Reportagem na Ilha Anchieta

Escreveu: Leda Galvão de Avellar Pires

 

Relógio solar na Ilha Anchieta. As sombras das estacas marcam as horas.

Em segundo plano, ruínas do presídio da ilha, incendiado durante uma revolta de presos. Hoje ele é museu e pode ser visitado.

 

 

 

Ilha Anchieta

Durante o século XVI, a Ilha Anchieta era conhecida como Terra de Cunhambebe em referência ao cacique líder da Confederação dos Tamoios. Do século XII ao XIX, foi ocupada por pequenos plantios de cana-de-açúcar e café, servindo como base naval para navios portugueses.

No século XX, ela foi transformada em presídio e sofreu várias modificações: em 1907 o governo criou a Colônia Correcional da Ilha dos Porcos, e, na década de 30, a transformou em presídio político. No dia 19 de março de 1934 atendendo à população de Santos, a Ilha dos Porcos passou a se chamar Anchieta.


O Levante

No dia 20 de junho de 1952, cento e quinze detentos sairam para o corte de lenha no Morro do Papagaio, parte central da ilha. Ao retornar para o presídio, um deles pediu ao guarda que lhe acendesse o cigarro. Ao fazê-lo, o detento abraçou-o fortemente e, matando-o, retirou-lhe o uniforme vestindo-o em seguida. Era o primeiro passo para a execução de um plano de fuga e tentativa de conquista da liberdade.

Foto: As jornalistas Leda e irmã Lelis (Ordem Carlista), dirigem-se de escuna à Ilha Anchieta para fazer reportagem fotográfica à convite do Governo do Estado de São Paulo, em setembro de 1998.

Continuando a marcha em direção ao presídio, os soldados que iam sendo encontrados pelas trilhas da ilha eram amordaçados e executados. O próximo objetivo dos detentos foi invadir o quartel, arrombar a Casa de Armas e incendiar o casario. Os presos não hesitavam em atirar e a morte e as labaredas tomaram conta da vila. Os amotinados aguardaram depois um veleiro que deveria vir trazer mantimentos. Em vão, pois o piloto do veleiro, ao ouvir os tiros, retornou para o continente já prevendo que algo errado estava acontecendo. Desesperados, os detentos, ao ver que o plano falhara, se atiraram no mar tentando nadar até o continente ou se esconderam na mata. Nove dias após o levante, a Secretaria de Segurança Pública divulgou o balanço do acontecimento: dos quatrocentos e cinqüenta e três sentenciados, oitenta foram presos no Carandiru, oito na Cadeia Pública de Cunha e um em Parati. Quinze foram mortos, e os demais desapareceram no mar.


E no relógio de sol...

... e no Relógio de Sol da Ilha dos Porcos
a sombra marca as horas
enquanto outras sombras inquietas
movem-se dentro das celas do presídio
a imaginar vinganças e a sonhar
que, livres das algemas,
a vida plena e a liberdade virão ao seu encontro.

... E no Relógio de Sol da Ilha dos Porcos
a sombra marca as horas...
e o mar ali tão perto, a escuna a balançar por sobre as ondas,ondas que quebram na praia e que levam para dentro do oceano
mensagens mescladas de ódio e de esperança...

... E no Relógio de Sol da Ilha dos Porcos
a sombra marca as horas...
e o vento que assobia entre as folhas dos coqueiros
leva pra longe o horror das solitárias, os gritos, os lamentos,
a fome e a sede dos detentos que, lentamente, se transformam em animais.

... E no Relógio de Sol da Ilha dos Porcos
a sombra marca as horas
e o momento de revolta que transforma o verde da floresta
no vermelho do sangue dos corpos lacerados
e no vermelho alaranjado das chamas que sobem do presídio...

... E no Relógio de Sol da Ilha dos Porcos, hoje, Anchieta,
a sombra marca as horas...
e o vento e o mar levam os gritos de alegria dos turistas
que passeiam livremente pelas trilhas e visitam apenas curiosos,
as ruínas, as paredes silenciosas, calcinadas, das celas hoje vazias...

... E no Relógio de Sol da Ilha Anchieta
a sombra marca as horas
dos que a amam e cuidam dela com carinho.
Mas, na noite escura, os que sabem ouvir além de seus sentidos,
ainda ouvem junto ao marulhar das ondas, os ecos dos gemidos...

A autora com uma equipe de jornalistas e fotógrafos que trabalharam na ilha.

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