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Um presente de Natal inesquecível

Por LINDA DEMERS HUMMEL / Revista Seleções / TeleNews Shopping

Ele entrou em minha vida há vinte anos, encostado à entrada da porta da sala 202 na escola onde eu ensinava. Usava tênis três números acima do seu e fartas calças de xadrez, rotas nos joelhos.

Foi desta forma que Daniel, como o chamarei aqui, embora não fosse esse o seu nome, entrou na escola daquela bela e antiga cidadezinha situada nas margens de um lago, conhecida por seus habitantes endinheirados, suas casas coloniais brancas e suas caixas de correio de metal amarelo. Ele me contou que a última escola que freqüentara fora num condado vizinho. "Estivemos lá na colheita de frutas", me informou num tom casual.

Desconfiei imediatamente que este menino amistoso, pouco limpo e sorridente, oriundo de uma família de trabalhadores migrantes, não suspeitava sequer de que fora atirado no meio de um grupo de crianças de 10 anos que nunca tinham visto calças rotas. Mas se ele reparou na troça, não o demonstrou.

As 25 crianças o olharam com desconfiança até o jogo de kicball dessa tarde, onde, na primeira parte, ele conseguiu fazer um home run. A proeza valheu-lhe um pouco de respeito por parte dos críticos dissimulados da sala 202.

A seguir, foi a vez de Charles, o aluno menos atlético e mais pesado da turma. Após a segunda tacada, em meio aos olhares de escárnio e grunhidos da turma, ele viu o Daniel aproximar-se por trás e dizer-lhe baixinho: "Não ligue. Você é capaz".

Descontraindo-se, Charles sorriu, endireitou-se e deu novamente uma tacada sem qualquer direção. Mas, nesse preciso momento, ao desafiar a ordem social daquela selva em que acabara de entrar, ele começara calmamente a mudar as coisas e a nós próprios.

No final do outono, todos nos havíamos aproximado de Daniel. Ele nos ensinava todas as lições: como chamar um peru selvagem, como ver se uma fruta estava madura sem ter de lhe dar uma dentada primeiro, ou como tratar os outros, incluindo o Charles. E principalmente o Charles! Nunca usava os nossos nomes. A mim chamava "senhorita" e aos colegas "garoto".

Na véspera do último dia antes das férias do Natal, os alunos traziam sempre presentes para os professores. Era como um ritual: a abertura de cada embrulho desta ou daquela loja de departamentos, examinar o perfume, a echarpe ou a carteira de couro, todos de elevada qualidade, e agradecer a cada uma das crianças.

Nessa tarde, Daniel foi até a minha mesa e disse ao meu ouvido: "Nossas caixas chegaram ontem à noite", disse sem emoção. "Vamos embora amanhã".

Ao ouvir tal notícia, meus olhos se encheram de lágrimas. Para cortar o estranho silêncio que se fez, ele me contou como iria ser a mudança. Depois, ao me ver recomposta, tirou uma pedra cinzenta do bolso. Colocou-a na mesa e empurrou com delicadeza em minha direção, deliberadamente e em grande estilo.

Percebi que era algo de notável, mas toda a minha prática com o perfume e seda deixara-me irremediavelmente impossibilitada de corresponder. "É sua", disse, fixando os olhos nos meus. "Poli-a especialmente para a senhorita".

Nunca esqueci aquele momento. Os anos foram passando. Todos os Natais, minha filha me pede para lhe contar essa história. Começa sempre após ela ter pegado na pedrinha polida que está sobre minha secretária e vir se anichar no meu colo. As primeiras palavras da história nunca variam: "A última vez que vi Daniel ele me deu essa pedra de presente e me contou sobre as caixas. Isso foi há muito tempo, mesmo antes de você ter nascido. Agora, esse menino já é um adulto", concluo.

Juntas, imaginamos onde ele poderá estar e o que é agora.

"Aposto que é uma boa pessoa", diz minha filha. Depois acrescenta: "Conta o fim, da história".

E sei aquilo que ela quer ouvir: a lição de amor e carinho aprendida pela professora com um aluno que nada tinha e, ao mesmo tempo, tinha tudo para dar! Um menino que vivia mexendo com caixas. E toco na pedra, recordando-me dele. "Olá garoto", digo gentilmente. "Aqui é a Senhorita. Espero que já não precise das caixas. E feliz Natal aonde quer que estejas".

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