José Romaguera da Cunha Correia - (Santana do Livramento, RS 1865 - Uruguaiana, RS 1910). Formado em Medicina (Rio, 1888), logo retornou ao seu Estado natal, dedicando-se à clínica médica e à política. Seu Vocabulário sul-riograndense (1898), segundo do gênero que se publicou, fixa, continuando a obra iniciada por Antônio Pereira Coruja, o ciclo de estudos lingüísticos do Rio Grande do Sul, ampliando a pesquisa no sentido histórico da evolução vocabular e fornecendo novos dados para o conhecimento da vida gauchesca.
Trechos de Vocabulário sul-riograndense
Laço
O laço, arma de que fizeram algum uso os rio-grandenses em diversas
guerras em que se têm empenhado, foi encontrado, segundo Nicolau
Dreys, nas mãos dos indígenas; porém ignora-se de
quem os receberam. Acrescenta o mesmo historiador acima, que Thevenot já
havia encontrado o laço entre os povos da Índia e que o padre
Verbiest viu os guerreiros da Tartária manejarem-no. O campeiro
rio-grandense bem raras vezes anda sem o seu laço, que ele carrega
enrolado e atado a uma das tiras de couro (tentos) existentes na parte
posterior do lombilho. O gaúcho faceiro carrega o laço com
variada e requintada elegância. Além de ser uma arma de valor
para apreender o inimigo, serve para o campeiro em qualquer lugar segurar
o cavalo para
seu uso ou a rês para sua alimentação.
Maragato
Na província de León, Espanha, existe uma comarca denominada
Maragateria, cujos habitantes têm o nome de maragatos, e, que, segundo
alguns, é um povo de costumes condenáveis; pois, vivendo
a vagabundear de um ponto a outro, com cargueiros, vendendo e comprando
roubos e por sua vez roubando principalmente animais; são uma espécie
de ciganos. Aos naturais da cidade de São José, no Estado
Oriental do Uruguai, dão neste país o nome de maragatos,
talvez porque os seus primeiros habitantes fossem descendentes de maragatos
espanhóis. Pelo fato de os rebeldes em suas excursões irem
levantando e conduzindo todos os animais que encontravam, tendo apenas
bagagens ligeiras, cargueiro, etc. Como os da Maragateria e porque (com
exceções) suspendiam com o que encontravam em suas correrias,
aplicou-se-lhes aquela denominação, que aliás eles
retribuíram com outras não menos delicadas aos republicanos,
a despeito da correção em geral observada por estes em toda
a luta.
Pousada
O mesmo que em português, com a diferença, porém, que
na língua rio-grandense significa apenas o pouso ou descanso à
noite num lugar; pernoite. Em português, além de outras significações,
tem também essa única corrente no Rio Grande. O mesmo quanto
a pouso e pousar, que também se emprega no sentido de descansar
o pássaro depois de haver voado.
Assim
quem no Rio Grande ou na sua campanha cansado de caminhar, ao meio dia
ou ainda muito cedo, pedisse pousada, correria o risco de ser alvo de chacotas,
salvo um ou outro caso excepcional, pelo que a pousada só se pede
à tardinha ou à noite.
Retovar
Retovar um burro, é cobri-lo com o couro da cria de uma égua,
para que esta assim enganada, o amamente durante o tempo necessário
para que ele se acostume a acompanhá-la. O burrinho, assim disfarçado,
é colocado durante a noite junto à égua para que esta
possa aceitá-lo com mais facilidade, conservando-se preso o burrinho
por espaço de dois ou três dias a fim de ver se a égua
de fato o aceitou e se ele a acompanha na manada, da qual é o futuro
reprodutor. este expediante é mais empregado para a criação
do burro junto às éguas, mas também às vezes
a ele se recorre para se obter a amamentação de um potranco
de estimação e cuja mãe tenha morrido. Etim.: É
palavra derivada do hispano-americano retobar.
Tora
Tirar uma tora ou torita é baterem-se dois sujeitos com o fim de
se experimentarem no manejo das armas, muitas vezes saindo feridos os contendores.
Antigamente era mui comum nas vendas da campanha ou em outros lugares baterem-se
(às vezes à morte) indivíduos que nem se conheciam,
unicamente por gauchismo ou por desconfiar um deles que o outro se julgava
seu superior em bravura ou destreza no manejo das armas, etc. Etim.: Empregado
em lugar do port. toro.