O livro de Royal começa
com um estudo detalhado da Revolução socialista mexicana
de 1917 - a primeira na história do mundo, anterior à
Revolução bolchevique, mas esquecida hoje. "Igrejas
foram destruídas, profanadas, confiscadas, e transformadas em
casernas de soldados; objetos religiosos foram profanados por soldados
que bebiam de cálices, cortavam estátuas para fazer lenha,
e usavam objetos de arte sacra para treinar a pontaria; Ordens de padres
e freiras foram postas na ilegalidade, e o ensino religioso proibido;
construções de uso religioso ou casas particulares onde
atividades religiosas ocorriam, estavam sujeitas a desapropriações".
Sacerdotes precisavam de licenças estatais e as cotas eram limitadas.
Tomás Garrido Canabal, governante
do território mexicano de Tabasco, pôs em seus filhos os
nomes de Lênin, Lúcifer e Satanás, expulsou todos
os padres que não se casassem, e pôs-se a destruir todas
as igrejas. E, hoje, há alguma preocupação no México
a respeito de ataques aos cristãos? Algum aviso de que o anticatolicismo
pode reabrir velhas feridas? Na verdade, é o contrário:
a imprensa ocidental deu o alarme de uma nova onda de intolerância
quando o Presidente eleito foi filmado recebendo a comunhão.
E a União Soviética?
O que se pode dizer? Eis um regime que tentou varrer toda a religião
em uma incrível onda de violência contra esta sociedade
religiosa. Escolas foram fechadas, sacerdotes assassinados, e Bispos
presos e torturados. Igrejas foram cercadas por tropas e os padres levados
a Moscou para ser assassinados. A instituição da família
foi atacada, sobretudo porque era nela, conforme pensavam as autoridades
soviéticas, que a fé era ensinada.
Quantos mártires? Royal
diz que não podemos saber ao certo. Mas milhões foram
mortos. O capítulo sobre a liquidação dos fiéis
ucranianos chega a ser uma leitura difícil. Imagine isto: a Igreja
Católica ucraniana tinha 2.772 paróquias, 8 Bispos, 4.119
igrejas e capelas, 142 mosteiros e conventos, 2.628 sacerdotes, 164
monges, 773 freiras e 4 milhões de fiéis leigos. Ao fim
da mais ampla supressão de fiéis religiosos da história
mundial, o conjunto inteiro tinha sido reduzido a ZERO.
A lista continua: as montanhas
de carnificina na França, Albânia, Lituânia, Polônia,
Alemanha, América Latina, Romênia, Coréia, Africa
e Espanha (ao fim da Guerra Civil Espanhola, que durou três anos,
sete mil nomes de mártires foram enviados à Santa Sé).
E, apenas no passado mais recente, o regime assassino da Indonésia
matou dúzias de padres e freiras no Timor Leste. Todas estas
mortes foram causadas pelo Estado, e os governos responsáveis
pelos assassinatos eram majoritariamente governos que professavam ódio
ao cristianismo.
Boa parte da pesquisa de Royal
é nova. O projeto começou com uma frase de uma encíclica
de João Paulo II. Ele disse que os mártires de nosso século
"não deveriam ser esquecidos". Um grupo de fiéis
da paróquia de Santo Aloísio em New Canaan, de Connecticut,
levou estas palavras a sério, e começou a acumular materiais.
A notícia se espalhou e materiais começaram a vir do mundo
inteiro. O que começou como uma simples lista se tornou um arquivo
impressionante. Com a ajuda de seu irmão, que é padre,
Royal começou o trabalho de transformar os resultados em livro.
O trabalho feito por Royal é
magistral, não somente por documentar centenas de exemplos com
histórias de alguns dos mais heróicos; ele também
nos recorda o que o martírio deve significar para nós.
Royal lembra que o cristianismo é uma fé na qual o martírio,
e não a conquista, é o motivo principal. Todos os apóstolos,
possivelmente à exceção de um (São João
Evangelista), tiveram morte violenta.
São Paulo foi degolado,
mas certamente esperava isto: assim como na antiga Israel, ele escreve
em sua Epístola aos Gálatas, "aquele que nasceu da
carne perseguiu aquele que nasceu do Espírito, assim é
agora". São Pedro foi crucificado de cabeça para
baixo e incendiado, e anteviu seu sofrimento escrevendo em sua Epístola:
"Caríssimos, não vos assusteis com o julgamento pelo
fogo que agora acontece entre vós... mas alegrai-vos, pois sois
participantes dos sofrimentos do Cristo" (1Pd 4,12s).
Nosso Senhor mesmo avisou seus
seguidores: "Eis que vos mando como ovelhas entre os lobos".
Santo Inácio, o segundo bispo de Antioquia, foi feito em pedaços
por bestas selvagens. Sob o reinado de Diocleciano no terceiro século,
velhos, mulheres e crianças foram assassinados por sua fé.
Tertuliano observou que o Estado romano culpava os cristãos por
todos os problemas, incluindo as catástrofes da natureza: não
interessando o que acontecesse, surgia sempre um brado -- "Mandem
os cristãos aos leões! Morte aos cristãos!"
Também parece assim em nosso
próprio tempo. O cristianismo, pregando a dignidade da vida humana,
e seu reconhecimento de que todo indivíduo tem uma alma de valor
infinito, gerou a idéia moderna de liberdade. De várias
maneiras, o cristianismo tem sido o sustentáculo da liberdade
por recusar-se a reconhecer a autoridade final do Estado. A lealdade
do cristão sempre tenderá a transcender a autoridade,
e assim será capaz de resistir. É por isto que os cristãos
foram mortos neste século, e é por isso que eles continuam
sendo perseguidos ainda hoje.
O milagre (e esta palavra foi cuidadosamente
escolhida aqui) é que o cristianismo sobreviveu apesar de tudo.
Até agora, ele durou mais do que qualquer governo que tenha tentado
exterminá-lo. De fato, a promessa do Nazareno era de que as Portas
do Inferno jamais prevaleceriam.
-----
Nota:
[1] The Catholic Martyrs of the Twentieth Century. A Comprehensive WorldHistory.
New York, Crossroad Publishing, 2000.
Autor: d. Estêvão Bettencourt
Fonte: PR 465 - pp. 61-64