O Artigo 59                                                                                                                                                                                              VOLTAR

 

A guerra de bastidores, antes do jogo decisivo, começou já nos vestiários do Morumbi e do Maracanã. Em São Paulo, o dirigente cruzeirense Carmine Furletti avisava: “Estamos fartos de Rufinos e Amaros! Queremos um juiz do gabarito de Armando Marques e Arnaldo Cezar Coelho!”. No Rio, o presidente vascaíno Agathyrno Silva Gomes já manobrava para tentar mudar o local da partida para o Maracanã. A alegação inicial era de que a renda, caso o jogo fosse no Rio de Janeiro, seria muito maior para os dois clubes.

 

Na segunda-feira, dia 29/07, o Vasco entra com um pedido na CBD de alteração do local da partida decisiva do Campeonato Nacional. A alegação agora é jurídica, baseada no Artigo 59 do regulamento do campeonato:

 

“Quando houver tentativa de agressão, por parte do público ou de qualquer dirigente, associado ou empregado das associações locais, ao árbitro, seus auxiliares, dirigentes, empregados ou jogadores da associação visitante, o Departamento de Futebol da CBD reestruturará a tabela do Campeonato, invertendo o mando de três dos jogos subseqüentes da associação local.”

 

Ou seja, o regulamento não deixa dúvidas: a agressão sofrida pelo árbitro do jogo entre Cruzeiro e Vasco, no Mineirão, relatada pelo próprio na súmula, era passível de punição com a perda do mando de campo.

 

Mas além de estar errado, o Cruzeiro ainda se complicou mais quando elaborou sua defesa. Vejam só a absurda tese dos advogados Valed Perry e Paulo Valed Perry:

 

O Artigo existe para ser cumprido automaticamente, independente de qualquer recurso movido pelos clubes prejudicados. Mas não foi aplicado em três jogos (Nacional-AM x Operário; Tiradentes x Atlético-PR; Remo x Paysandu). Por que seria agora? A CBD foi omissa antes, desacreditando seu próprio regulamento e não deveria cumpri-lo agora.

 

Dizendo, em outras palavras, que o regulamento só deveria ser cumprido quando não prejudicasse o Cruzeiro, seus advogados praticamente enterraram qualquer chance de o jogo ser realizado no Mineirão. Ainda assim, de acordo com o Artigo 57, a partida teria que ser adiada até que o Tribunal da CBD decidisse oficialmente se as infrações disciplinares cometidas pelos dirigentes cruzeirenses seriam passíveis de punição.

 

Baseado nisso, o veredicto da CBD foi o seguinte:

 

“A CBD, apreciando os recursos interpostos pelo Vasco e pelo Cruzeiro, quanto ao local da partida final do Campeonato Nacional desse ano, decidiu suspender a realização dessa partida até que a Justiça Desportiva julgue as infrações disciplinares invocadas no apelo do Vasco, uma vez que a caracterização da existência ou não daquelas infrações, de competência exclusiva da Justiça Desportiva, constituir-se-á em fator preponderante para que a controvérsia seja dirimida.”

 

O presidente da Federação Mineira, Canor Simões Coelho, considerou que “foi uma decisão justa. Os dirigentes do Cruzeiro gostaram do resultado”. Só por aí já se anula qualquer tipo de acusação de favorecimento ao Vasco pela CBD. Mas, não satisfeito, o Cruzeiro quis dar mais razão ainda à causa vascaína. Gananciosos (também estavam de olho na renda gorda de uma partida no Maracanã) e arrogantes, os cartolas mineiros consideravam o time do Cruzeiro tão superior ao do Vasco, que a vitória viria onde quer que fosse realizado o jogo. Por isso nem quiseram esperar julgamento. Mandaram representantes ao Rio e, já na terça-feira, entraram em acordo com a CBD e os dirigentes do Vasco para que a partida fosse realizada no Maracanã, na quinta-feira à noite, dia 01/08.

 

Ninguém levava fé no Vasco

 

Logo após o fim da partida entre Vasco e Internacional, o jogador colorado Luis Carlos foi lacônico: “esse time do Vasco é apenas regular. O Cruzeiro vencerá fácil o jogo decisivo”. Os próprios jogadores vascaínos se mostravam abatidos após deixarem uma vitória certa escapar naquele 2 x 2. Mas a descrença geral, somada à arrogância dos mineiros, que chegaram a dizer que o Vasco era um time de cabeças-de-bagre, injetou ânimo na equipe.

 

Em O GLOBO de 01/08, dia da decisão, o matemático Oswald de Souza, sabe-se lá baseado em quê, dava ao Cruzeiro 50% de chances de vitória contra apenas 20% do Vasco.

 

Uma guerra de nervos

 

A partida decisiva começou com 25 minutos de atraso. Tudo porque nenhuma das equipes queria entrar primeiro no gramado. Acabaram entrando juntas. Muito nervosismo e domínio cruzeirense nos primeiros minutos. O Vasco ameaçava em contra-ataques. Num deles surgiu uma falta que Zanata cobrou para a entrada da área. Fidélis chegou batendo, a bola parou na zaga cruzeirense e sobrou dentro da área para Ademir chutar esquisito, de bico, perna esquerda, no canto direito do goleiro. O inesperado começava a acontecer: Vasco 1 x 0.

 

O gol deu segurança ao Vasco, que dominava a partida e exercia boa marcação sobre os jogadores mais habilidosos do Cruzeiro. Aos 27 minutos, o segundo gol chegou a sair, mas o árbitro Armando Marques, escolhido com a benção do Cruzeiro, anulou o gol, pois o bandeirinha marcara impedimento. A primeira etapa acabou e o Vasco estava na frente.

 

Veio o segundo tempo e o bom toque de bola dos mineiros começou a destrinchar espaços na forte marcação vascaína. O goleiro Andrada sentiu uma fisgada na coxa, o que preocupou ainda mais os vascaínos. Talvez por isso o arqueiro argentino não tenha alcançado o petardo disparado pelo lateral Nelinho, do bico da grande área, empatando o jogo aos 19 minutos.

 

Temia-se que o Vasco sentisse o empate como no jogo contra o Internacional. Mas dessa vez foi ao contrário, a equipe se agigantou no momento de dificuldade. Foi facilitada pelo avanço do Cruzeiro, que foi todo a frente em busca do gol da virada. Aos 36 minutos Alcir aproveitou que a zaga mineira estava adiantada e meteu bola em profundidade para Jorginho Carvoeiro. O vascaíno dividiu a bola com o goleiro cruzeirense, levou a melhor e tocou para o gol vazio. Foi a senha para a galera vascaína explodir nas arquibancadas! Vasco 2 x 1, faltando menos de dez minutos para o fim do jogo.

 

O Cruzeiro, é lógico, veio para cima. O Vasco suportava bem a pressão. No último minuto, um lance polêmico: bola alçada na direita, Nelinho ganhou de Alfinete e cruzou para Zé Carlos completar para as redes. O árbitro Armando Marques, no entanto, marca infração de Nelinho antes de a bola ser cruzada. Os cruzeirenses reclamam do juiz que eles mesmos fizeram questão de que fosse escalado para a partida. O fato é que, para ganhar a a bola de Alfinete, Nelinho entrou solando. Essa foi a interpretação do árbitro, tanto que Marques apita a infração no momento em que o lateral mineiro divide com o jogador do Vasco. O desenrolar do lance, com o cruzamento e a cabeçada de Zé Carlos, já se dá com a partida paralisada.

 

Logo depois veio o fim da partida e a festa vascaína. O Vasco se sagrava Campeão Nacional, o primeiro clube carioca a conquistar tal feito. Na comemoração, o atacante Luis Carlos foi até a entrada do túnel onde estava o dirigente Carmine Furletti e atirou sua camisa cruzmaltina no vice-presidente do Cruzeiro. Era a resposta daquele grupo de jogadores desacreditados, chamados de cabeças-de-bagre pelo adversário, mas que mostraram que, no futebol, ninguém é campeão de véspera.

 

No dia seguinte, São Januário amanheceu com uma faixa: “Vasco primeiro campeão nacional da GB”. Este é um título que nunca vão poder tirar do Gigante da Colina.

 

 

 

FONTES DE PESQUISA: O GLOBO, Jornal dos Sports.

 

Responsável pelo site: Leandro Cerqueira ([email protected]).

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