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O vidro é uma substância rígida não cristalina, de
aspecto translúcido e em geral transparente, que resulta tipicamente da
fusão a alta temperatura de uma mistura de anídrido silícico (obtido
normalmente de areia, quartzo, etc.), de um alcali terroso (óxido de cálcio,
derivado do carbonato de cálcio presente na areia) e de um carbonato de
sódio (soda) ou de potássio (potassa). A presença de um destes dois
carbonatos, que variou segundo as épocas e as áreas geográficas, comporta
mudanças substanciais no aspecto e na estrutura do vidro.
Podem acrescentar-se outras substâncias, como os
corantes, que de igual modo modificam em parte ou substancialmente a própria
estrutura do vidro.
O vidro mais corrente,
calciosódico, pode exprimir-se
pela seguinte fórmula:
Na2O CaO 5SiO2
Outras combinações à base de silicatos, resultam nos
chamados esmaltes e vernizes, que de certa maneira também são considerados
como vidros. Estes materiais, de aspecto completamente diverso, destinam-se
a outros fins, como no vidrado cerâmico.
O vidro apresenta naturalmente um tom esverdeado que
aumenta com a sua espessura. Isto deve-se à existência na areia de óxidos de
ferro. Para anular este efeito, usa-se o dióxido de manganésio (MnO2),
o qual, ao oxidar os sais de ferro, dá ao vidro um tom amarelo. Este óxido,
chamado de sabão dos vidreiros, tem uma cor violeta: sendo o amarelo
complementar do violeta, as duas cores acabam por se anular opticamente,
resultando um vidro incolor. A função descolorante do óxido de manganésio
era desconhecida em épocas mais recuadas, embora fosse utilizado para
conseguir cristais de cor violeta. A sua utilização descolorante remonta às
cristalarias venezianas.
Os vidros antigos apresentavam-se cromaticamente impuros,
com tons esverdeados, na maioria dos casos. Há excepções, como os
denominados cristais alexandrinos, totalmente transparentes e
incolores. Mas isto devia-se não à utilização de descolorantes, mas à
cuidadosa eleição de areias argentíferas, completamente isentas de sais
ferrosos.
«Uma das qualidades principais que devem ter os vidros é
a transparência que deve ser perfeita e límpida, depois a brancura e por fim
a sonoridade». A dureza, a resistência à ruptura e o índice de refracção
variam segundo a composição e o tratamento dado à pasta vítrea.
A indústria vidreira procurou sempre, ao mesmo tempo que
o aperfeiçoamento da pasta de vidro, uma transparência cada vez maior.
Pode-se afirmar que, tendo em conta as particulares características do
vidro, os dois intentos coincidiram.
Assim,
artesãos, químicos e alquimistas seguiram como paradigma constante, e em
certo sentido inalcansável, a pureza e a transparência de uma variedade de
quartzo, totalmente transparente e incolor, chamada cristal de rocha, muito
empregue entre os séculos XV e XVII em ourivesaria, pelas qualidades que a
assemelhavam às pedras preciosas.
Desde o
século XV que se chama cristal ao produto mais
transparente e puro da indústria vidreira. Em sentido estrito, hoje teríamos
de usar a designação apenas para o cristal de chumbo (ou de composição
plúmbea). Contudo, na prática e no comércio o termo tende a abranger alguns
vidros muito próximos do plúmbeo, como o cristal potássico boémio e os
diversos tipos de meios-cristais.
O
primeiro tipo de vidro denominado cristal (impropriamente, talvez,
por se tratar na realidade de um vidro calcio-sódico, apesar de ser muito
refinado pela cuidadosa selecção dos seus componentes e pela utilização
descolorante do dióxido de manganésio) é o chamado vidro cristalino
veneziano que, segundo a tradição teria sido introduzido pelo vidreiro
de Murano Angelo Barovier (U1461).
A
descoberta deste vidro, totalmente incolor (ainda que, com tempo, adquira um
tom amarelento), muito ligeiro e fino, e muito indicado para ser soprado,
fez com que a indústria vidreira veneziana se impusesse a toda a Europa de
forma quase unânime desde o século XV até finais do século XVII, altura em
que entrou em crise e foi progressivamente destronada pela descoberta em
Inglaterra e na Alemanha, respectivamente, dos cristais plúmbeos e
potássicos, autênticos cristais na moderna acepção do termo - mais adequados
pelas suas próprias características estruturais para fazer face às
exigências decorativas do novo gosto europeu.
Em meados
do século XVII, depois de um certo período de estagnação, despertou em
Inglaterra o interesse pelo vidro, em simultâneo com um florescimento dos
estudos teóricos - em 1662, por exemplo, aparece a tradução inglesa anotada
do italiano António Neri, L’Arte Vetraria, traduzida por Christopher
Merret -, e com uma investigação tecnológica que aspirava a pôr a indústria
vidreira inglesa em situação de poder competir com a produção estrangeira,
sobretudo, com o monopólio veneziano nos mercados europeus. As investigações
orientavam-se, por um lado, com base na utilização de materiais que se
pudessem encontrar facilmente in situ (a utilização, por exemplo, do
carvão fóssil em vez dos combustíveis vegetais) e, por outro lado, tendo em
vista a produção de cristais cuja qualidade fosse competitiva com a dos
estrangeiros.
Com estes
objectivos, um dos maiores grupos da indústria vidreira inglesa, a Glass
Sellers Company, depositou confiança no químico George Ravenscroft
(1618-1681), que, após algumas tentativas, alcançou finalmente os resultados
desejados: em 1675 conseguiu produzir um novo tipo de vidro, sob o ponto de
vista químico muito diferente dos anteriores: o cristal de chumbo (glass
of lead e flint glass, usando-se esta última designação porque a
sílica era extraída de pedras de rio moídas, em vez de areia). Os
componentes deste novo cristal eram:
55 por 100 de sílica
32 por 100 de óxido de chumbo
12 por 100 de potassa
Este tipo
de vidro, devido à sua alta percentagem de chumbo, e nisto estribava a sua
novidade, possuía características especiais que o aproximavam, mais que
nenhum outro, do cristal de rocha. Desta forma, realizava-se o sonho de
séculos de investigações e experiências.
O cristal
de chumbo, muito mais pesado e duro que o cristal veneziano, era muito
transparente e também muito espesso; possuía um elevado índice de refracção
e, por consequência, o seu aspecto era muito brilhante e luminoso.
Finalmente, por todas estas características, era fácil de gravar e de
lapidar. Tudo isto respondeu directamente às exigências decorativas que na
época amadureciam na Grã-Bretanha, onde se desenvolvia de forma intensiva a
decoração gravada, especialmente com pontas de diamante.
O cristal
de chumbo continua a produzir-se hoje, mais ou menos com os mesmos
componentes, com ligeiras variações: a utilização do óxido salino de chumbo
- o mínio ou zarcão (Pb3O4) - como
componente plúmbeo, e a adição de ácido bórico e óxido de zinco para
aumentar a sua luminosidade. As características especiais do cristal de
chumbo inglês resultam da mistura muito calculada de óxido de chumbo e
potassa. Esta última substância, torna-o mais apto para a gravação. No
entanto, se usada em excesso, a potassa dá ao cristal um ligeiro colorido
amarelo.
Este tipo
de cristal presta-se especialmente para o fabrico de cristalaria de mesa
(facetados, por exemplo), utensílios finos decorados à roda, sobretudo,
gravados. O corte e o facetado multiplicam a sua capacidade de refracção da
luz e portanto a sua luminosidade. Até finais do século XVII e primeiros
anos do século XVIII, o cristal de chumbo inglês espalhou-se muito
rapidamente pela Grã-Bretanha e pelo mercado europeu, no francês em
particular, onde substituiu por completo a indústria vidreira de Murano.
Além dos
centros ingleses, como Birmingham, apareceram fábricas de renome noutros
países da Europa.: St. Louis, Baccarat, Val saint-Lambert, entre outros,
iniciando uma tradição que na maioria dos casos perdurará.
Do
cristal de chumbo inglês derivam dois tipos de vidros cristalinos
especialmente puros: os cristais ópticos (genericamente designados
flint
glasses) e o strass.
Os
cristais de óptica, que se contam entre as matérias vítreas mais puras que
se tinham produzido até há pouco tempo, possuem características especiais
devidas à abundância de componentes de chumbo.
O
strass deve o seu nome do ourives parisiense de origem alemã, G.
Frederic Strass (1700-1773), inventor de um cristal muito luminoso que,
acrescido de substâncias corantes, serve para imitar pedras preciosas;
totalmente incolor utiliza-se para imitar diamante. Na actualidade, usa-se
apenas em bijuteria.
Finalmente, entre os derivados do cristal de chumbo inglês, destaca-se o
chamado meio-cristal, em que a soda substitui aproximadamente metade da
quantidade de potassa, e grande parte do óxido salino de chumbo é
substituído por cal e outros componentes. Qualitativamente inferior ao
cristal plúmbeo, apresenta por vezes um ligeiro matiz amarelo.
No
fabrico do chamado cristal potássico (ou da Boémia) na Alemanha,
intervieram em grande medida motivos de concorrência semelhantes aos da
produção inglesa. A isto se associaram circunstâncias locais: a tradição do
cristal potássico na Alemanha e as orientações seguidas pela produção
vidreira alemã entre os séculos XVI e XVII, como consequência,
provavelmente, da chegada à Polónia de lapidadores venezianos nos princípios
do século XVI para a decoração por incisão. Este tipo de decoração
necessitava de um vidro denso e transparente, muito diferente do cristal de
Murano e do vidro potássico. Também aqui - como em Inglaterra e mais ou
menos na mesma época - se conseguiu obter um vidro calciopotássico
especialmente adequado a tais necessidades. Não se conhece em rigor o ano da
descoberta deste vidro, mas devia ser já conhecido a partir de 1667.
O
“cristal” potássico, muito difundido actualmente com o nome de cristal da
Boémia, utiliza-se sobretudo para a produção de valiosas cristalarias de
mesa. Também existe uma sub-espécie deste cristal, o meio-cristal da
Boémia.
Extracção de textos:
Corrado Maltese, Las tecnicas
artísticas, 1997
Campos de Melo, A indústria
do vidro, 1948
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