capote

Lenucha

O Capote

O homem do tempo anunciava "bom tempo no norte do estado"

Com essa perspectiva, guiada por minha prefer�ncia pessoal (e de toda a natureza, creio) sa� � cata do guarda-chuva, das galochas que n�o tenho e de minha capa alem�, de gabardina, que um algu�m me dissera ter velejado na riviera Italiana com uma semelhante, ao que engoli em seco, os olhos quase fora das �rbitas e, com as faces discretamente rubras, engolipei, com a n�o-saliva, a suspeita de serem a mesma roupa, ressalvadas as posi��es geogr�ficas das prov�veis possibilidades de origem, pois que a minha havia sido comprada em uma modesta loja de artigos importados, por verdadeira pechincha, aqui mesmo na minha cidadezinha bem brasileira. Conferi uma, duas, tr�s vezes a etiqueta. Estava l� o made in Germany . N�o precisou de nada mais que isso para que a d�vida pequeno-burguesa instalasse uma outra suspeita: a de que a loja de importados fosse, na verdade, um brech�! Nada contra brech�s, ou melhor, quase nada. Mas, confesso que n�o passou em brancas nuvens aquela intui��o tipicamente brasileira do ter sido enganado e, impotente ao que n�o pode ser mudado, achar gra�a e divagar amenamente sobre o fato: por onde j� andara aquele capote de origem t�o duvidosa e a que axilas abrigou t�o intimamente? "

Voltei a examinar a dita vestimenta, agora com um desvelo quase cient�fico, em busca de alguma evid�ncia que me fizesse decidir entre a camuflada sensa��o de asco, pelo contato das axilas, e o dissimulado ar de nobreza, pelos perdigotos do mar italiano. J� n�o me sentia mais � vontade ao contato com aquele tecido, por assim dizer, ap�trida. Meu tato j� n�o discernia entre uma textura pu�da e uma maciez produzida � uma seda chinesa e a nossa chita fariam o mesmo efeito aos meus dedos desconfiados e aos meus olhos desiludidos. Estes meus dois sentidos j� estavam comprometidos pelo germe da d�vida e os demais, julgava-os completamente in�teis para a finalidade

Acho que o pr�ximo par�grafo vou at� escrever entre par�nteses para o leitor considerar como sussurro, afinal o que tenho a dizer � uma confiss�o, de car�ter �ntimo. � dif�cil revelar uma quase insanidade, principalmente quando � a nossa pr�pria; h� muita coisa envolvida nisso: desprendimento, naturalidade, sinceridade acima de tudo; "de tudo" n�o sei, mas h� que se superar o orgulho, a vaidade, o brio, enfim, o amor-pr�prio e a autocensura (eu disse "auto", quanto mais a alheia!).

Bem, espero que depois desta prele��o, o leitor seja condescendente e nem perceba que estou rodeando o assunto, o popular "enchendo ling�i�a", at� criar coragem de dizer que... como direi... que eu conversei com a capa! �. Isso mesmo! Falei com ela; em italiano � perch� non parla? � e depois arrisquei um macarr�nico sprechen! e at� em bom mineiro: proseia, diacho!...

Pronto, este par�grafo j� foi! Continuemos com a tentativa de remiss�o!

Impulsionada pela necessidade de definir , al�m da proced�ncia, entre as duas possibilidades conflitantes, a do bodum das axilas e a da maresia italiana, foi ent�o que resolvi... cheirar a capa! Claro que n�o fui direto aos poss�veis focos maiores do odor. Tudo foi preambulado por um crit�rio de exclus�o, do mais puro racioc�nio dedutivo: um indiv�duo sentado ou em p�, num veleiro, o mar, italiano ou n�o, haveria de lhe atingir, com respingos, o primeiro ter�o inferior da roupa; com mais chance a bainha, se sentado. Come�aria ent�o, a farejar desse ponto! Ali � que o mar, com sua brisa �mida, deixaria sua acusadora fragr�ncia. Ali estariam seus vest�gios, de suas algas, de seus peixes, de seus frutos, de seu sal!... Sal?! N�o e n�o! N�o hei de lamber!...

E foi diante da possibilidade dessa extremada compuls�o que ergui meus olhos para o c�u. E l� estava o sol a exibir seu brilho, sua entropia!

...era a previs�o, ao senso comum, do homem do tempo que se cumpria!

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