projecto museu do vidro

 

O VIDRO DE MESA

 

 

 

Ao contrário do animal, geneticamente encerrado no seu próprio espaço, o homem cria, segundo prescrições colectivas, um lugar específico para a sua própria alimentação, frequentemente confundido, nas comunidades mais integradoras, com o espaço total, biológico, técnico, mágico.

Em todas as sociedades, a cozinha desempenha uma função cultural. A mesa é um produto da cozinha. Existe uma linguagem da mesa, dotada de um vocabulário e duma gramática autónomos.

No que ao vidro respeita, os objectos ligados à mesa são os que evidenciam maior investimento decorativo e, simultaneamente, os que apresentam maior qualidade da pasta vítrea usada no fabrico. Mais do que noutros artefactos, os vidros de mesa assumem funções múltiplas, em que a função de base utilitária, apesar de se manter evidente na maioria dos casos, perde em benefício das funções decorativas, menos ligadas à fisiologia que às representações estéticas e aos códigos sociais.

É que a mesa é ela própria multifuncional: local de satisfação das mais elementares necessidades biológicas humanas – comer e beber -, a mesa é também local de reunião ritual, confraternização, oração, discussão, negócios... É o local da cultura, por excelência.

E esta variedade de funções da mesa não é exclusiva de nenhuma classe social. Da mesa aristocrática à mesa do camponês, do casino à taberna, é todo um mundo de usos com seus contornos contextuais.

Nas sociedades, onde o acto de comer é encorajado e aprovado, reserva-se à mesa um espaço de privilégio. No apartamento francês do século XIX, a sala de jantar tornou-se um enclave com características iniciáticas, onde se celebra o culto da mesa, em oposição ao quarto de dormir, templo da respeitabilidade familiar, da salvaguarda patrimonial, da perpetuação da espécie.

Em França, a partir do Directório, a burguesia trata com particular atenção os preparativos deste santuário da cerimónia alimentar. Os marceneiros executam um grande número de mesas rectangulares e circulares, carrinhos de serviço, aparadores, e todos os acessórios do culto onde, sem complexos, a classe abastada, por mais de um século, investiu o seu desejo de prazer e a sua aspiração ao prestígio.

A existência aristocrática é espectacular. A mise en scène, o aparato e o luxo constituem, ao mesmo tempo, solidariamente, a aparência e a essência. A burguesia acrescenta o espectáculo aos seus hábitos, usa-o como um ornamento ou um subterfúgio. À mesa, onde nada se lhe afigura supérfluo, tem tendência a exagerar para assim obter o reconhecimento, e para se exibir. O jantar é um quadro: "É o triunfo das cores, o brilho dos molhos, a transparência das gelatinas, a limpidez dos vinhos".

Tudo concorre para este encantamento - os lustres, a monumentalidade dos objectos, aqueles que enfeitam a mesa e os que a rodeiam. E depois há o espectáculo virtual encerrado em estojos e pronto, a cada momento, a revelar as suas maravilhas: os instrumentos principais da mise en scène, os "serviços de mesa", encomendados a preços fabulosos pelos "novos ricos" do novo regime.

(extraído de: Ph. Ariés e G. Duby, História da Vida Privada: da Revolução à Grande Guerra)

 

O vidro destinado ao consumo "de mesa" constitui, desde o século XVIII, a maior parte da produção de "cristalaria" das fábricas vidreiras. Estes objectos são, na sua grande maioria, feitos para conter líquidos ou sólidos que serão consumidos à mesa, ou seja, contentores: garrafas e copos para vinho, água, aguardente, licores, limonada, etc.

Cada um destes objectos ocupa um lugar na cadeia de operações efectuadas na preparação do consumo de líquidos. Estes líquidos são transferidos de vazilhas ou contentores maiores, onde são preparados ou em que se encontram depositados, para a garrafa de mesa, que funciona como um depósito intermédio. Jarros e taças podem também assegurar esta mesma função ou complementá-la. Os copos estão no final da cadeia, são eles que vão à boca.

A interdependência funcional entre copos e garrafas levou ao aparecimento dos serviços de mesa, que se desenvolveram extremamente no século XIX: aumentando a gama de copos de um mesmo serviço - cálices, taças, flutes - e de garrafas, que aparecem em vários tamanhos, para diferentes líquidos. Os serviços passam então a integrar também outros elementos relacionados no ritual da mesa, como fruteiras, açucareiros, compoteiras, pratos com tampa, para além dos jarros e taças.

Estes líquidos destinam-se quer à satisfação de necessidades fisiológicas (água) quer à satisfação de necessidades "do espírito" (vinho, licores) e são consumidos em situações e contextos diferentes, ou em momentos separados de uma refeição.

Com funções análogas, mas destinando-se a conter líquidos diferentes e a ser usados em diferentes contextos, os objectos de mesa variam pela qualidade do vidro, pela morfologia e pela decoração.

O vidro popular, para uso doméstico e em tabernas, é geralmente feito de sílicas menos puras, usando-se como fundente o sódio. A sua decoração é mínima, limitando-se as mais das vezes à forma impressa pelo molde: gomos, estrias, etc. A partir do século XIX, este tipo de vidro passou a ser produzido por meios cada vez mais mecanizados, sobretudo, através da prensa e, mais tarde, por sistemas automáticos.

Ao contrário, é no vidro de mesa de luxo que se assiste a uma utilização preponderante do cristal de chumbo e das decorações lapidadas e gravadas de maior requinte.

 

Projecto Museu do Vidro da Marinha Grande

 

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