Augusto Dos Anjos

ETERNA MÁGOA

NOIVADO

O FIM DAS COISAS

O MAR

SOLITÁRIO

 

ETERNA MÁGOA

O homem por sobre quem caiu a praga

Da tristeza do mundo, o homem que é triste

Para todos os séculos existe

E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga

consolo à mágoa, a que só ele assiste.

Quer resistir, e quanto mais resiste

Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.

Sabe que sofre, mas o que não sabe

É que essa mágoa infinda assim não cabe

Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;

E quando esse homem se transforma em verme

É essa mágoa que o acompanha ainda!

NOIVADO

Os namorados ternos suspiravam,

Quando há de ser o venturoso dia?!

Quando há de ser!? O noivo então dizia

E a noiva e ambos d'amores s'embriagavam.

E a mesma frase o noivo repetia;

Fora no campo pássaros trinavam,

Quando há de ser!? E os pássaros falavam;

Há de chegar, a brisa respondia.

Vinha rompendo a aurora majestosa,

Dos rouxinós ao sonoro harpejo

E a luz do sol vibrava esplendorosa.

Chegara enfim o dia desejado,

Ambos unidos soluçara um beijo,

Era o supremo beijo de noivado!

O FIM DAS COISAS

Pode o homem bruto, adstricto à ciência grave,

Arrancar, num triunfo surpreendente,

Das profundezas do Subconciente

Milagre estupendo da aeronave!

Rasgue os broncos basaltos negros, cave,

Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente

De perscrutar o íntimo do orbe, invente

A limpida aflogística de Davy!

Em vão! Contra o poder criador do Sonho

O fim das coisas mostra-se medonho

Como o desaguadouro atro de um rio...

E quando, ao cabo do último milênio,

A humanidade vai pesar seu gênio

encontra o mundo, que ela encheu, vazio!

 

O MAR

É triste como um cemitério,

Cada rocha é uma eterna sepultura

Banhada pela imácula brancura

De ondas chorando num albor etéreo.

Ah! Dessas no bramir funéreo

Jamais vibrou a sinfonia pura

Do amor; só descanta, dentre a escura

Treva do oceano, a voz do meu saltério!

Quando a cândida espuma dessas vagas,

Banhando a fria solidão das fragas,

Onde a quebrar-se tão fugaz se esfuma.

Reflete a luz do sol que já não arde,

Treme na treva a púrpura da tarde,

Chora a saudade envolta nesta espuma!

 

SOLITÁRIO

Como um fanatasma que se refugia

Na solidão da natureza morta,

Por traz dos ermos túmulos, um dia,

Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazi frio e o frio que fazia

Não era esse que a carne nos conforta

Cortava assim como em carniçaria

O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver a minha Desgraça!

E eu saí, como quem tudo repele,-

-Velho caixão a carregar destroços-

Levando apenas nas tumbas carcaça

O pergaminho singular da pele

E o chocalho fatídico dos ossos!


 

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