projecto museu do vidro

 

                                         A OBRAGEM

 

 

 

«Na etapa do vidro soprado, o forno ocupa um lugar central. Todo o trabalho se organiza em sua função. É como que um sol, à volta do qual se estabelecem uma cosmogonia e uma hierarquia de funções. à volta do forno define-se a obragem, liderada pelo mestre vidreiro. Os oficiais e os aprendizes, de acordo com as regras de fabrico previamente definidas, executam um conjunto de movimentos de apoio, quais satélites, em volta do mestre. Definem-se áreas de trabalho, com instrumentos correspondentes: junto ao forno, obragem, alçapão. As operações junto ao forno estão directamente relacionadas com a colheita da massa vítrea. É aí que estão normalmente, as canas [...].

A obragem faz-se à volta da cadeira do vidreiro. É aí que está a tabuleta, para o registo do número de peças fabricadas. Contudo, a maior parte dos instrumentos do vidreiro encontra-se no caixão, caixa que [...] recolhe diariamente as ferramentas essenciais aos diversos tipos de fabrico. O alçapão, onde geralmente ocorre o trabalho final, manual ou em moldes, é o lugar onde modernamente se estabelece a relação entre a obragem e a arca de tempero. É neste lugar que os aprendizes se vão familiarizando com o trabalho vidreiro, quer na utilização das tábuas de transportar as peças (tábuas de levar acima), quer no manuseamento dos moldes necessários ao seu acabamento.

[...]

A relação do vidreiro com o forno é constante, ritmada pelos tempos de arrefecimento e caldeamento da obra. Por esta razão, junto ao forno há duas posturas de trabalho: uma sentada, na banca do vidreiro, outra de pé, no acto de soprar e moldar, no transporte entre a banca e o forno e da obra pronta para a arca. É na cadeira do vidreiro que as operações de medir ou de cortar com a tesoura se concretizam.» [A Indústria do vidro na perspectiva da Arqueologia industrial, APAI, 1989]

 

 

O Fabrico de um copo

 

Registo de Jules Magny em visita a uma fábrica vidreira (1869)

 

«De todos os espectáculos que oferecem ao homem as numerosas fábricas e manufacturas, o interior de uma vidraria é seguramente um dos mais curiosos que lhe é dado contemplar. Nada de mais simples, mas nada de mais engenhoso que o trabalho do vidro».

 

Entremos na fábrica.

 

«Uma baforada de calor agarra-nos franqueando a porta... Reverberações vermelhas saem das bocas dos cadinhos fervendo.

Avançamos, apesar do calor asfixiante. Ao fim de algum tempo, passamos a suportá-la sem grande incomodidade. Os operários e os garotos [aprendizes] já estão há muito tempo habituados. Veja-se como estes últimos vão e vêm no recinto [halle], indiferentes ao calor, brandindo hastes em ferro com massas incandescentes de vidro, com uma destreza incrível: é uma perpétua viagem do forno, onde está o vidro fundido, ao banco de trabalho do operário que lhe dá forma. Sigamos a fabricação de um copo de beber.

 

Um aprendiz introduz no cadinho que contém o vidro fundido, uma haste em ferro chamada cana [canne]. É um tubo oco, semelhante a um cano de fusil, terminada numa das extremidades por uma parte um pouco mais grossa [le nez]. Segundo as peças fazer, as dimensões da cana variam entre um e três metros.

Voltemos ao aprendiz. Retirando a sua cana do cadinho ele leva ao mesmo tempo uma pequena massa de vidro pastoso e incandescente aderente ao nariz da cana; fá-la rolar sobre uma mesa em mármore ou em ferro fundido, de maneira a dar-lhe uma forma um pouco simétrica. Esta operação chama-se parar o vidro. Ele pssa então ao operário o vidro que ele parou [...]. Este, segurando a cana vertical ( amassa de vidro está em baixo) sopra para dentro, fazendo-a girar entre as mãos e conduz o vidro que tende sempre a alongar-se, devido ao peso [...]. Depois, sentando-se no banco, entre duas barras de ferro [bardennes], poisa a cana sobre as barras e fá-la rolar com a mão esquerda, enquanto com a direita, com a ajuda de uma pinceta cujas extremidades são em madeira, ele dá à parte ovoide uma forma conveniente e regular. Depois, como após esta operação o vidro cessou de estar muito quente e maleável, o aprendiz leva a peça esboçada até uma abertura do forno [boca]. Uma vez aí, o vidro retoma a sua maleabilidade e quando o aprendiz o julga estar suficientemente quente, torna a levar a cana a segundo operário, que está encarregue de fazer o pé do copo. Para este efeito, voltando este a cana ao contrário, de maneira que o objecto esboçado fique ao alto, o aprendiz deposita sobre a parte A uma pequena massa de vidro que colheu no forno, por meio de uma haste de ferro chamada pontel. O operário coloca a cana horizontalmente, sobre as barras de ferro da sua cadeira, e molda esta massa irregular numa pequena coluna, com a ajuda de uma pinceta de hastes delgadas. Aí ele afeiçoa diferentes modelações, apertando o vidro com a pinça. Depois, invertendo ainda a cana, o aprendiz deposita de novo, da mesma maneira precedente, uma outra pequena quantidade de vidro que serve para fazer a base do pé. ara o efeito, o operário colocando de novo a cana sobre as barras de ferro, fá-la girar vivamente enquanto apoia o objecto sobre uma prancheta de madeira. Após esta operação o objecto tem a forma 2. Não falta senão cortar pelo meio. Para isso solda-se ao centro do pé um pontel cuja extremidade tem uma gota de vidro fundido. Depois, molhando a ponta da pinça na água, o vidreiro aperta a parte do objecto vizinho do nariz da cana. Com um golpe seco, o objecto fixado ao pontel destaca-se. Apresenta então a forma 3. Leva-se de seguida à boca do forno para reaquecer, e um terceiro operário, marcando com um compasso a altura que o copo deve ter, corta com tesouras a matéria excedente. Com um pequeno choque, o copo é destacado do pontel e levado para um forno onde esfriará lentamente.

Como se vê, a utensilagem é simples: uma cana, duas espécies de picetas, tesouras, prancheta de madeira... Com a ajuda destes instrumentos, que são por assim dizer grosseiros, o vidreiro fabrica estas delicadas obras de vidro cuja fragilidade é tão grande, e cuja forma é tão graciosa» [traduzido de Jules Magny, 1869]

 

As canas

 

As canas sofreram uma evolução significativa ao longo do tempo. Descobertas pelos artesão do Próximo Oriente, levadas depois para Roma, difundiram-se à escala de todo o Império Romano, tal como a engenharia de estradas se divulgou por toda a área romanizada. Outrora tinham cabos de madeira, depois foram também de corda. Posteriormente, foram substituídos por cabos de borracha. As primeiras canas terão sido em latão e bronze, mais tarde em ferro e, mais recentemente, em aço e alumínio.

Será de distinguir as canas utilizadas na cristalaria (cana de cristaleiro), das utilizadas na garrafaria e no fabrico da vidraça manual (cana de vidraceiro). [adaptado de O vidro na perspectiva da arqueologia industrial, APAI, 1989]

 

 

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