AKJ: Almeida-1753 compatibilizada com a KJB-1611, com grafia e gramática inspiradas na ACF-1995  

LIVRO DE
Capítulos 21-31


Capítulo 21
1 Respondeu, porém, Jó, dizendo:
2 Ouvi atentamente as minhas palavras; e isto vos sirva de consolação.
3 Suportai-me, e eu falarei; e havendo eu falado, zombai.
4 Porventura eu me queixo a algum homem? Porém, ainda que assim fosse, por que não se angustiaria o meu espírito?
5 Olhai para mim, e pasmai; e ponde a vossa mão sobre a vossa boca.
6 Porque, quando me lembro disto me perturbo, e tremor se apodera da minha carne.
7 Por que razão vivem os ímpios, envelhecem, e ainda se robustecem em poder?
8 A sua semente se estabelece com eles perante a sua face; e os seus descendentes perante os seus olhos.
9 As suas casas têm paz, sem temor; e a vara de Deus não está sobre eles.
10 O seu touro gera, e não falha; pare a sua vaca, e não aborta.
11 Fazem sair as suas crianças, como a um rebanho, e seus filhos dão pinotes de alegria. {* Note que " râqad" não pode ser dança sensual, pois é a mesma palavra usada para os pulos dos bodes barbudos, em Is 13:21! E os pinotes dos bodes são muito diferentes dos requebros dos John Travolta's e Madona's que querem sutilmente se introduzir nas nossas igrejas.}
12 Levantam a voz, ao som do tamboril e da harpa, e alegram-se ao som do órgão.
13 Na prosperidade gastam os seus dias, e num momento descem à sepultura.
14 E, todavia, dizem a Deus: Retira-Te de nós; porque não desejamos ter conhecimento dos Teus caminhos.
15 Quem é o Todo-Poderoso, para que nós O sirvamos? E que nos aproveitará que Lhe façamos orações?
16 Vede, porém, que o bem deles não está nas suas mãos; esteja longe de mim o conselho dos ímpios!
17 Quantas vezes sucede que se apaga a lâmpada dos ímpios, e quantas vezes lhes sobrevém a sua destruição? E Deus na Sua ira lhes reparte dores!
18 Porque são como a palha diante do vento, e como a pragana {*} que o redemoinho arrebata. {* "Pragana" = barba das espigas de cereais, particularmente quando está solta como pó, depois deles serem trilhados}
19 Deus armazena a violência do ímpio para seus filhos, e dá-lhe o pago, para que conheça isto.
20 Seus olhos verão a sua ruína, e ele beberá do furor do Todo-Poderoso.
21 Por que, que prazer teria ele na sua casa depois de si, quando o número dos seus meses é cortado no meio?
22 Porventura a Deus se ensinaria ciência, a Ele que julga os que estão elevados?
23 Um morre ainda estando na inteireza- completude de sua força, e estando inteiramente sossegado e tranqüilo.
24 Com seus seios cheios de gordura, e os seus ossos umedecidos de tutano.
25 E outro, ao contrário, morre na amargura da sua alma, não havendo comido do bem.
26 Juntamente jazem no pó, e os vermes os cobrem.
27 Eis que conheço bem os vossos pensamentos; e os maus intentos com que injustamente me fazeis violência.
28 Porque direis: Onde está a casa do príncipe, e onde está a tenda em que moravam os ímpios?
29 Porventura não perguntastes aos que passam pelo caminho, e não conheceis os seus sinais,
30 Que o homem mau é preservado para o dia da destruição? Eles são trazidos à frente no dia do furor.
31 Quem acusará diante do seu rosto o seu caminho, e quem lhe dará o pago do que faz?
32 Finalmente é levado à sepultura, e sobre o seu túmulo uma vigília é guardada.
33 Os torrões do vale lhe são doces, e todos os homens seguirão após ele, assim como não têm número os que existiram antes dele.
34 Como, pois, me consolais em vão? Pois nas vossas respostas ainda resta falsidade.

Capítulo 22
1 Então respondeu Elifaz, o temanita, dizendo:
2 Porventura será o homem de algum proveito a Deus? Antes o prudente será proveitoso a si mesmo.
3 Ou tem o Todo-Poderoso prazer em que tu sejas justo, ou algum lucro em que tu faças perfeitos os teus caminhos?
4 Ou te repreende, pelo temor que tem de ti, ou entra contigo em juízo?
5 Porventura não é grande a tua maldade, e sem limite as tuas iniqüidades?
6 Porque sem causa penhoraste a teus irmãos, e aos nus despojaste as vestes.
7 Não deste ao cansado água a beber, e ao faminto retiveste o pão.
8 Mas para o homem de poderoso braço era a terra, e o homem tido em respeito habitava nela.
9 As viúvas despediste vazias, e os braços dos órfãos foram quebrados.
10 Por isso é que estás cercado de laços, e te perturba um pavor repentino,
11 Ou trevas em que nada vês, e a abundância de águas que te cobre
.
12 Porventura Deus não está na altura do céU? Olha para a altura das estrelas; quão elevadas estão.
13 E dizes: Que sabe Deus disto? Porventura julgará Ele através da escuridão?
14 As densas nuvens são esconderijo para Ele, para que não veja; e passeia pelo circuito do céU.
15 Porventura queres guardar a vereda antiga, que pisaram os homens iníquos?
16 Eles foram arrebatados antes do seu tempo; sobre o seu fundamento um dilúvio se derramou.
17 Diziam a Deus: Retira-te de nós. E: Que pode o Todo-Poderoso fazer por eles?
18 Contudo Ele encheu de bens as suas casas; mas o conselho dos ímpios esteja longe de mim.
19 Os justos vêem isto e se alegram, e o inocente escarnece deles.
20 Dizendo: Na verdade, o nosso adversário não foi destruído, mas o fogo consumiu o que restou deles.
21 Apega-te, pois, a Ele, e tem paz, e assim te sobrevirá o bem.
22 Aceita, peço-te, a lei da Sua boca, e empilha as Suas palavras no teu coração.
23 Se te voltares ao Todo-Poderoso, serás edificado; afastarás a iniqüidade da tua tenda,
24 Então empilharás ouro como se fosse pó, e o ouro de Ofir como as pedras dos ribeiros,
25 Então o Todo-Poderoso será a tua defesa, e terás prata a montões.
26 Porque então te deleitarás no Todo-Poderoso, e levantarás o teu rosto para Deus.
27 Orarás a Ele, e Ele te ouvirá, e pagarás os teus votos.
28 Determinarás tu algum negócio, e ser-te-á firme, e a luz brilhará em teus caminhos.
29 Quando os homens forem humilhados, então tu dirás: Haja erguimento! E Deus salvará ao de olhos humildes.
30 E livrará a ilha do inocente; ela será libertada pela pureza de tuas mãos.

Capítulo 23
1 Respondeu, porém, Jó, dizendo:
2 Ainda hoje a minha queixa está em amargura; a minha mão pesa por causa do meu gemido.
3 Ah, se eu soubesse onde O poderia achar! Então me chegaria ao Seu tribunal.
4 Ante Ele disporia em ordenada linha de batalha a minha causa, e a minha boca encheria de argumentos.
5 Saberia as palavras com que Ele me responderia, e entenderia o que me dissesse.
6 Porventura segundo a grandeza de Seu poder contenderia contra mim? Não: Ele antes poria força em mim.
7 Ali o reto pleitearia com Ele, e eu me livraria para sempre do meu Juiz.
8 Eis que se vou para frente, ali não está; se torno atrás, não O percebo.
9 Se opera à esquerda, não O vejo; se Se encobre à direita, não O diviso.
10 Porém Ele sabe o meu caminho; provando-me Ele, sairei como o ouro.
11 Nas Suas pisadas os meus pés se afirmaram; guardei o Seu caminho, e não me desviei disto.
12 Do preceito de Seus lábios nunca me apartei, e as palavras da Sua boca guardei mais do que a comida a mim designada.
13 Mas Ele está com uma mente (determinada), e quem então O desviará? O que a Sua alma quiser, isso fará.
14 Porque cumprirá o que está ordenado a meu respeito, e muitas coisas como estas ainda tem conSigo.
15 Por isso me perturbo perante Ele, e quando isto considero, temo-O.
16 Porque Deus tornou o meu coração fraco, e o Todo-Poderoso me perturbou.
17 Porquanto não fui desarraigado diante das trevas, e nem encobriu a escuridão para longe do meu rosto.

Capítulo 24
1 Visto que do Todo-Poderoso não se encobriram os tempos, por que, os que O conhecem, não vêem os Seus dias?
2 Até os marcos- limite removem; com violência roubam os rebanhos, e os apascentam.
3 Do órfão levam o jumento; tomam em penhor o boi da viúva.
4 Desviam os necessitados para fora do caminho ; e os pobres da terra juntos se escondem deles.
5 Eis que, como jumentos monteses no deserto, saem à sua obra, madrugando para a presa; o campo aberto mantimento a eles e aos seus filhos.
6 No campo ceifam o seu pasto, e vindimam a vinha do ímpio.
7 Ao nu fazem passar a noite sem roupa, não tendo ele coberta contra o frio.
8 Pelas chuvas das montanhas são molhados e, não tendo refúgio, abraçam-se com as rochas.
9 Ao orfãozinho arrancam dos peitos, e tomam o penhor do pobre.
10 Fazem com que os nus vão sem roupa e aos famintos tiram as espigas.
11 Dentro das suas paredes espremem o azeite; pisam os lagares, e ainda têm sede.
12 Desde as cidades gemem os homens, e a alma dos feridos exclama, e contudo Deus lhes não imputa isto como loucura.
13 Eles estão entre os que se opõem à luz; não conhecem os Seus caminhos, e não permanecem nas Suas veredas.
14 De madrugada se levanta o homicida, mata o pobre e necessitado, e de noite é como o ladrão.
15 Assim como o olho do adúltero aguarda a pouquíssima luz do crepúsculo, dizendo: Não me verá olho nenhum; e oculta o rosto,
16 Nas trevas minam as casas, que de dia marcaram para si mesmos; não conhecem a luz.
17 Porque a manhã para todos eles é como sombra de morte; pois, sendo reconhecidos, sentem os pavores da sombra da morte.
18 É ligeiro sobre a superfície das águas; maldita é a sua porção sobre a terra; não se volta para o caminho das vinhas.
19 A secura e o calor desfazem as águas da neve; assim o inferno {*} desfará aos que pecaram. {* Ao morrerem, antes da ascensão de Cristo, os salvos iam imediatamente para a metade do inferno que ficava protegida das chamas (compare Dan 3:19-27; Luc 16:19-31). Para os perdidos, Sheol sempre tem que ser traduzido para INFERNO de sofrimento eterno e consciente, para onde eles sempre foram e vão}
20 A madre se esquecerá dele, os vermes o comerão gostosamente; nunca mais haverá lembrança dele; e a iniqüidade se quebrará como uma árvore.
21 Aflige à estéril que não dá à luz, e à viúva não faz bem.
22 Até aos poderosos arrasta com a Sua força; se Ele se levanta, não há vida segura.
23 Se Deus lhes dá segurança, estribam-se nisso; Seus olhos porém estão nos caminhos deles.
24 Por um pouco se exaltam, e logo desaparecem; são abatidos, são retirados para fora do caminho como todos os demais; e cortados fora como as cabeças das espigas.
25 Se agora não é assim, quem me porá como mentiroso e transformará as minhas palavras em nada?

Capítulo 25
1 Então respondeu Bildade, o suíta, e disse:
2 Com Ele estão domínio e temor; Ele faz paz nas Suas alturas.
3 Porventura têm número as Suas tropas? E sobre quem não se levanta a Sua luz?
4 Como, pois, seria justificado o homem para com Deus, e como seria puro aquele que nasce de mulher?
5 Eis que até a lua não resplandece, e as estrelas não são puras aos Seus olhos.
6 E quanto menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é um vermezinho!

Capítulo 26
1 Jó, porém, respondeu, dizendo:
2 Como ajudaste aquele que não tinha força, e preservaste o braço que não tinha vigor?
3 Como aconselhaste aquele que não tinha sabedoria, e plenamente lhe declaraste as coisas, assim como são?
4 A quem proferiste palavras, e de quem é o espírito que saiu de ti?
5 As almas dos mortos tremem debaixo das águas, com os seus habitantes.
6 O inferno está nu perante Ele, e não há cobertura para a destruição.
7 O norte estende sobre o vazio; e suspende a terra sobre o nada.
8 Prende as águas nas Suas densas nuvens, todavia a nuvem não se rasga debaixo delas.
9 Encobre a face do Seu trono, e sobre isto estende a Sua nuvem.
10 Traçou um círculo limite para a face das águas com mandamentos, até que o dia e a noite cheguem a um fim.
11 As colunas do céu tremem, e se espantam da Sua ameaça.
12 Com a Sua força fende o mar, e com o Seu entendimento abate o soberbo.
13 Pelo Seu Espírito ornou os céus; a Sua mão formou a serpente enroscadiça.
14 Eis que isto são apenas as orlas dos Seus caminhos; e quão pouco é a palavra que temos ouvido dEle! Quem, pois, entenderia o trovão do Seu poder?

Capítulo 27
1 E prosseguindo Jó em seu discurso, disse:
2 Vive Deus, que desviou o meu julgamento, e o Todo-Poderoso, que amargurou a minha alma.
3 Que, enquanto em mim houver alento, e o sopro de Deus nas minhas narinas,
4 Não falarão os meus lábios iniqüidade, nem a minha língua pronunciará engano.
5 Longe de mim que eu vos justifique; até que eu expire, nunca apartarei de mim a minha integridade.
6 A minha justiça me apegarei e não a largarei; não me reprovará o meu coração em toda a minha vida.
7 Seja como o ímpio o meu inimigo, e como o perverso o que se levantar contra mim.
8 Porque qual será a esperança do hipócrita, embora tenha desonesta- violentamente ganhado, quando Deus lhe arrancar a sua alma?
9 Porventura Deus ouvirá o seu clamor, sobrevindo-lhe a tribulação?
10 Deleitar-se-á ele no Todo-Poderoso, ou invocará a Deus em todo o tempo?
11 Ensinar-vos-ei acerca da mão de Deus, e não vos encobrirei o que está com o Todo-Poderoso.
12 Eis que todos vós vistes isto; por que, pois, sois completamente vãos?
13 Esta, pois, é a porção do homem ímpio da parte de Deus, e a herança que os terrificadores receberão do Todo-Poderoso.
14 Se os seus filhos se multiplicarem, será para a espada, e a sua prole não se saciará de pão.
15 Os que ficarem dele, na morte serão enterrados, e as suas viúvas não o chorarão.
16 Se amontoar prata como pó, e aparelhar roupas como argila molhada,
17 Ele as aparelhará, porém o justo as vestirá, e o inocente repartirá a prata.
18 E edificará a sua casa como a traça, e como a cabana que o guarda faz.
19 Rico se deita, e não será recolhido; abre os seus olhos, e ele não será.
20 Pavores se apoderam dele como águas; de noite o arrebata a tempestade.
21 O vento oriental leva-o, e ele se vai; e, como uma tempestade, varre-o com ímpeto do seu lugar.
22 E Deus lançará isto sobre ele, e não o poupará; diligentemente foge da sua mão.
23 Cada homem baterá as suas palmas (em desagrado) contra ele e assobiará de escárnio, tirando-o para fora do seu lugar.

Capítulo 28
1 Na verdade, há veios de onde se extrai a prata, e lugar onde se refina o ouro.
2 O ferro tira-se da terra, e da pedra se funde o cobre.
3 Ele (o homem) põe fim às trevas, e esquadrinha toda a perfeição: as pedras da escuridão e a sombra da morte.
4 Parte a enchente de junto do habitante, mesmo as águas esquecidas pelo pé (por serem profundas). Elas são secadas, elas se foram dos homens. {* "nah-ghal" deve ser traduzida como "enchente" (Sl 18:4, 74:15). "Poço de mina" é mera conjectura}
5 Da terra procede o pão, mas por baixo é revolvida como por fogo.
6 As suas pedras são o lugar da safira, e tem pó de ouro.
7 Essa vereda a ave de rapina a ignora, e não a viram os olhos da gralha.
8 Nunca a pisaram filhos de majestosos animais selvagens, nem o feroz leão passou por ela.
9 Ele (o homem) estende a sua mão contra o rochedo (de pederneira), e revolve os montes desde as suas raízes.
10 Entre as rochas ele tem aberto caminhos para rios, e o seu olho vê tudo o que há de precioso.
11 Os rios ele tapa, e nem uma gota sai deles, e tira à luz o que estava escondido.
12 Porém onde se achará a sabedoria, e onde está o lugar do entendimento?
13 O homem não conhece o valor dela, e nem ela se acha na terra dos viventes.
14 O abismo diz: Não está em mim; e o mar diz: Ela não está comigo.
15 Não se dará por ela ouro fino, nem se pesará prata em troca dela.
16 Nem se a pode avaliar pelo ouro fino de Ofir, nem pelo precioso ônix, nem pela safira.
17 Com ela não se pode comparar o ouro nem o cristal; nem se trocará por jóia de ouro fino.
18 Não se fará menção de coral nem de pérolas; porque a aquisição da sabedoria é melhor que o dos rubis.
19 Não se lhe igualará o topázio da Etiópia, nem se pode avaliar por ouro puro.
20 Donde, pois, vem a sabedoria, e onde está o lugar do entendimento?
21 Pois está encoberta aos olhos de todo o vivente, e oculta às aves do ar.
22 A destruição e a morte dizem: Ouvimos com os nossos ouvidos a sua fama.
23 Deus entende o caminho dela, e Ele sabe o seu lugar.
24 Porque Ele vê as extremidades da terra; e vê tudo o que há debaixo do céU.
25 Quando deu peso ao vento, e tomou a medida das águas;
26 Quando prescreveu leis para a chuva e caminho para o relâmpago dos trovões;
27 Então a viu e a manifestou; estabeleceu-a, e também a esquadrinhou.
28 E disse ao homem: Eis que o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é o entendimento.

Capítulo 29
1 E prosseguiu Jó no seu discurso, dizendo:
2 Ah! Quem me dera ser como eu fui nos meses passados, como nos dias em que Deus me preservava!
3 Quando fazia resplandecer a Sua lâmpada sobre a minha cabeça e quando eu pela Sua luz caminhava pelas trevas.
4 Como fui nos dias da minha mocidade, quando o segredo de Deus estava sobre a minha tenda;
5 Quando o Todo-Poderoso ainda estava comigo, e os meus filhos em redor de mim.
6 Quando lavava os meus passos na manteiga, e da rocha me corriam ribeiros de azeite;
7 Quando eu saía para a porta, através da cidade, e na rua fazia preparar a minha cadeira,
8 Os moços me viam, e se escondiam, e até os idosos se levantavam e se punham em pé;
9 Os príncipes continham as suas palavras, e punham a mão sobre a sua boca;
10 A voz dos nobres se calava, e a sua língua apegava-se ao seu palato.
11 Ouvindo-me algum ouvido, me tinha por bem-aventurado; vendo-me algum olho, dava testemunho de mim;
12 Porque eu livrava o pobre, que clamava, como também o órfão, e aquele que não tinha quem o socorresse.
13 A bênção do que estava prestes a perecer vinha sobre mim, e eu fazia que cantasse- retumbando- de- júbilo o coração da viúva.
14 Vestia-me da justiça, e ela me servia de vestimenta; como manto e diadema era a minha justiça.
15 Eu me fazia de olhos para o cego, e de pés para o coxo.
16 Dos necessitados era pai, e as causas de que eu não tinha conhecimento inquiria com diligência.
17 E quebrava os queixos do perverso, e dos seus dentes tirava a presa.
18 E dizia: No meu ninho expirarei, e multiplicarei os meus dias como a areia.
19 A minha raiz se estendia junto às águas, e o orvalho repousava toda a noite sobre os meus ramos;
20 A minha honra se renovava em mim, e o meu arco se reforçava na minha mão.
21 Ouviam-me e esperavam, e em silêncio atendiam ao meu conselho.
22 Depois da minhas palavras, não replicavam, e minhas razões gotejavam (como orvalho) sobre eles;
23 Porque me esperavam, como à chuva; e escancaravam a sua boca, como à chuva tardia.
24 Eu sorria para eles quando ainda não tinham confiança, e a luz do meu rosto não faziam abater;
25 Eu escolhia o caminho para eles, assentava-me como chefe, e habitava como rei entre as suas tropas; como aquele que consola os que choram- lamentando- em -luto.

Capítulo 30
1 Agora, porém, se riem de mim os de menos idade do que eu, cujos pais eu teria desdenhado de pôr com os cães do meu rebanho.
2 De que também me serviria a força das mãos daqueles, cujo vigor se tinha esgotado?
3 De míngua e fome se debilitaram; e recolhiam-se para os lugares secos, desde muito assolados e desertos.
4 Apanhavam malvas junto aos arbustos, e o seu mantimento eram as raízes dos zimbros.
5 Do meio dos homens eram expulsos, e gritavam contra eles, como contra o ladrão;
6 Para habitarem nos barrancos dos vales, e nas cavernas da terra e das rochas.
7 Bramavam entre os arbustos, e ajuntavam-se debaixo das urtigas.
8 Eram filhos de doidos, e filhos de gente sem nome, e da terra foram expulsos.
9 Agora, porém, sou a sua canção, e lhes sirvo de provérbio.
10 Abominam-me, e fogem para longe de mim, e no meu rosto não se privam de cuspir.
11 Porque Deus desatou a minha corda, e me afligiu, por isso sacudiram de si o freio perante o meu rosto.
12 À direita se levantam os moços; empurram os meus pés, e erguem contra mim os caminhos de sua destruição.
13 Desbaratam-me o caminho; promovem a minha calamidade; mesmo sem ninguém os ajudar.
14 Vêm contra mim como um grande rompimento de águas, e revolvem-se entre a assolação.
15 Sobrevieram-me pavores; como vento perseguem a minha honra, e como nuvem passou a minha felicidade.
16 E agora derrama-se em mim a minha alma; os dias da aflição se apoderaram de mim.
17 De noite se me traspassam os meus ossos, e os meus tendões não têm descanso.
18 Pela grande força do meu mal está desfigurada a minha veste, que, como a gola da minha túnica, me cinge.
19 Ele (Deus) me lançou na lama, e tornei-me semelhante ao pó e à cinza.
20 Clamo a Ti, porém, Tu não me atendes; estou em pé, porém, para mim não atentas.
21 Tornaste-Te cruel contra mim; com a força da Tua mão Te opões a mim.
22 Levantas-me sobre o vento, fazes-me cavalgar sobre ele, e derretes-me o ser.
23 Porque eu sei que me levarás à morte e à casa do ajuntamento determinada a todos os viventes.
24 Porém não estenderá a mão para o túmulo, ainda que eles clamem na sua destruição.
25 Porventura não chorei sobre aquele que estava aflito, ou não se angustiou a minha alma pelo necessitado?
26 Todavia aguardando eu o bem, então me veio o mal, e esperando eu a luz, veio a escuridão.
27 As minhas entranhas fervem e não estão quietas; dias da aflição chegam antes- e- diante de mim.
28 Ando lamentando sombriamente, sem a luz do sol; levantando-me na congregação, clamo por socorro.
29 Irmão me fiz dos dragões, e companheiro dos avestruzes.
30 Enegreceu-se a minha pele sobre mim, e os meus ossos estão queimados do calor.
31 A minha harpa se tornou em choro- lamentação- de- luto, e o meu órgão em voz dos que choram.

Capítulo 31
1 Fiz aliança com os meus olhos; como, pois, os fixaria numa virgem?
2 Que porção teria eu do Deus lá de cima, ou que herança do Todo-Poderoso desde as alturas?
3 Porventura não é a perdição para o perverso, e a punição de desterro para os que praticam iniqüidade?
4 Ou não vê Ele os meus caminhos, e não conta todos os meus passos?
5 Se andei com falsidade, e se o meu pé se apressou para o engano
6 (Pese-me em balanças fiéis, e saberá Deus a minha integridade),
7 Se os meus passos se desviaram do caminho, e se o meu coração anda após os meus olhos, e se às minhas mãos se achegou- e- aderiu qualquer mancha,
8 Então semeie eu e outro coma, e seja a minha semente arrancada até à raiz.
9 Se o meu coração se deixou seduzir por uma mulher, ou se eu armei traições à porta do meu próximo,
10 Então moa minha esposa para outro, e outros se encurvem sobre ela,
11 Porque isto é um crime hediondo, e é delito a ser punido pelos juízes.
12 Porque é fogo que consome até à destruição, e desarraigaria toda a minha renda.
13 Se desprezei o direito do meu servo ou da minha serva, quando eles contendiam comigo;
14 Então que faria eu quando Deus Se levantasse? E, inquirindo Ele a causa, que Lhe responderia?
15 Aquele que me formou no ventre não o fez também a ele? Ou não nos formou do mesmo modo na madre?
16 Se retive o que os pobres desejavam, ou fiz desfalecer os olhos da viúva,
17 Ou se, sozinho comi o meu bocado, e o órfão não comeu dele
18 (Porque desde a minha mocidade cresceu comigo como com seu pai, e fui o guia da viúva desde o ventre de minha mãe),
19 Se alguém vi perecer por falta de roupa, e ao necessitado por não ter coberta,
20 Se os seus lombos não me abençoaram, se ele não se aquentava com a lã dos meus cordeiros,
21 Se eu levantei a minha mão contra o órfão, porquanto na porta via a minha ajuda,
22 Então caia do ombro a minha espádua, e seja quebrado o meu braço desde o osso.
23 Porque o castigo de Deus era para mim um terror, e eu não podia suportar a Sua majestade.
24 Se no ouro pus a minha esperança, ou disse ao ouro fino: Tu és a minha confiança;
25 Se me alegrei porque era muita a minha riqueza, e de porque a minha mão tinha alcançado muito;
26 Se olhei para o sol, quando resplandecia, ou para a lua, caminhando resplandecente,
27 E o meu coração se deixou enganar em oculto, e a minha boca beijou a minha mão,
28 Também isto seria delito a ser punido pelos juízes; pois assim negaria a Deus que está lá em cima.
29 Se me alegrei da desgraça do que me tem ódio, e se exultei quando o mal o atingiu
30 (Também não deixei pecar a minha boca, desejando uma maldição sobre a sua alma);
31 Se a gente da minha tenda não disse: Ah! quem nos dará da sua carne? Nunca nos fartaríamos dela.
32 O estrangeiro não pernoitava na rua, mas as minhas portas eu abria ao viandante.
33 Se, como Adão, encobri as minhas transgressões, ocultando a minha iniqüidade no meu seio;
34 Porventura era eu terrificado pela grande multidão, e o desprezo das famílias me apavorava, de modo que eu me calasse, e não saísse da porta?
35 Ah! quem me dera um que me ouvisse! Eis que o meu desejo é que o Todo-Poderoso me responda, e que o meu adversário escreva um livro.
36 Por certo que o levaria sobre o meu ombro, sobre mim o ataria por coroa.
37 O número dos meus passos Lhe declararia; como príncipe me chegaria a Ele.
38 Se a minha terra clamar contra mim, e se os seus sulcos juntamente chorarem,
39 Se comi os seus frutos sem dinheiro, e causei aos seus donos perderem suas vidas,
40 Por trigo me produza cardos, e por cevada joio. Acabaram-se as palavras de Jó.

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