A Primeira Guerra Mundial 

Obra de Satanás?

 

 

O ano de 1914 é a data base para a inteira estrutura de doutrinas ensinadas pela Sociedade Torre de Vigia. É o ano marcado,  segundo ela afirma, pela entronização de Jesus Cristo qual Rei no reino dos céus, após "sete tempos", ou 2520 anos, na contagem bíblica de "um dia por um ano", tomando-se como ponto de partida o ano em que supostamente a cidade de Jerusalém foi devastada pelos exércitos babilônicos, 607 AC. Este período chamado de "tempo dos gentios" e a data citada de 1914, Cumprem - ainda conforme o ensino da Sociedade Torre de Vigia - a profecia de Ezequiel 21:25 ~27:

"E no que se refere a ti, ó mortalmente ferido maioral iníquo de Israel, cujo dia chegou no tempo do erro do fim, assim disse o Soberano Senhor Jeová: ‘Remove o turbante e retira a coroa. Esta não será a mesma. Põe no alto o rebaixado e rebaixa o que estiver no alto. Uma ruína, uma ruína, uma ruína a farei. Também, quanto a esta, certamente não virá a ser de [ninguém], até que venha aquele que tem o direito legal, e a ele é que terei de dá-lo.’" (Tradução do Novo Mundo)

 

No livro "Paz e Segurança", publicado em 1986 pela Sociedade Torre de Vigia, na página 70 parágrafo 10, são detalhados os cálculos referentes as datas proféticas citadas, inclusive indicando com exatidão a estação climática do ano em que a profecia se cumpriria (grifo acrescentado):

Observe por si mesmo como a Bíblia refere-se a "tempos" proféticos. Revelação 11:2, 3 mostra que 1.260 dias constituem 42 meses, ou, três anos e meio. Revelação 12:6, 14 menciona o mesmo número de dias (1.260), mas refere-se a eles como sendo "um tempo [1], e tempos [2], e metade de um tempo", ou, três "tempos" e meio. Cada um desses "tempos" equivale a 360 dias (3 1/2 × 360 = 1.260). Cada dia desses "tempos" proféticos representa um ano inteiro, segundo o princípio "um dia por um ano". (Números 14:34; Ezequiel 4:6) Assim, os "sete tempos" são 2.520 anos (7 × 360). Contados desde o outono (hemisfério norte) de 607 AEC, quando o reino típico de Deus em Judá foi derrubado por Babilônia, 2.520 anos nos levam ao outono* (setentrional) de 1914 EC (606 1/4 + 1913 3/4 = 2.520) Este é o ano em que "o reino do mundo" seria entregue a Jesus Cristo.

* Algo entre os meses de setembro e novembro. (I.E.)  

 

Portanto, conforme ensinado pela Sociedade, após a queda do rei Zedequias em 607 AC, haveria um lapso considerável de tempo no qual o Trono de Jeová não seria ocupado até que Jesus pudesse ser coroado com todos os méritos em 1914. É claro que a coroação de Jesus foi um acontecimento invisível aos olhos humanos, que não teriam meios para comprovar o ocorrido nos céus nem motivos para acreditar neste ensino, porém a Sociedade usa um outro texto bíblico, com conseqüências concretas e trágicas para a humanidade, como prova viva e irrefutável desta afirmação. Trata-se do texto de Revelação 12:7~12:

"E irrompeu uma guerra no céu: Miguel e os seus anjos batalhavam com o dragão, e o dragão e os seus anjos batalhavam, mas ele não prevaleceu, nem se achou mais lugar para eles no céu. Assim foi lançado para baixo o grande dragão, a serpente original, o chamado Diabo e Satanás, que está desencaminhando toda a terra habitada; ele foi lançado para baixo, à terra, e os seus anjos foram lançados para baixo junto com ele. E ouvi uma voz alta no céu dizer: 'Agora se realizou a salvação, e o poder, e o reino de nosso Deus, e a autoridade do seu Cristo, porque foi lançado para baixo o acusador dos nossos irmãos, o qual os acusa dia e noite perante o nosso Deus! E eles o venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do seu testemunho, e não amaram as suas almas, nem mesmo ao encararem a morte. Por esta razão, regozijai-vos, ó céus, e vós os que neles residis! Ai da terra e do mar, porque desceu a vós o Diabo, tendo grande ira, sabendo que ele tem um curto período de tempo.'"

 

A Sociedade Torre de Vigia afirma categoricamente em suas publicações, que a I Guerra Mundial explodiu repentinamente, fruto e conseqüência direta do fato citado no texto acima - a expulsão de Satanás e seus demônios dos céus por Jesus e seus anjos. Segundo este ensino, no início de 1914, o mundo estava maravilhosamente bem, as nações estavam em paz e segurança, as pessoas felizes e tranqüilas e nada, absolutamente nada de anormal parecia indicar a iminência do conflito. Para apoiar tais afirmações, ela publica opiniões de autoridades - que ela própria rejeitaria prontamente se fossem contrárias aos seus próprios ensinos - relatando que existia paz e harmonia nos meses antes de - repentina e inesperadamente - eclodir a guerra de 1914.

As citações abaixo constam no livro "Venha o Teu Reino", Página 115, parágrafo 12, publicado em 1981 pela Torre de Vigia (grifo acrescentado):

"Tudo ficaria cada vez melhor. Este era o mundo em que eu nasci. . . . De repente, inesperadamente, certa manhã de 1914, o negócio inteiro acabou." - O estadista britânico Harold Macmillan, no Times de Nova Iorque, 23 de novembro de 1980.

"O mundo inteiro realmente explodiu por volta da Primeira Guerra Mundial, e nós ainda não sabemos por quê. . . . A utopia estava à vista. Havia paz e prosperidade. Daí, tudo foi pelos ares. Desde então estamos num estado de animação suspensa." - Dr. Walker Percy, American Medical News, 21 de novembro de 1977.

"Vêm-me à mente pensamentos e quadros, . . . pensamentos de antes do ano de 1914, quando havia verdadeira paz, sossego e segurança nesta terra - tempo em que não conhecíamos o medo. . . . Segurança e tranqüilidade desapareceram da vida dos homens desde 1914." - O estadista alemão Konrad Adenauer, em 1965.

 

É muito convincente o uso das palavras de homens com Konrad Adenauer, grande estadista do nosso século. Pena que a Sociedade Torre de Vigia só nos fornece frases pinçadas e fora do contexto, impedindo uma avaliação clara do que na verdade estes homens públicos estavam querendo dizer com "de repente", "inesperadamente", "paz e prosperidade", "sossego e segurança". No entanto, sem ter a pretensão de contradizer homens insuspeitos, dos quais infelizmente não tenho a inteira opinião senão frases truncadas, posso afirmar que isso não corresponde a verdade histórica conhecida, a não ser que se possa considerar que um homem, dono de uma gorda conta bancária, refestelado sob a sombra de sua varanda, bebericando uma deliciosa água de coco gelada e desfrutando a belíssima vista de uma praia em alguma ilha tropical paradisíaca, seja alguém que desfrute de sossego, paz e segurança, mesmo sabendo que mora bem ao lado de um vulcão em plena atividade sísmica e prestes a entrar em erupção a qualquer instante levando tudo pelos ares. E esta é exatamente a condição existente na Europa no período que antecedeu a I Guerra Mundial.O truque usado aqui pela Sociedade é bem simples, qualquer publicitário a serviço de candidato político sabe fazer com grande facilidade. 

É o uso do contraste por comparação, ou seja, dar aparência piorada de acontecimentos negativos do passado para provocar uma impressão favorável no presente, mesmo que nada tenha mudado e as mesmas coisas negativas estejam ocorrendo. A Sociedade Torre de Vigia diz maravilhas do período anterior a 1914, destaca e amplifica as condições favoráveis e melhores da época, desconsiderando o que já estava ruim, ou o que era ruim naquele tempo e melhorou depois, para que no efeito comparativo com as décadas posteriores, estas pareçam muito pior do que realmente são.Não se trata de duvidar que Satanás tivesse o poder e a motivação para influenciar os governantes humanos no sentido de mergulhar as nações numa guerra mundial. Apenas torna-se importante observar que a preparação militar para um conflito de tal magnitude, teria que ser de dimensões proporcionais. 

Nações em paz, segurança e harmonia, não estariam preparadas e "armadas até os dentes", para, apenas poucos meses depois, lançarem-se num conflito armado de configurações inéditas na sua grandiosidade, repleto de novidades bélicas e armamentos de matança em massa. O que revela uma anterior corrida armamentista sem precedentes entre as potências européias pela supremacia militar no continente. Caso considere-se Satanás como o motivador invisível da Primeira Guerra Mundial ao ser expulso dos céus - como afirma a Sociedade Torre de Vigia - deve-se concluir então que data mais adequada para a coroação de Jesus Cristo como Rei do Reino de Deus e sua efetiva expulsão, seria pelo menos uns 40 anos antes do ano marcado por ela - 1914 - pois foi durante este período que a Alemanha - após sua vitória sobre a França numa guerra em 1870, com sua conseqüente assunção à condição de grande potência - provocou juntamente com a própria França, a Grã-Bretanha e a Rússia, a corrida armamentista já citada, culminando com a eclosão da guerra mundial em 1914. 

Os fatos históricos comprovam claramente a vertiginosa espiral de crescimento do sentimento bélico das nações européias e as evidentes intenções das potências econômicas em sobressair-se igualmente como potências militares, capazes de, a qualquer momento, imporem-se pela força das armas. O crescimento assustador do poderio militar das potências européias no período pré-guerra, pré-1914 portanto, pode ser verificado na tabela abaixo, que compara a variação do número em homens dos seus exércitos regulares (não considerando os reservistas), entre os anos de 1870 e 1914:

 

 

1870

1914

Rússia

700.000

1.300.000

França

380.000

846.000

Alemanha

403.000

812.000

Áustria-Hungria

247.000

424.000

Grã-Bretanha

302.000

381.000

 

Uma rápida olhada na tabela acima é suficiente para perceber que as principais nações envolvidas inicialmente na Primeira Guerra Mundial, exceto a Grã-Bretanha, dobraram os seus efetivos militares no período anterior a explosão do conflito. Para se ter uma idéia dos gastos com equipamentos militares no período de doze meses antes da guerra, enquanto os E.U.A., que estavam inicialmente afastados da militarização desenfreada entre as potências do velho continente, gastou US$ 0,32 per capita (por habitante) em investimentos nas suas forças armadas. Alemanha e França, investiram respectivamente US$ 8,34 e US$ 8,32 per capita. Mesmo sendo a população dos E.U.A. duas vezes maior, a diferença de valores é gritante e indica claramente a predisposição dos dois países para um conflito. 

Inúmeros escritores, historiadores e testemunhas oculares, são unânimes em retratar com riqueza de detalhes a predisposição das potências da Europa - principalmente a Alemanha - nos primeiros anos do século vinte, de equiparem seus exércitos e frotas navais com armas cada vez mais potencialmente destrutivas, mantendo todavia um véu de pacifismo sobre seus reais objetivos, alegando que o fato de exibirem poderosas máquinas de guerra iria apavorar o inimigo, mantê-lo à distância de seus domínios e, consequentemente, manter a paz entre as nações. 

Sobre as conseqüências da guerra de 1870 entre a Alemanha e a França, com a anexação pela primeira das províncias francesas da Alsácia-Lorena, o historiador Maurice Baumont escreveu no artigo "Paz armada": 

"Este não foi o fim, mas o começo dos problemas da Alsácia-Lorena, pois essas províncias seriam a causa fundamental da corrida armamentista, sob cujo peso os orçamentos europeus se curvariam durante décadas. Essa "paz armada" transformou o continente num campo militar: a França necessitava de exércitos para repelir ataques posteriores; a Alemanha necessitava-os para fazer com que a França aceitasse (I.E.: a anexação das provincias citadas) como um fato consumado. A nação alemã se desenvolvia com crescente intensidade. Era tão vitoriosa na paz como na guerra. Estatísticas triunfantes alardeavam seu brilhante sucesso econômico, sua expansão comercial e o crescimento de sua população. Vítima do nacionalismo radical e exaltado, o pangermanismo deu ocasião ao surgimento de uma abundante literatura, que espalhou o pavor por toda a parte: decididamente, a Alemanha queria a guerra, e a guerra era inevitável. A série de acontecimentos iniciada em 1905 (I.E.: crise diplomática no Marrocos) deveria continuar com uma sucessão de crises nos Balcãs e no Marrocos - "um pingue-pongue da guerra" - criando a sensação de que se aproximava um conflito no qual a Europa seria forçada a entrar abruptamente".  

 

No artigo "Os homens que desejavam a guerra", o historiador Immanuel Geiss escreveu:

"Depois da formação da Entende Cordiale, em 1904, entre a França e a Grã-Bretanha, e o acordo entre esta última e a Rússia, em 1907, a Alemanha começou a se sentir "cercada" por seus odiosos inimigos, que só estavam à espera de um pretexto para atacá-la. A resposta alemã não foi a busca de uma solução pacífica que contribuísse para desfazer a desconfiança de seus inimigos em potencial, mas o aumento de seus armamentos em terra e ar. Pelo menos alguns dos oficiais mais jovens do Estado-Maior defendiam a idéia de uma luta preventiva, assim como o ministro da guerra prussiano, General von Einen, durante a crise de Agadir em 1911. O General von Moltke, chefe do Estado-Maior alemão, aparentemente assumiu a mesma posição, uma vez que não se sentiu muito feliz com a solução pacífica da crise. Kiderlen-Wachter, o secretário de Estado alemão no Ministério das Relações Exteriores, não visava a guerra com a crise de Agadir, mas chegou conscientemente à beira de provocá-la, sem comunicar com antecedência ao seu chanceler, Bethmann Hollweg. E mesmo este último, sem dúvida um dos líderes alemães que mais prezavam a paz, estava convencido de que a guerra era uma necessidade salutar para a sua nação. Depois da crise, os líderes dos partidos burgueses no Reichstag (o parlamento Alemão) se indignaram com a fraqueza de um chanceler, que tinha deixado escapar a possibilidade de desencadear uma guerra para a qual o país estava preparado. O chanceler alemão, como sabe-se agora, não via outra maneira de garantir para a Alemanha oportunidades de se tornar uma potência mundial. Contra todas as perspectivas, acreditava que os alemães pudessem ganhar. Mas seu jogo não foi bem sucedido, e a humanidade foi lançada na Primeira Guerra Mundial do século XX". 

 

Um protagonista dos fatos, Winston Churchill, esboçou sumariamente seu próprio diagnóstico no livro "A Crise Mundial":

"Havia uma atmosfera pesada. Insatisfeitas com a prosperidade material, as nações se voltaram infatigavelmente em direção ao conflito interno ou externo". 

 

O autor J.M. Roberts por sua vez, deixou clara a condição da sociedade européia no período pré-1914 em "Porque a Europa entrou na guerra":

"Um traço perigoso da sociedade que antecedeu à guerra era sua familiaridade com a violência. A maioria das pessoas a conhecia de alguma forma, pelo menos através de relatos. É preciso estar consciente de que se está sendo parcial ao considerar como a época dourada, os anos anteriores a 1914"

 

Como o economista J.M. Keynes observaria ao término da guerra, e a veracidade de sua observação é evidente, a crosta de civilização era muito fina. Em muitos países havia um medo profundo da revolução, medo que era fortalecido pela violência social, tão comum na primeira década do século. 

A Sociedade Torre de Vigia é desonesta e tendenciosa ao afirmar que os anos anteriores ao início da Primeira Guerra Mundial em 1914, foram "anos dourados", de paz, prosperidade e segurança, sem qualquer vestígio que indicasse o grandioso acontecimento prestes a explodir. Ela usa de má fé ao imprimir uma aura de perfeita harmonia e tranqüilidade àquele período, para criar um impacto contrastante com o fato posterior - visível e doloroso para humanidade -, que foi a terrível experiência de uma inédita guerra de proporções mundiais, e o faz apenas pelo objetivo de criar um "ponto crucial", de importância inegável, que supostamente provaria a vinda de Satanás - expulso dos céus - para "ao redor da terra". No entanto, por mais poderoso que fosse, por mais mal intencionado que fosse, por mais que provavelmente desejasse provocar uma grande destruição na terra, considerando a data proposta para sua descida pela Sociedade Torre de Vigia, Satanás certamente teria chegado atrasado ao seu compromisso, os governos das potências mundiais da época já tinham tudo preparado, e com muita antecedência.

 

 

 

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