Em São
Paulo
Foi nos Estados
que não tinham conhecido a vertigem do "boom" nacional e seus consequentes
avanços progressistas, que a produção literária
lentamente se afirmou. Assim, ela não derivava propriamente de depressão
alguma. Ao contrário, depois de 30 é que se manifestou nessas
regiões do país uma maior ascensão e uma melhor estabilidade
econômica. Ascensão e estabilidade que revelam o saco vazio
de sua mealha nas páginas geralmente trágicas das narrativas
que já lhes fixaram os contornos. A depressão veio profunda
e espetacular nas regiões auríferas do café e dela
agora se prenuncia uma literatura que promete
fazer retornar São Paulo às
possíveis alturas que atingiu na era modernista.
Entre o que hoje
se anuncia e o literatejar feliz e arrogante da alta, houve a Revolução
Paulista. Desse episódio resultou uma vaidade e cheia exploração
editorial. Não se pode, de fato, considerar como produção
literária, fixadora dessa fase, a série de exaltações
tartarinescas ou o puro esmiuçar de detalhes militares que fez o
fugaz êxitos desses chochos livros de guerra. A literatura da revolta
paulista de 32 está por aparecer como uma fatia da literatura da
depressão, pois a depressão foi o motor desse grave conflito
regional.
Se compararmos
os livros do Norte e do Sul que ilustram o período de 30 para cá,
com as magras marcas da ressureição intelectual paulista,
uma coisa se nota para benefício de São Paulo. É que
o vanguardismo, as preocupações da técnica e do melhor
padrão, continuam a alarmar tanto o artista como o escritor bandeirante.
Enquanto o Norte e o Sul produziram mais uma literatura de depoimento,
é em São Paulo que se procura ainda, a melhor têmpera
expressional de quadros, livros e poemas. O cuidado de estar ao par, de
se colocar na linha mais avançada do estilo literário, como
o de desenvolver aqui as manifestações últimas produzidas
pelo espírito das civilizações mais cultas, tem salvo
São Paulo da modorra em que adormeceram suas energias depois da
queda do café. Publicado em 19.4.39.
Por uma
frente espiritual
Por melancólica
e saudosista que fosse a reação armada de 32, continham-se
dentro dela príncipios idealistas que, depois de dez anos de balbúrdia
internacional, haviam de ressurgir programas de vitória anglo-americana.
Eis como no volume inicicial de meu romance "Marco Zero", agora publicado,
São Paulo se exprime pela sua velha Escola de Direito: "O estandarte
da Faculdade saíra para a rua. Circundavam-no peitos atléticos,
rostos adolescentes, vozes ativas. Haviam estacado no territótio
livre de São Francisco, o largo da Faculdade. Rodeado pelos colegas,
o moço de óculos sem aros, orava no silêncio. Era o
Direito que passava, o Direito trazido para a bruteza da América
de homens nus, pela censura longíqua nascida na cidade negra, florida
no Império Romano, onde se enlaçara na cruz de Cristo. Aquele
estandarte, elevado sobre as cabeças ao vento das ruas, era a Europa
da descoberta. Ela significava o homem vestido para as relações
da sociedade, nutrido pela higiene, desenvolvido pela máquina. A
velha Faculdade do planalto tinha um século de florões que
haviam ligado suas
lianas à construção
do Brasil legal. Nela se achava o bandeirismo pioneiro. Dele saíra
a pátria independente e viril. Era a lei que passava, a lei ameaçada
pelos tempos irrequietos e movediços. Às senhas de morte
que a revolução prenunciava, uma resposta adesiva, calcada
de martirológios, respondia, ecoava nas ac;amações,
no ruído estripitoso das passeatas cívicas. Era um século
de Direito que a Ditadura ameaçava!"
...
Se dez anos atrás,
a razão histórica se contrapunha a quaisquer resíduos
de saudosismo feudal e de exploração mandonista, hoje isso
desapareceu e a balança pende visivelmente para as ações
liberais. São Paulo está longe da suspeita de regionalismo
que contra ele se levantara. Hoje, São Paulo é uma célula
unida do Brasil e do mundo em transformação. Uma frente idealista
une aqui todos os que não mais suportam que permaneça
na terra o absolutismo favorável a divisão monstruosa entre
felás esfomeados e tubarões insultantes, entre
classes quilometralmente opostas e que
só a força bruta mantém num instante cada vez mais
próximo do colapso e do fim.
Publicado em 13.12.43
Literatice
Quando foi publicado o primeiro
texto abaixo (Brasil Agreste), Dyonélio já havia sido
deputado e preso comunista, Oswald estava deixando o partido comunista,
após 15 anos de militância.
Brasil Agreste
Os gaúchos têm
dado um recente brilho a esse gênero que se tornou principal em nossa
literatura. além de Erico que nos havia oferecido um Rio Grande
urbanizado, policiado, numa técnica correspondente, tivemos a revelação
de "Os Ratos" de Dyonélio Machado e aquelas torturantes páginas
de "Almas Penadas" de Pedro Wayne. Agora, o autor de "Fronteira Agreste",
dentro de um naturalismo colorido e minucioso, nos revela a vida fronteiriça
do Brasil, primitiva e trágica, suando a dor nua dos deserdados,
a frieza dos sicários
e a inconsciência dos senhores.
Tenho a impressão
de que todo o material sociológico oferecido pelos narradores do
Norte como o que colhi em São Paulo para "Marco Zero", não
são mais importantes que esse imparcial depoimento sulino, feito
pelas mãos de um mineiro. É dessas contribuições
ardentes e honestas que se forma o patrimônio espiritual de um povo
e o seu direito de viver perante a posteridade. Publicado em 12.3.44.
Fronteiras e Limites
O jornalista Darwin
Brandão, reproduzindo em "Manchete", coisa que desprevenidamente
lhe disse, esqueceu de citar entre o que
considero as quatro obras-primas do romance brasileiro atual, "Os Ratos"
de Dionélio Machado. Com esta jóia do Sul, equiparam-se "Jubiabá"
de Jorge Amado, "Marafa" de Marques Rebelo e "São Bernardo" de Graciliano
Ramos. Publicado em 25.3.53.
Telefonema,
Oswald de Andrade, Obras Completas - 10, INL, Editora Civilização
Brasileira, 1971.