Uma missão na Amazônia
pós-pombalina
Brasil Indígena - 500 anos de Resistência
O zoólogo Johan Baptist von Spix (1781-1826) e o botânico Carl Friedrich von Martius (1794-1868), ambos austríacos, fizeram entre 1817 e 1820 uma longa viagem pelo Brasil, reunindo mais de 6.500 espécimes de plantas e deixando importantes relatos etnográficos e rica iconografia sobre os povos indígenas. Foram os autores de uma primeira classificação das línguas indígenas no Brasil.
Chefe Munduruku em trajes cerimoniais.
Aquarela de Hercules Florence, desenhista
da Expedição de Langsdorff, 1828.
Os missionários e as autoridades coloniais
usaram a combatividade dos Munduruku
para eliminar outros grupos, como os Mura,
os Arara e os Parintintim.
Em 1835, foram cooptados pelo governo
para combater os cabanos.
(veja: Cabanagem).
A missão Novo Monte Carmelo do Canomá está situada a meia hora mais acima dessa junção, à margem esquerda do rio [Madeira]. Foi fundada em 1811 pelo monge carmelita frei José Álvares das Chagas, e era agora dirigida por um padre secular, Antônio Jesuíno Gonçalves, que me acolheu e hospedou com amável benevolência. Achava-se ele, com sua família, inteiramente só entre cerca de uns mil mundurucus, dos quais nem todos, entretanto, viviam na própria missão, mas espalhados pelo mato, e particularmente ao lado oriental do rio em palhoças abertas. Admirei a perseverança e coragem com que esse homem, de gênio tão suave, vivia entre selvagens, que só poucos anos antes haviam abandonado a sua completa liberdade.
(...) A notícia da minha chegada logo espalhou terror entre os neófitos do bondoso padre, supondo eles que eu os vinha prender para o serviço público. Havia-se ultimamente, apesar dos protestos do vigário, começado a recrutar cada trimestre um certo número de mundurucus para trabalhos forçados, motivo pelo qual os índios já se haviam tornado difíceis, ameaçando voltar às matas.

Maior número de homens encontrei em Caiaué e em algumas outras malocas, no lado oposto do rio, que tem aqui mais de quatrocentas braças de largura. Quando os índios nos viram remando para ali, saíram das suas grandes cabanas cônicas e vieram dançando ao nosso encontro: uma coifa de penas na cabeça, longas fitas de penas pendentes às costas e brandindo com as mãos um cetro cilíndrico de penas. Ainda bem não tínhamos posto pé em terra, já eles haviam-se retirado para as cabanas, onde nos receberam ao seu modo, de cócoras em volta de uns pratos, dos quais tiravam com vagar e silenciosos as iguarias com os dedos. Era um manjar de castanhas amassadas e de uma erva parecida com o espinafre, o caruru-açu (Phytolacca decandra L.); estava ao lado uma cuia com o suco doce de sementes frescas de cacau, passadas em peneira. Ofereceram-nos esses petiscos, mas pouco se importaram por nada aceitarmos. Depois da refeição, deitaram-se nas redes, donde ficaram a olhar tranqüilamente para nós.

SPIX & MARTIUS. Viagens pelo Brasil, 1817-1820. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1981. v.3, p.274-5.
 
 


Brasil Indígena: 500 anos de resistência / Benedito Prezia, Eduardo Hoomaert. - São Paulo: FTD, 2000.
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