O que vale?
          Pediram-me que escrevesse umas linhas para este jornal da escola. Quero "trocar" umas idéias com vocês, leitores, sobre a dimensão ética do ser humano, aquela parte da filosofia que trata de como "devemos ser" e agir. A família primeiro, e a escola depois e simultaneamente, apresentam para a criança e o adolescente uma série de valores (maneiras de pensar e se comportar que "valem", válidas; ou seja, que são as esperadas pela sociedade como um todo e pela classe social a que pertencemos em particular).
          Os valores como "atitudes valiosas" são extremamente dependentes da cultura na qual vivemos e da religião que professamos. Uma determinada atitude pode significar um valor para um ocidental e não sê-lo para um oriental; pode ser valor para um budista e não para um católico.
          Esses valores obedecem a uma hierarquia, existe entre eles uma ordem de importância. Hierarquia que usamos quando nós temos que escolher entre duas ou mais atitudes possíveis. Por exemplo: após eu ter atropelado com meu carro um pedestre, eu fico e presto socorro a ele ou vou embora o mais rápido possível; a preservação da vida do semelhante e a reparação do dano é mais importante do que a própria preservação ou menos?
          Essa hierarquia não é imutável. Há pesquisas que comprovam que a hierarquia dos valores acompanha as mudanças generacionais. Para meu pai, um espanhol aposentado de 85 anos, a "satisfação do dever cumprido" se situava no topo da hierarquia de valores da sua geração: levantar cedo, não faltar ao serviço nenhum dia, fazer as tarefas inerentes ao mesmo sem reclamar...cumprir com a sua obrigação mesmo sem gostar. Ou, usando o ditado espanhol, "primeiro a obrigação e depois a devoção". E assim foi transmitido como valor para os filhos dele. Nunca "deixou" faltar à escola, nunca perdi a hora e nunca deixei de fazer tarefas escolares ou sequer entreguei um trabalho fora do prazo. Deixei de ser criança, conquistei a autonomia própria da juventude. Minha geração "contestou" aquela hierarquia...Valia sim, porém valia menos do que eles nos ensinaram. Na nossa hierarquia a realização pessoal, o gosto ou a "devoção" (lembram?) eram bem mais importantes do que a mera obrigação. O "como" as coisas são feitas era mais importante do que apenas fazê-las. Não só a auto-realização era importante mas a realização da sociedade também. Nas escolhas de muitos jovens religiosos e sacerdotes da década de 80 estava presente essa vontade de fazer um mundo mais justo, mais solidário, mais igual para todos. Houve uma troca de posições na hierarquia de valores. Qual foi o resultado disso? As pessoas se tornaram melhores ou piores do que antes? Creio que simplesmente fomos e somos diferentes.
          Aonde quero chegar com tudo isso? Quero dizer que o mesmo vai acontecer com vocês. Aquela hierarquia de valores que sua família e sua escola lhes propuseram vocês vão questionar, rever e alterar. E não por isso vocês serão piores ou melhores do que nós. Deverão ser mais felizes ainda do que nós fomos, pois terão a oportunidade de vir depois de nós e modificar aquilo que não nos trouxe a felicidade. Termino com Santo Agostinho: "Os homens se encontram na busca da felicidade e se desencontram ao tomar caminhos diferentes para chegar a ela".

Jesus M. Martinez

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