Cromwell, surgiu o
ideal de uma república constitucional, mais tarde levada para as
colônias da América do Norte, pelos puritanos que se viram
obrigados a sair da Inglaterra, após a restauração da
Monarquia com a morte do Lorde Protetor, Cromwell.
Os
Estados Unidos da América do Norte, com sua primeira
constituição escrita e codificada, incorpora a idéia de uma
República Federal, pela sua formação histórica, a partir de
colônias, que inicialmente, se fazem independentes da
Inglaterra, tornando-se Estados soberanos.
O
sistema constitucional norte americano combina parte da
experiência inglesa, no momento em que adota texto sintético,
que permite mutações interpretativas, adotando a idéia de
precedentes constitucionais, em um direito escrito, porém não
muito codificado, partindo de uma Constituição escrita e
rígida.
Pode-se
concluir que o modelo de Constituição costumeira, não se
copia, pois é essencialmente histórica, criada a partir de
varias contingências históricas e culturais, que influenciaram
decididamente na sua evolução e afirmação.
No
mundo proliferou o modelo de Constituição escrita, rígida e
codificada. Esta constatação não contraria, mas confirma
idéia anteriormente já discutida, da adoção de uma
Constituição sintética, rígida e escrita, que permita
processos de evolução e adequação democrática, de seus
princípios a realidades históricas diferentes e mutáveis,
aprendendo com a experiência inglesa e norte americana, pois
não se pode adotar classificações estanques, uma vez que os
pontos de contatos entre os dois modelos de tradição
legislativa escrita e não escrita, podem se fundir em uma
resultante completamente nova, de um direito dinâmico, popular e
democrático, com bases em uma Constituição rígida, que dê
respaldo aos processo dinâmicos de evolução democrática do
Direito.
5. Constituição codificada ou não
codificada?
Da
mesma forma, que optou-se por constituições rígidas e
escritas, às Constituições codificadas demonstram maior
vantagem na sistematização, possibilitando construção
adequada de sua interpretação sistemática.
As
Constituições não codificadas caracterizam-se pela existência
de leis constitucionais esparsas, ao lado do texto base. A
Constituição encontra-se fragmentada, sem organização
sistemática de seu texto, que permita a manutenção de sua
lógica interna, sobre a qual irá construir-se toda a
interpretação.
Importante,
neste momento, mais uma vez, ressaltar a idéia de que a
Constituição não é apenas o seu texto escrito, uma vez que a
lei comporta a interpretação que se faz dela, em um dado
momento histórico. Impossível aplicar a lei, sem antes
interpreta-la. Estas classificações estudadas até aqui,
referem-se, portanto, a uma classificação do texto escrito,
sobre o qual se construirá a constituição democrática, que
será a interpretação que se oferecerá ao texto básico,
construída de forma participativa e democrática pelos cidadãos
e adequada ao momento histórico vivido. Um texto codificado,
estruturado de forma lógica em um único documento, permite a
manutenção de um sistema normativo, que facilita o conhecimento
e interpretação da Constituição.
As
alterações, acréscimos e supressões que venham ocorrer,
através do funcionamento do poder constituinte derivado de
reforma, capaz de elaborar leis constitucionais, devem sempre se
integrar ao texto sistematizado, mantendo-se assim a
organização lógica do mesmo, o que facilita sua compreensão e
interpretação.
6.
Constituição ortodoxa ou eclética?
Alguns
autores adotaram essa classificação, para identificar
constituições que se alinhavam a uma ideologia socio-econômica
específica, negando outras influências, como as Constituições
socialistas e liberais, que podem ser consideradas ortodoxas, e
as Constituições que sofrem influências de mais de uma
ideologia ou programa político, social e econômico, as quais
são consideradas ecléticas.
Deve-se
entender essa classificação, dentro de uma perspectiva
histórica, de formação das Constituições Sociais. Essas
constituições surgem no início do século, mais precisamente
em 1917 no México e 1919 na Alemanha, fruto de processo
histórico, onde, no século dezenove, construiu-se e
desenvolveu-se de forma marcante e ameaçadora, para a proposta
liberal e o capitalismo, uma teoria antagônica, que construída
sobre bases cientificas e uma crítica contundente ao
capitalismo, foi capaz de arrebatar a classe trabalhadora de
vários países.
A
existência de duas propostas de Estado, radicalmente opostas,
faziam sugerir um ortodoxismo, onde de um lado se colocava o
liberalismo, ou mais precisamente o capitalismo, e de outro o
socialismo real, que visava a construção de uma sociedade
comunista.
Pouco
a pouco o mundo capitalista sentiu a necessidade de se adaptar a
nova realidade histórica, para garantir sua sobrevivência,
passando o Estado Liberal a incorporar, na sua legislação infra
constitucional, parte das reivindicações socialistas, criando
uma legislação previdenciaria e trabalhista, admitindo, ainda,
a intervenção do Estado no domínio econômico. Exemplo
clássico é a lei Sherman de 1890, nos Estados Unidos da
América do Norte.
O
liberalismo mostrava contradições, que só seriam superadas
através da aceitação das mesmas. O liberalismo que defendia a
não intervenção do Estado, nas questões sociais e
econômicas, só seria salvo a partir da intervenção estatal na
economia e do oferecimento de direitos sociais, através de um
assistencialismo estatal, que não era efetivamente a proposta
socialista, mas subtraía desta elementos que atenuassem a
tensão social.
Do
ortodoxismo liberal, o Estado Liberal transforma-se em modelos
que podemos classificar de neoliberais, em sentido amplo, dando
origem ao Estado Social ou Social-Liberal, que em graus
diferentes, irá intervir no domínio econômico e na questão
social. A este novo modelo de Estado Social, pode-se atribuir
caráter eclético, pois sua Constituição irá conter
elementos, de cada um dos dois sistemas que se contrapunham neste
momento.
Uma
Constituição eclética representa, portanto, texto que será
fruto das reivindicações e pressões de grupos com interesses
diferentes e muitas vezes opostos, dentro do Estado, interesses
antagônicos que irão manifestar-se, com mais intensidade,
quanto maior for o grau de participação da sociedade civil, na
elaboração constitucional.
Esse
conflito de interesses reflete-se nas constituições ecléticas,
dando origem ao que podemos classificar como "aparentes
antagonismos", no texto constitucional.
Referimos-nos
a aparentes antagonismos, pois o texto constitucional após sua
elaboração, têm vida própria, no sentido que não estará
sempre vinculado à vontade dos constituintes, pois receberá
leitura sistemática que irá, necessariamente, evoluir
juntamente com a sociedade, suas necessidades e expectativas,
dentro de um contexto histórico, buscando sempre, uma síntese
através de sua interpretação, diante de situações concretas,
que permitirá o desaparecimento de antagonismos que,
afirmativamente, entre princípios e regras não pode existir.
Leitura
obrigatória para a compreensão do que afirmamos, é a obra do
professor Washington Peluso Albino de Souza, especialmente quando
o autor trabalha a importante idéia de ideologia
constitucionalmente adotada, já mencionada nesse trabalho, e do
princípio da economicidade. Pelos ensinamentos do Mestre do
direito econômico brasileiro, a Constituição têm ideologia
própria, representada por valor síntese, que irá apontar qual
o correto equilíbrio valorativo que apontará a aplicação dos
princípios e regras constitucionais em situações diferentes.
Com isto queremos dizer que em situações diversas, os
princípios terão valor e importância também multíplas, sendo
que esta correta ponderação, sobre qual princípio aplicar, em
determinada situação, será apontada pela ideologia
constitucional. Estes ensinamentos são de extrema importância e
atualidade.
Quando
defendemos em outros trabalhos a idéia de uma Constituição
democrática, sintética, rígida, escrita, codificada, onde seus
princípios serão àqueles considerados universais, não
existindo nenhuma vinculação com algum modelo
sócio-econômico, o que implica na desconstitucionalização da
propriedade privada dos meios de produção, podemos perguntar se
estariamos, diante de uma constituição eclética ou ortodoxa.
A
resposta a esta questão aponta-nos situação completamente
nova, pois todas a constituições, sejam ecléticas como os
textos sociais, neoliberais, ou ortodoxas como os textos liberais
e socialistas, estabelecem modelo constitucional de organização
econômica e social.
Ao
se retirar da Constituição a vinculação ao modelo
presentemente existente, estamos sem dúvida criando texto
ortodoxo, extinguindo o ecletismo existente, que se manifesta,
justamente, na convivência de princípios com origem em
ideologias antagônicas e no próprio conflito social existente,
presentes nas suas normas de conteúdo político-econômico e
social, que vêm recebendo interpretações diferentes, pela
doutrina e pelos tribunais.
Entretanto,
a ortodoxia do texto caracterizaria-se não pela fidelidade a uma
ideologia política, social e econômica específica, mas sim
pela não vinculação a nenhuma, e nem mesmo a modelos
sincréticos, mantendo a ortodoxia na opção por um sistema
democrático, capaz, de criar procedimentos, mecanismos de
garantia e variados canais de comunicação, entre sociedade e
Estado, fazendo aos poucos, desaparecer a dicotomia Estado versus
Sociedade.
Desta
forma, o texto ortodoxo, ao garantir uma democracia que se
materializa em processos legitimadores de mudanças, e na
própria ação da sociedade, através da estrutura estatal,
condicionados por princípios universais de direitos humanos,
irá consagrar, incentivar e mesmo possibilitar, através dos
seus processos participativos, o ecletismo na sociedade civil e
no próprio Estado, como forma de promover a criação de
resultantes inovadoras e construídas no embate democrático
diário.
7. O Controle
da Constitucionalidade, face aos princípios universais de
direitos humanos.
A
existência de mecanismos eficazes de controle da
constitucionalidade das leis, é de fundamental importância para
a implementação do modelo constitucional e da preservação dos
princípios e regras constitucionais, assim como pela evolução
interpretativa das normas constitucionais.
O
sistema de controle de constitucionalidade das leis e atos dos
poderes do Estado, é elemento, sem o qual, o texto
constitucional torna-se apenas discurso.
Quanto
melhor, amplo e célere for o sistema de controle de
constitucionalidade e quanto mais próxima a população estiver
dos mecanismos de controle da constitucionalidade, maior será a
proximidade do texto constitucional da realidade que esse procura
transformar, e mais próximo da vontade popular estará sua
interpretação. Obviamente, que além de existirem mecanismos
fáceis de acesso da população a este sistema de controle,
necessário será a existência de Poder Judiciário sensível
às indicações que o cidadão aponta para a sua atuação. Esta
afirmativa indicaria que, guardados os princípios universais de
direitos humanos e as regras materiais e processuais
constitucionais, o judiciário deve ser um poder
político-jurídico, que esteja apto a servir a Constituição
democrática, o que implica em atender à população e sua
vontade democraticamente expressa.
De
um judiciário escravo da lei, limitado pelo processo, que muitas
vezes, de garantia de acesso a justiça se transforma em
obstáculo intransponível, para a consecução do direito, o
Estado democrático exige um Judiciário sensível aos
princípios constitucionais e aos valores consagrados na
Constituição, como, também, à vontade popular, condicionada
por estes valores e princípios.
A
Constituição de 1988 estabelece um sistema difuso de controle
de constitucionalidade, combinado com mecanismos de controle
direto, repressivo e preventivo, judicial e político.
O
controle de constitucionalidade das leis pode ser político,
misto, judicial ou por órgãos especiais, com as Cortes ou
Tribunais Constitucionais no modelo europeu.
O
controle judicial é o que ocorre através do pronunciamento de
um ou mais órgãos do Poder Judiciário, enquanto o controle
político é exercido por um órgão de composição política,
fora da estrutura do Judiciário. Desta forma podem existir
órgão dissociados da estrutura do Judiciário, com a
competência por vezes exclusiva e por vezes não, de controlar
política e tecnicamente o respeito aos princípios e regras
constitucionais.
O
controle judicial pode ser difuso ou concentrado. No controle
judicial difuso, todos os órgãos do poder judiciário, desde o
juiz singular de primeira instância, até o Tribunal de superior
instância, que no caso brasileiro será o Supremo Tribunal
Federal, guardião da Constituição, poderão apreciar e decidir
matéria constitucional. Esta manifestação ocorre na análise
de casos concretos, quando os órgãos do Judiciário irão dar
pronunciamentos em situações de presumida violação concreta
de direitos constitucionais.
No
caso do controle difuso, mediante caso concreto, o efeito da
declaração de inconstitucionalidade da norma ofensiva ao
direito da pessoa, será sempre "inter partes"(com
efeito para aqueles que figuram no processo), e "ex
tunc", retroagindo os efeitos da decisão desde o momento
quando, o autor do processo começou a sofrer prejuízos, com a
violação do seu direito. Neste mesmo caso, quando ocorrer que
em grau de recurso a inconstitucionalidade, levantada, no caso
concreto, chegar até o Supremo Tribunal Federal, através de
Recurso Extraordinário, a decisão definitiva do STF implicará
em comunicação ao Senado Federal, para que esse promova a
suspensão da eficácia da norma inconstitucional. Neste caso, o
efeito do controle difuso, mediante caso concreto será para o
autor ou autores no processo o efeito já mencionado, gerando
entretanto, a partir da suspensão da eficácia da norma pelo
Senado, também o efeito "erga omnes", alcançando a
todos que tenham seus direitos violados pela referida norma
inconstitucional, ocorrendo que o efeito para os que não figuram
no processo deverá ser "ex nunc", ou seja, a partir do
momento da suspensão da norma.
E-mail
do autor: [email protected]