"Revista Veja. 5 de maio, 2004. Página 171 – www.veja.com.br
 

Homer Simpson, o pensador

Uma série de obras que utilizam filmes e seriados pop para ensinar filosofia 

Num episódio do seriado Os Simpsons, o pai de família Homer solta uma pérola da ironia: “Desenho animado não tem nenhum sentido profundo. São só uns rabiscos idiotas para fazer a gente rir”. Rabiscos idiotas, vírgula - pelo menos na opinião de um grupo de filósofos americanos. Liderados por William Irwin, professor do King´s College, na Pensilvânia, esses estudiosos produziram um livro em que o programa dá mote a uma série de ensaios baseados nas idéias dos pensadores clássicos.

Esse livro se chama Os Simpsons e a Filosofia (tradução de Marcos Malvezzi Leal; Madras; 288 páginas; 34,90 reais). Num dos textos que o compõem, as teorias do grego Aristóteles sobre a virtude são analisadas com base nas personalidades de Homer e de sua mulher, Marge. Em outro, discute-se se Bart, o filho travesso do casal, se encaixa no conceito “super-homem” do alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). E por aí afora. Obras que abordam produtos da cultura pop pelo prisma da filosofia não são uma novidade completa. O Ursinho Pooh, por exemplo, personagem celebre da literatura infantil e dos desenhos da Disney, já serviu de monte a uma brincadeira desse tipo, para ficar num exemplo. Mas Irwin e seus colegas resolveram transformar esse tipo de abordagem num filão consolidado.

Além de Os Simpsons e a Filosofia, Irwin já editou obras sobre as séries Seinfeld, Família Soprano e Buffy: a Caça-Vampiros e os filmes O Senhor dos Anéis e Matrix. Lançado no Brasil no ano passado, o livro que trata desse ultimo permaneceu por treze semanas na lista de mais vendidos de VEJA. Nos estados Unidos, tais títulos venderam 500 000 exemplares e vitaminaram os negócios de uma pequena editora, a Open Court. Em breve, deverão se juntar a eles tratados sobre o bruxo Harry Potter, as motos Harley-Davidson e o filme A Paixão de Cristo, de Mel Gibson. Não é difícil entender as razoes do sucesso dessas obras. Elas são consumidas com voracidade pelos faz das respectivas atrações e oferecem uma maneira nem um pouco sisuda de tomar contato com a filosofia, para aqueles que não ousariam se debruçar sobre os clássicos. “Há tempos descobri que a melhor forma de estimular meus alunos é rechear as aulas de referencias ao pop. Então, pensei: essa idéia pode ser útil para levar a filosofia aos leigos”, diz Irwin, que tem 34 anos e é fanático por heavy metal.

Nem todos simpatizam com a idéia. “Filósofos de segunda linha estão infiltrando a cultura de baixo nível acadêmico”, denunciou uma colunista do semanário nova-iorquino The Village Voice. O filósofo brasileiro Enéias Forlin, da Universidade de São Paulo, discorda. Ele leu o livro sobre Os Simpsons – e gostou. “São ensaios interessantes para leigos e estudiosos”, diz. Mais do que baratear a filosofia, eles seriam uma tentativa – e inofensiva – de injetar bom humor no tratamento do assunto. “Sócrates, um nome fundamental da filosofia, falava às pessoas por meio de temas populares. Estou certo de que ele aprovaria”, DIZ Irwin. Pena que a edição brasileira do livro seja comprometida pelo descaso com a revisão. Há trapalhadas dignas de Os Simpsons.

 
     

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