São Paulo, segunda-feira, 15 de junho de 2009
Visão Crítica
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Salvando o casamento
Deixo de lado a agenda
dos acontecimentos da semana, de resto uma sucessão de tragédias e dramas
pessoais ou sociais e políticos, para distrair a meia dúzia de leitores cativos
com uma historinha de casamento. Preocupada com a monotonia imposta pela rotina
de oito anos de casada, a esposa procurou alguma fórmula capaz de manter acesa a
chama do desejo e do ardor entre ela e o marido, tipo tranquilão e meio
desligado quanto a essas preocupações da cara-metade. Fuça daqui e dali, ela
encontrou um quase manual na internet, no original em inglês, pois era caso
norte-americano, e decidiu pô-lo em prática:
“Meu bem”, começou a abordagem, voz aveludada, depois do jantar, “sabe que eu li
um texto muito interessante sobre o casamento esta tarde e...”
“Leu o que, meu anjo?” ele interrompeu sem a menor elegância. Ela fez que não
notou e seguiu em frente:
“Li um texto na internet sobre a rotina nos casamentos (Fez uma pausa plena de
significados). Você sabia que a monotonia, a rotina, a falta de novidade, tudo
isso é a principal causa do fim dos casamentos?”
“Sim...E daí?” tornou ele, impaciente.
“Daí que eu pensei que nós podíamos fazer umas coisas para, sei lá, animar nosso
casamento”.
“Que coisas, Marion?” – ela sabia que quando a tratava assim a coisa era séria,
porque ela odiava o próprio nome, desde o jardim de infância.
“Bem, Ernesto”, ela rebateu, na mesma moeda, “só para variar nós podíamos
brincar de cachorro e gato...ou melhor, gata, como eu li”.
“Como é isso?” ele se interessou de verdade.
“A gente fica de quatro pela casa, você é o cachorro e eu a gata e você me
persegue até a gente se cansar...”
“E aí?” ele perguntou, com óbvia má vontade.
“Como e aí? Aí acontece, ora!” Ela se irritou, mas imediatamente recuperou a
calma e explicou com todas as letras o que aconteceria ao final da brincadeira.
Naquela noite os dois engatinharam entre móveis e cortinas, pelados, ele
fingindo o cão, ela a gata, até a brincadeira terminar na cama, onde, bufando
como um touro, ele lhe disse que tinha sido a coisa mais sem graça no casamento
deles, até porque “cachorro não come gato, nem gata”.
Dias depois, ela voltou à carga com outra idéia tirada do mesmo texto.
Transariam de olhos fechados, ele imaginando que ela era outra e ela imaginando
que ele era outro. Não deu certo, é claro, nem com a luz apagada. No meio da
coisa, ele parou:
“Peraí!”
“Ah, não, meu amor...”
“Ah, sim. Se você é outra mulher, que eu não sei quem é porque não quero ir pra
cama com ninguém além de você mesma, quem será o homem que você está imaginando
que eu sou? Não tem graça nenhuma, é melhor você procurar por ele logo de uma
vez”.
Passaram dias quase sem se falar, até que no sábado ela não resistiu:
“Mô, a gente podia fingir outra coisa, sem complicar”.
“Você não desiste, né?” definitivamente ele estava de saco cheio e, para falar a
verdade, aquela conversa de rotina e monotonia começara a fazer sentido para ele
na noite do cachorro doido. Mas até que a nova idéia era melhorzinha, pelo menos
não era dentro de casa. Os dois se encontrariam num “single bar” no centro da
cidade, naquele sábado mesmo. Ele chegaria às três e ocuparia uma mesa. Ela
chegaria às três e quinze, ocuparia outra mesa e começariam a flertar, como se
não se conhecessem. Do flerte iriam para um motel e pronto: estava derrotada a
rotina.
Ele entrou no bar de pequenas mesas redondas e sentou-se numa ao fundo. Pediu um
uísque e só então notou a mulher sozinha em outra mesa, olhando-o com
insistência. Sorriram um para o outro e em menos de um minuto estavam na mesma
mesa. Às três e quinze, pontualmente, ela entrou no bar, olhou todas as mesas e
reconheceu a camisa do marido. Ele e a outra riam como velhos amigos. Ela se
aproximou desconcertada:
“Muito bonito, né? Foi isso que nós combinamos, foi?”
E ele, sem se levantar:
“Perdão, minha
senhora, eu a conheço?”
[email protected]
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Luiz Augusto Gollo é jornalista e
escritor, escreve nesta coluna aos sábados
e mantém o
Blog Visão Crítica
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