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Proto-história – Idade Média
Os mais antigos vestígios de vidro em
Portugal remontam ao II milénio antes de Cristo. Trata-se de 35 pequenas
contas com várias formas e cores, provenientes da necrópole da Idade do
Bronze da Atalaia (Ourique, Alentejo). A sua presença «testemunha
significativos contactos - devidos à riqueza mineira da região - entre as
populações autóctones e os prospectores e comerciantes de metais originários
do Mediterrâneo Oriental».
«O desenvolvimento destas relações, entre os séculos VIII e V a. C. conduziu
- na área de influência do legendário reino de Tartessos - ao florescimento
do importante surto civilizacional que foi a primeira Idade do Ferro do
Sudoeste, responsável pela introdução, naquela zona, da escrita, da redução
do ferro e da cerâmica fabricada ao torno.
Entre os ricos espólios funerários exumados, que incluem alguns tesouros
contendo jóias de ouro e prata, encontram-se numerosos colares com contas de
vidro provenientes de diversos centros produtores mediterrânicos.
Conhecem-se hoje cerca de um milhar dessas contas, oferecendo grande
variedade formal e decorativa.»
Importantes achados foram feitos em Sines, Silves, Monforte, Ourique,
Figueira da Foz, Conimbriga, Setúbal e Santarém.
Alguns dos elementos encontrados fazem crer que existiu uma produção local
ou regional.
«Até à pacificação augustana, a importação de vidros foi escassa em toda a
Península Ibérica. Durante as primeiras décadas do Império, a Lusitânia
conheceu praticamente todos os fabricos em voga, mas foi só pelos meados do
século I d.C. que os vidros entraram no quotidiano das populações, ao
generalizar-se a técnica do sopro livre* que permitiu produzir, rapidamente,
grandes quantidades e diversidades de formas, a preços reduzidos.
Com efeito, os vidros-mosaico e os vidros vasados ou prensados em molde
exigiam muita mão-de-obra para acabamentos, e a variedade de cores imitando
pedras semi-preciosas, que em regra ofereciam, era resultante de
matéria-prima cara e de um grande domínio técnico.
«Até ao momento presente, Conimbriga oferece a melhor representação destes
tipos de vidro encontrados em Portugal. Infelizmente, a natureza dos achados
- lixeiras e níveis de demolição e entulhamento antigos - não permite que
tenhamos mais do que um mostruário de pequeníssimos fragmentos; todavia,
para quem conhece a vidraria romana, ele é suficiente para nos provar que a
esta pequena cidade chegaram, em todos os tempos, peças raras, de excelente
qualidade. Entre os vidros do século I a. C. salientam-se as taças [...]. Da
primeira metade do século seguinte ou, para algumas formas, um pouco mais
tarde, avultam os vidros duplos e os salpicados, as taças caneladas obtidas
por cera perdida, e os Skyphoi talhados ou afeiçoados por pacientes
lapidadores, as taças sopradas em molde e decoradas com cenas desportivas.»
Às facilidades decorrentes do sopro livre, vieram juntar-se as vantagens
económicas do vidro sódico transparente e incolor que Plínio afirma estar, à
data em que escrevia a sua História Natural, a praticar-se não só em Itália
mas também nas províncias da Gália e da Hispânia.
Os vidros totalmente incolores - preferidos a partir dos finais do século I
- tinham uma transparência que se prestava melhor que todas as experiências
exteriores a valorizar a lapidação, a gravação e a aplicação de fios em
relevo, técnicas que os vidreiros de Alexandria e Colónia desenvolveram ao
mais alto nível técnico e artístico.
Do final do Império e perdurando pelo período seguinte, conhecem-se muitos
exemplares de taças e lamparinas de vidro esverdeado cujo fabrico acusa a
rápida decadência que esta arte conheceu a partir de meados do século IV.
«Na época em que os povos germânicos se instalaram na área do antigo Império
Romano do Ocidente, há a referir três estilos de produção vidreira: o vidro
bizantino, de tradição romana, no Leste da bacia mediterrânica; o vidro
sassânida, de tradição local caldeada com os cânones médio-orientais, na
área da Mesopotâmia; e o vidro germânico, simbiose do legado romano com as
tradições dos novos colonizadores, na Europa Ocidental. Trata-se, em
qualquer dos casos, de vidro sódico.
Em Portugal, os achados de vidro da época da dominação sueva e visigótica
são raros. Conhecem-se todavia alguns vasos apodos datáveis dos séculos
V-VI»
A partir do século VIII, «o repertório formal do vidro islâmico é o mais
variado da época. Avultam nele os recipientes para líquidos e as formas
abertas, embora os vidreiros muçulmanos tenham fabricado muitos outros
objectos, desde a panóplia exigida pela farmacologia e pela química até ao
mais comezinho saleiro. Trata-se da única vidraria da época que cuidou de
cobrir ou rolhar com dispositivos de vidro recipientes feitos no mesmo
“metal”, tendo ainda dotado outros de bicos vertedoiros.
Tecnologicamente, esta vidraria utiliza o sódio como fundente, continuando
portanto o modus faciendi da Antiguidade Clássica. A variada gama de cores
que caracteriza o vidro islâmico tem eco no conjunto de exemplares
descobertos, no nosso país, em Pombal, Álcacer do Sal, Elvas, Moura, Mértola
e Silves. Assim, estão documentadas várias tonalidades de vidro transparente
- do incolor ao azul, passando pelo amarelo, pelo lilás e pelo aquamarina -
bem como o vermelho e o negro opacos, tão caros aos artesãos islâmicos.
O estilo e a gramática decorativa dos vidros islâmicos conhecidos em
Portugal correspondem em toda a linha às características do artesanato
homólogo da mesma época em outras áreas do mundo muçulmano.
Além do vidro importado dos centros produtores do mundo muçulmano, as
populações das regiões europeias banhadas pelo Mediterrâneo dispunham de
artefactos de vidro produzido localmente em ateliers nos quais se foi
forjando, a partir do século XII, um estilo específico.
A nível internacional, os vasos usados para o consumo de bebidas foram, no
século XIII, o copo de pé, o cálice e o copo troncocónico pastilhado.
São ainda de registar abundantes formas abertas, por vezes de grande
diâmetro, e a existência de certos recipientes particulares como os cantis e
as galhetas providas de longos bicos (já assinaladas em Pombal), bem como
algumas lamparinas decoradas por lapidação (Sinagoga de Tomar).
Muitas outras formas e soluções ornamentais podem, porém, citar-se: estão
longe de ser raros, nas regiões em referência, os frascos, boiões e taças
profusa e artisticamente ornados de fios em relevo, de cor azul. Este traço
fundamental da decoração da vidraria europeia meridional, que traduz o
abandono do vidro opaco branco da vidraria islâmica nas aplicações em
relevo, não foi ainda verificada entre nós.
Coimbra, Pombal, Sintra, Álcacer do Sal são localidades onde foram
recuperados fragmentos de cálices ou de copos de pé, de botão separando a
copa da base ou do pé, datáveis já do século XVI. Finalmente, são talvez os
copos de pé e a caneca portuguesa provenientes da Casa dos Bicos (Lisboa),
do mesmo século, os exemplares mais notáveis do vidro arqueológico português
tardo-medieval. Vemos nestas peças, feitas em vidro grosso incolor,
testemunhos da laboração vidreira nacional.
A utilização de produtos nacionais fez-se concomitantemente à do cristallo
veneziano, nessa época em expansão e já em uso no nosso país. Este facto
documentam os fragmentos de peças do tipo vetro a fili e vetro a reticello,
a todos os títulos dignos de realce, provenientes do claustro da Igreja de
Santa Cruz de Coimbra. Tais peças remetem para uma modalidade decorativa
largamente praticada pelos vidreiros venezianos desde o segundo quartel do
século XVI».
Fontes e extracção de textos:
Adília Alarcão; Mário V. Gomes, “Da Proto-História aos alvores da Idade
Média”, in cat. O vidro em Portugal, 1989
Manuela Ferreira, “O vidro em Portugal na Idade Média”, idém, 1989
Século XV -- Século XVII
Deve-se a Sousa Viterbo a divulgação da maior parte dos documentos que
permitem esboçar a história do vidro em Portugal nos finais da idade média e
princípios da idade moderna.
A mais antiga referência data de 4 de Janeiro de 1439. Trata-se de uma carta
de privilégio, passada por D. fonso V a favor do vidreiro João Rodrigues
Vadilho, residente em Palmela». Pela lista de Viterbo, verifica-se que nos
séculos XV e XVI vários mestres vidreiros exerciam actividade em Lisboa,
Palmela, Santarém, Coina, Alcochete, Asseiceira e Salvaterra de Magos.
Em 1484, D. João II determinou que em Portugal se não pudesse estabelecer
qualquer Fábrica de vidros sem consentimento de Diogo Fernandes, vidreiro no
Côvo, Oliveira de Azémeis.
Segundo Vasco Valente, o referido vidreiro foi o fundador da fábrica do
Côvo, que laborou até finais do século XIX. Em 1882, ainda concorreu a
Exposição Distrital de Aveiro.
Em 1528, o castelhano Pêro Moreno, desejando manter um forno de vidro no
lugar do Côvo, requereu a D. João III o privilégio - que lhe foi concedido -
de ter o exclusivo da fabricação de vidro desde a Vila de Coruche até à
Galiza. Vasco Valente põe a hipótese de ter existido parentesco entre Pêro
Moreno e o mencionado Diogo Fernandes do Côvo.
«A produção nacional parece, no entanto, ter-se limitado a campo bem
modesto, não passando de peças de exclusivo uso doméstico e não chegando a
produção para o consumo do país».
Lisboa foi igualmente centro vidreiro. Segundo Cristovão Rodrigues de
Oliveira, em 1551, existiam na capital quatro oculistas, quatro vidraceiros
e oito fabricantes de espelhos.
Alice Frothingham, no seu trabalho Hispanic-Glass, refere-se a alguns
estrangeiros que no século XVII vieram trabalhar para Portugal. Entre eles o
veneziano Giacomo Pellizari, que chegou a Lisboa em 1678, onde se
estabeleceu, com outro vidreiro, Francesco Costa, oriundo de Altare
(Génova).
Em 1689, o vidreiro flamengo Louis Verné, de Antuérpia, veio igualmente
exercer actividade no nosso país, em Abrantes, onde permaneceu cerca de dez
anos.
Não obstante a presença de artistas estrangeiros, e dos nacionais já
estabelecidos, uma parte do vidro vinha dos grandes mercados europeus, como
Veneza, Boémia, Alemanha e França.
Extracção de textos:
Carlos Barros, “O vidro em Portugal do século XV ao século XIX”, in cat.
O vidro em Portugal, 1989
Sousa Viterbo, Artes industriaes e industrias portuguezas. O vidro e o
papel, 1902
Vasco Valente, O Vidro em Portugal, 1950
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