EURECA!

Por que a intuição (e quem sabe lidar com ela) é cada vez mais valorizada no mundo dos negócios

Por Nelson Blecher

"Há algo dentro de você que sabe muito mais do que você."
Rochelle Myers, professora de criatividade para executivos na
Stanford Business School

Lembra aquela época (ainda bem recente) em que você se arriscava a receber olhares tortos ou um silêncio reprovador dos interlocutores se invocasse, numa reunião de negócios, o sexto sentido como argumento? Era algo completamente fora de pauta. Soava como esoterismo. Não que os pressentimentos pessoais não estivessem atuando, nas sombras. Mas era como o macaco que todos viam no meio da sala e fingiam que não porque ali não era seu lugar. Até mesmo as mulheres, reconhecidas por ter maior senso intuitivo, negavam que fizessem uso dessa capacidade em sua vida profissional. Era quase pejorativo assumi-la. Quer ver como isso mudou?

Em meados de setembro, o executivo Jorge Schreurs, presidente da Compaq do Brasil, foi submetido, durante dois dias, a uma bateria de testes. No que você acha que a equipe americana enviada para cá estava interessada: nos conhecimentos de Schreurs a respeito do mercado brasileiro? Em sua capacidade de analisar o sucesso de um novo modelo de computador? Em suas relações com a indústria de informática? Nada disso. Os quatro psicólogos queriam saber, acima de tudo, se ele tem uma intuição aguçada -- ou ao menos dentro dos padrões estabelecidos para o pessoal graduado da corporação. Por que a Compaq, líder mundial de computadores pessoais, gasta alguns milhares de dólares para conhecer o perfil psicológico de seus principais executivos ao redor do mundo? "A companhia acredita que as características pessoais de seus líderes afetam o trabalho e podem ser uma fonte determinante de sucesso", afirma Schreurs.

Mais e mais corporações passaram a valorizar a intuição como uma ferramenta profissional - como demonstra a preocupação de medir o potencial de seu capital humano. Num recente levantamento feito pelo respeitado IMD (International Institute for Management Development), com sede na Suíça, 80% dos 1 312 executivos entrevistados em nove países avaliam que a intuição se tornou importante para formular a estratégia e o planejamento empresarial. A maioria (53%) diz que recorre à intuição e ao raciocínio lógico em igual proporção em seu dia-a-dia. É importante que haja esse equilíbrio. Sem o apoio de análises baseadas em fatos objetivos e dados quantitativos, a intuição freqüentemente conduz a decisões equivocadas nos negócios. "O que eles estão nos dizendo é que administrar é mais do que contar, pesar e medir", afirma o professor Jagdish Parikh, coordenador daquela pesquisa e autor de Intuição: A Nova Fronteira da Administração, que terá uma versão em português editada pela Cultrix.

O IMD não se limitou a colher depoimentos. Eles foram confrontados com um teste objetivo. Japoneses, americanos e ingleses despontam no grupo dos executivos mais intuitivos. Foi confirmada uma tendência que, invariavelmente, surge nesse tipo de levantamento: a proporção de executivas que atingiram na avaliação alto grau de intuição é bem superior à dos homens. Mas o que mais surpreende na pesquisa não é isso. É a constatação de que, nesse quesito, tudo indica que estamos na contramão da tendência internacional. Ao contrário de seus colegas de oito nacionalidades, os executivos brasileiros são os que mais pendem para um lado da balança. Mais da metade deles afirma que no trabalho guia-se unilateralmente pelo raciocínio e pela lógica. Também no teste os brasileiros foram classificados, ao lado de franceses e austríacos, no grupo dos executivos apenas medianamente intuitivos. É surpreendente por dois motivos. Primeiro: o brasileiro sempre gostou de cultuar a auto-imagem de improvisador criativo, que se traduz pelo famoso jeitinho. Também não vivemos no país que projeta a excelência na música e no futebol? Segundo: racionalistas no escritório, seis em cada 10 executivos brasileiros recorrem à intuição em suas decisões pessoais. "É como ir para o trabalho deixando metade da capacidade em casa", diz a psicóloga e consultora carioca Fela Moscovici. "Pode estar nessa área não-racional a lacuna detectada por muitas empresas quando avaliam o desempenho de seus executivos."

O que vem a ser, afinal, a intuição?

Para começar, ela nada tem de sobrenatural, nem é exclusividade do sexo feminino. É uma forma de captar informações sem recorrer aos métodos do raciocínio e da lógica. Isso quer dizer que a intuição se opõe à razão? Não. Ela apenas se situa fora de seus domínios. Para Carl Gustav Jung, um dos expoentes da psicologia contemporânea, a intuição é a função da psique que desvenda as possibilidades. Funciona, dessa forma, como uma bússola. "Se estamos na selva ou trabalhamos nas bolsas de valores, esses palpites e impressões serão armas eficazes", disse Jung.

Depois de entrevistar dezenas de executivos para um estudo a respeito de liderança, os pesquisadores americanos James Kouzes e Barry Posner concluíram que a intuição resulta da mesclagem do conhecimento com a experiência. "Para o líder experiente, tudo isso pode ocorrer em questão de segundos", afirmam os autores de O Desafio da Liderança. "Mas são os anos de contato direto com uma variedade de problemas e situações que fornecem ao líder um insight singular." Isso explica por que, na pesquisa do IMD, a intuição alcança seu ponto máximo na faixa de 45 a 59 anos.

FORÇA PROFUNDA - Recém-chegada ao léxico da administração, a intuição é uma velha companheira de artistas e cientistas. Num estudo recentemente divulgado nos Estados Unidos, 82 entre 93 Prêmios Nobel enfatizaram o papel importante dessa capacidade na criatividade e nas descobertas humanas. O ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill e os gênios da música Beethoven e Mozart atribuíram suas maiores realizações ao uso da intuição. O pensador americano Ralph Waldo Emerson a qualificou de sabedoria básica. "Nessa força profunda, o último fato além do qual a análise não pode ir, todas as coisas encontram sua origem", escreveu Emerson.

Há algo mais que você deve saber sobre a intuição. Como reconhecê-la, por exemplo? Se você for um intuitivo nato, agirá naturalmente movido por ela. Neste caso, a intuição está tão aflorada na consciência que fica difícil distingui-la. Isso não quer dizer que intuitivos sejam privilegiados nos escritórios. Luciano Colella, um analista junguiano, diz que a intuição, para resultar em eficácia, precisa sempre estar conectada a outras funções. "Sem pensamento capaz de organizá-la e sem sensação para realizá-la, uma idéia luminosa pode não servir para nada", diz Colella.

Insights e pressentimentos costumam vir acompanhados de reações emocionais e imagens ou emergem de uma voz interior. Pense no "eureca" de Arquimedes ou naquele estalo de quem decifrou um problema intrincado ou a teoria da relatividade. "Às vezes confio estar certo sem saber a razão", disse, certa vez, o físico Albert Einstein, que considerava a imaginação mais importante que o conhecimento.

Por que a intuição passou a ser tão valorizada no mundo dos negócios?

Para começar, entenda que, antes de conquistar o atual reconhecimento corporativo, essa sempre foi uma rica fonte de inspiração para os gênios da inovação. Tome o exemplo do pesquisador americano Edwin Land, que concebeu a câmera Polaroid. Em 1943, Land passava as férias com a família numa praia quando foi surpreendido por uma questão singela da filha Jennifer, então com 3 anos: "Papai, por que não posso ver meu retrato na hora?" Foi o suficiente para despertar na mente de Land a imagem de uma novidade. "A câmera, o filme e a físico-química tornaram-se tão claros que, alvoroçado, corri ao encontro de um amigo", contou Land.

Você provavelmente não estaria fazendo caminhadas ao som de seu walkman se Akio Morita, em vez de confiar na voz da intuição, desse ouvidos aos engenheiros da Sony. Morita passara a ruminar a idéia de um equipamento compacto depois de observar pessoas que caminhavam pelas ruas de Tóquio e Nova York carregando pesados aparelhos nos ombros. Submetido ao pessoal técnico, o projeto foi tocado com relutância. Achavam que ninguém teria interesse em comprar um aparelho sem dispositivo de gravação. Foi um dos mais retumbantes sucessos da indústria eletroeletrônica. Desde 1979, quando foi lançado, o walkman se multiplicou em mais de 250 diferentes modelos. "Não acredito que qualquer grau ou volume de pesquisa de mercado poderia nos ter convencido de que o walkman seria um sucesso", contou Morita em sua autobiografia.

Mas, se intuitivos como Land ou Morita não são nenhuma novidade no mundo dos negócios, por que só agora a intuição está sob os holofotes?

Porque, no campo da inovação, as empresas têm de buscar caminhos mais diretos, a exemplo do walkman. "Sem pesquisa alguma, esse pequeno produto mudou literalmente o hábito de ouvir música de milhões de pessoas", diz Morita. As pressões competitivas tendem a reduzir cada vez mais o ciclo de vida dos produtos. Pense nos modelos de tênis que agora duram seis meses ou nos computadores que se renovam a cada 18 meses. Não por acaso, o levantamento do IMD aponta o marketing como uma das áreas nas quais mais se requer o uso da intuição. Também explica por que as empresas intensificam a busca por gerentes intuitivos. "Eles têm habilidades especiais que podem tornar-se mais valiosas no ambiente de rápida mudança", afirma o americano Weston Agor, pesquisador da Universidade do Texas.

Outro motivo para a valorização da intuição: os consumidores também vêm se tornando imprevisíveis. É isso que tem estimulado novas abordagens no lançamento de produtos. Veja o que diz o americano Robert Lutz, vice-presidente do conselho da Chrysler: "Nós já botamos tanta fé na análise, na quantificação e em outras áreas do lado esquerdo do cérebro que muitas vezes, de tanto examinar as árvores, deixamos de enxergar a floresta". A Chrysler inverteu a mão no que diz respeito à maneira como a indústria automobilística concebe seus modelos. Em vez de fazer pesquisas com grupos focalizados para descobrir o que o cliente quer, como faz a GM, a companhia passou a apostar em seu próprio feeling. Por quê? "O consumidor pode dizer quais das muitas opções já existentes aí fora ele prefere", diz Lutz. "Mas, quando se trata do futuro, por que devemos esperar que ele seja especialista em vidência ou criatividade? Afinal, não é isso o que ele quer que nós sejamos?"

PALPITES NA FÁBRICA - Você não encontrará bolas de cristal nas linhas de montagem da Chrysler. O que a companhia fez foi esticar até a base o fio invisível que conduz o potencial de criatividade. Para começar, a linha convencional de montagem foi substituída pela chamada equipe de plataforma. Engenheiros, projetistas, fornecedores e operários passaram a trabalhar em conjunto. Antes, cada grupo fazia sua tarefa e repassava ao grupo seguinte. Tudo isso foi acompanhado por uma equipe de comportamento gerencial. Os executivos foram encorajados a ser mais acessíveis e treinados para aprender a ouvir seus subordinados. Instaurou-se na fábrica um clima de confiança tal que hoje ninguém se constrange em perguntar o que sua intuição lhe diz sobre determinado problema. O sedan Neon, por exemplo, recebeu mais de 4 000 sugestões de operários da linha de produção. Qual foi o resultado? Modificações no design, visando à economia de custos, sem precedentes em um carro americano. Foi esse o veredicto do concorrente Toyota, depois de rigoroso exame.

Existe outro fator poderoso que explica por que os executivos estão recorrendo cada vez mais à intuição. São as aceleradas mudanças econômicas e tecnológicas, que tornaram as questões demasiadamente complexas. Houve praticamente uma inversão de paradigmas. Considere que, até meados dos anos 80, a maior preocupação das empresas era escolher em que países ou setores deveriam alocar seus investimentos. Tais decisões podiam ser tomadas com base em dados quantitativos previsíveis e nos instrumentos analíticos aperfeiçoados desde o pós-guerra. Nesta década, muitas empresas tiveram de se reinventar para sobreviver. Reduziram seus quadros, redimensionaram suas linhas de produção, adaptaram ou criaram novos produtos e passaram a atuar em mercados inéditos. Antes, essas decisões podiam ser maturadas. Agora, devem ser adotadas de forma quase instantânea. Não há tempo a perder. Como antes os problemas se repetiam, havia soluções padronizadas que podiam ser implementadas. Com a globalização, as empresas tiveram de se adaptar a novos esquemas de produção e novas fontes de suprimentos. Surgiram questões cruciais: produzir internamente ou terceirizar? Comprar de fornecedor nacional ou localizar outro melhor nos confins da Ásia? Montar uma rede própria de distribuição ou fazer parcerias estratégicas com outras empresas? "Um dos princípios fundamentais na tomada de decisões sempre foi a confiança nos precedentes", diz Parikh, consultor do IMD. "Ocorre que hoje muitas das situações com que se defrontam os executivos não têm precedentes."

De tudo isso resulta um paradoxo. Hoje as empresas dispõem de informações muito mais volumosas do que no passado, e em tempo real. Só que, em vez de conferir segurança aos executivos, isso gerou uma sobrecarga que pode desorientá-los. Veja o que revelou uma pesquisa realizada no ano passado pela Reuters com mais de 1 000 executivos:

* 43% acreditam que decisões importantes estão sendo proteladas por causa da necessidade de avaliar muito material.

* 49% declaram-se incapazes de lidar com os volumes de informação que recebem.

* 44% acreditam que o custo de coletar informações excede seu valor para o negócio.

* Dois terços dos entrevistados dizem que as pressões para tomar decisões e os prazos devem piorar no futuro.

Para se guiar nessa selva de informações, nada como apelar para os dotes intuitivos, certo?

Com tantas mudanças e tão diferentes fatores atuando simultaneamente, a capacidade de desenvolver uma visão, seja da empresa, seja dos mercados em que ela opera, tornou-se a pedra de toque no mundo dos negócios - de uma forma talvez inédita na história da administração. Estamos falando em visão? Detenha-se por um momento na origem etimológica da palavra intuição. Provém de um verbo latino que significa ver. "Se a necessidade é mãe da invenção, a intuição é a mãe da visão", diz Kouzes.

VISIONÁRIOS - Qual é hoje a característica mais importante que os investidores desejam ver nas empresas em que vão colocar seu dinheiro? Que tenham visão de longo prazo. Foi o que revelou um recente estudo da consultoria americana Shareholders Surveys. Visão de futuro também foi o item mais destacado em outro levantamento a respeito das qualidades do gerenciamento, feito pela revista americana Industry Week. A razão disso? Eis o que descobriram pesquisadores americanos do Newark College of Engineering: os executivos ou diretores de empresas bem-sucedidas eram capazes de usar a intuição para prever o futuro em proporção que excedia significativamente as expectativas do acaso. Já os executivos de empresas que perdem dinheiro apresentaram números bem abaixo da média. Prever o futuro é fácil? Não. Nunca foi. Em 1893, durante a Feira de Chicago, algumas cabeças privilegiadas foram convidadas a prever como seria o futuro em um século. Ninguém atinou com a ascensão dos transportes motorizados. Detalhe: à época, o motor de combustão já havia sido patenteado.

Contar com a intuição tornou-se necessário agora não apenas para dirigentes e planejadores, mas para praticamente todos os escalões da empresa. Departamentos foram reagrupados em processos de trabalho que reúnem profissionais de diferentes áreas. Ao analisar as transformações no mundo do trabalho nesta fase de pós-reengenharia, o consultor americano Michael Hammer detectou a valorização emergente de três novos perfis profissionais. Primeiro: pessoas aptas para identificar tendências sem precedentes e com boa noção intuitiva para extrair tendências coerentes de dados conflitantes. Segundo: funcionários com capacidade para pensar além dos limites convencionais. Terceiro: pessoas eficazes em influenciar opiniões e atitudes e persuadir os colegas a se livrarem do familiar e abraçar o incerto. Antes eram favorecidos nas empresas os funcionários eficazes na execução de planos. Daqui para a frente, diz Hammer, a eficácia consistirá em formular as perguntas certas ou respondê-las.

São habilidades que exigem, sobretudo, senso intuitivo. Segundo o psicólogo americano Myers Briggs, pessoas intuitivas são particularmente dotadas para descobrir novas formas de fazer as coisas. Conseguem enxergar a floresta, em vez de se deter sobre determinada árvore. Também têm aptidão para visualizar conexões entre as partes. Gostam de passar de uma tarefa para outra (o que indica flexibilidade). São voltadas para o futuro e estimuladas por sua própria inspiração.

Como as companhias podem se valer de algo que parece tão intangível como a intuição?

O caso da Chrysler mostra que é possível catalisar o potencial criativo desde que sejam estabelecidas condições propícias. Depende ou de aspectos da cultura da empresa ou de um líder com sensibilidade aguçada. Para os consultores americanos Robert Cooper e Ayman Sawaf, autores de Inteligência Emocional na Empresa, a personalidade do principal executivo da Chrysler exerceu uma influência determinante nessas mudanças. Seu nome é Robert Eaton. Por alguns anos, Eaton dirigiu as operações da GM na Europa. Assumiu as rédeas da Chrysler em 1993, sucedendo a Lee Iacocca. "Iacocca tinha um estilo gerencial soberano e autocrático", afirmam os autores. "Eaton trouxe para a empresa uma perspectiva voltada para o trabalho em equipe." É daqueles que atendem pessoalmente o telefone, gostam de bater papo com funcionários. "Confio na experiência e na intuição", diz Eaton.

Existe uma empresa com uma cultura tão arraigada na criatividade que sua máquina de gerar inovação há muito independe de quem esteja no comando. É a americana 3M. Tem sido assim desde 1914, quando William McKnight assumiu sua direção. "Ouça qualquer pessoa que tenha uma idéia original, não importa quão absurda possa parecer à primeira vista", dizia McKnight. Suas palavras são lei na 3M até hoje. Caso se tenha uma idéia sobre um novo produto, a idéia é analisada. Se promissora, vira um projeto e seu autor é designado para tocá-lo, com apoio financeiro. Os executivos da 3M dedicam pelo menos 15% de seu tempo para trabalhar em projetos pessoais. Cerca de 30% do faturamento anual da companhia provém de produtos lançados nos últimos quatro anos. A cada ano, a 3M lança cerca de duas centenas de novidades no mercado.

BRAINSTORM - O executivo Bento Bravo trabalhou por quase três décadas na filial brasileira da 3M. Foi dele a sugestão de desenvolver o Baby Fix, uma fita adesiva para fraldas que virou um sucesso de vendas. Foi quando assumiu, no início deste ano, a superintendência da Fibrasil, do grupo Vicunha, que Bravo pôde constatar o valor da experiência acumulada nos anos de 3M. A Fibrasil estava com um problema: não tinha camisetas para concorrer na faixa mais barata do mercado. O que fez Bravo? Começou por organizar grupos com profissionais de várias especialidades da empresa. "É um ambiente propício para brainstorm, onde se analisa um problema de vários ângulos", diz ele.

Ao levar para a Fibrasil as técnicas que aprendeu na 3M, Bravo instaurou uma dinâmica que envolveu toda a companhia. Se em vez disso ele tivesse limitado a busca da solução ao departamento de marketing, correria o risco de ficar preso a uma "caixa mental". E, caso não houvesse um representante da produção nas reuniões, provavelmente a Fibrasil não conseguiria obter um fio mais barato nem teria desenvolvido uma técnica mais econômica de beneficiamento. É mais um caso em que uma dinâmica intuitiva abre as portas para novas possibilidades. Com isso, a Fibrasil lançou a marca Printex e pôde iniciar a conquista do mercado de camisetas baratas. A um custo pouco superior a 1 real, a expectativa era vender 1,5 milhão de camisetas em setembro.

Agora há cada vez mais empresas que, a exemplo da 3M e da Chrysler, estão conjugando estatísticas de produtividade com métodos mais sofisticados para avaliar o potencial intangível de criatividade de seu capital humano. Como mostra Schreurs, presidente da Compaq, não se trata de mero exercício acadêmico. O mapeamento psicológico de seus executivos servirá, no futuro, para estabelecer padrões corporativos. "Suas informações serão úteis em processos decisórios", diz Schreurs. Poderão ser usadas para planejar de forma mais adequada as carreiras. A companhia poderá estabelecer um padrão do que considera as características humanas ideais para cada cargo.

Essas não são idéias inteiramente novas. Duas décadas atrás, o pesquisador americano Henry Mintzberg já havia constatado que os gerentes que melhor operam em condições caóticas apóiam-se constantemente em pressentimentos. Ocorre que, como a intuição não é uma atividade lógica, sempre foi difícil estudá-la e quantificá-la. Isso explica por que levou tanto tempo para que seu valor fosse reconhecido. Pergunte a Eugênio Staub, presidente da Gradiente. À época em que Staub cursava a Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, não havia referência alguma a enfoques como esse nos textos de administração. "Esse processo de visão intuitiva tinha uma conotação negativa", afirma Staub. Mas como na vida prática dos negócios ele sempre dosou suas decisões? "Acredito que são 75% de intuição e 25% de racionalidade", diz ele. Como esses pressentimentos se manifestam? "Vêm de dentro. São como um estalo." Sempre funciona? "Já me dei mal. Felizmente, a taxa de acertos é maior."

Anos atrás, a Gradiente queria aumentar suas vendas em canais não tradicionais do comércio. Preparava, para tanto, o lançamento de seu system. A idéia de lançar o system não veio de nenhum dos calhamaços do setor de pesquisa da empresa. Resultou de um bate-papo com varejistas. Às vésperas do lançamento, Staub foi almoçar com um empresário concorrente. Foi quando atinou com uma informação. O anfitrião demonstrava surpresa com os volumes de vendas de uma estante para acomodar aparelhos de som que passara a produzir em uma fábrica de móveis. Staub vislumbrou o rack e decidiu então incorporar a novidade em seu "enlatado" de som. Não sem enfrentar a oposição de alguns diretores. "Era um conceito rejeitado na Gradiente", diz ele. "Eles diziam que aquilo era a volta do vitrolão." Com maciça publicidade enfatizando o rack, o system conseguiu obter a ambicionada fatia no mercado dos equipamentos três-em-um.

Agora mesmo Staub está sendo cutucado pelo sexto sentido. Motivo: a escolha da localização de uma nova unidade. Staub queria ver a fábrica construída em determinada região (o assunto ainda é tratado como segredo de estado). Acabou se rendendo aos argumentos "racionais" do conselho da empresa, como impostos melhores, por exemplo. Mas ele parece incomodado com a região escolhida pelo conselho. "Acho que estamos errando", afirma. Por quê? "Minha intuição me diz que há questões estratégicas envolvidas que ainda não conseguimos enxergar." Eis um típico sinal de alerta que, em muitos casos, costuma evitar decisões desastrosas.

"As empresas brasileiras estão precisando mais do que nunca dessa matéria-prima", diz Gisela Kassoy, consultora especializada em administração de mudanças. A questão é: os executivos estão preparados para fornecê-la? "A maioria não", afirma o consultor paulistano Simon Franco. Nos últimos cinco anos, a consultoria de Franco submeteu 8 000 executivos a uma bateria de testes conhecida por mapeamento da mente. O que ela revela? O modo como as pessoas pensam. Desses executivos, 54% são muito mais orientados pelo raciocínio lógico do que pelas emoções em suas atividades profissionais. Esse resultado é quase idêntico ao obtido pelo IMD em sua pesquisa. É indicativo de que podem estar faltando iniciativas baseadas em percepções e na imaginação pessoal. Esse é o tradicional caminho em que você está sempre seguro, pela lógica das estatísticas. Serve tanto de explicação para o sucesso como de calço para o fracasso. "A intuição é vista como uma área de risco", diz Franco. "Decisões assim baseadas não são comprovadas a priori." Seria conseqüência de uma espécie de camisa-de-força gerada por décadas de inflação? O consultor José Roberto Martins, um ex-executivo financeiro, acredita que sim. "Éramos forçados a ser pragmáticos em tempo integral", diz ele. "Com uma inflação de 80% ao mês, ninguém podia se dar ao luxo de investir em possibilidades que não garantissem pelo menos a correção monetária."

A falta de ousadia é culpa dos executivos? Franco divide a responsabilidade com as próprias empresas. "Elas precisam ampliar sua latitude e lhes dar licença para ousar", afirma ele. Como assim? Dar sinal verde para a implantação de projetos que, ainda que promissores, não podem ser apoiados por números nos mínimos detalhes. Para Franco, situações como essa serão rotineiras daqui para a frente. Basta olhar os resultados de uma recente pesquisa feita nos Estados Unidos. Ela revela que a maior preocupação das empresas é com concorrentes que ainda não ingressaram no mercado. "Não há padrão de racionalidade capaz de deslindar como eles agirão quando passarem a operar", diz Franco. Com tudo isso, a habilidade intuitiva deve desempenhar papel cada vez mais importante no mundo dos negócios. "É a expressão máxima da compreensão", relatou a Business Harvard Review num estudo sobre as melhores práticas da administração.

 

PASSO A PASSO - O que fazer para estar sintonizado com essa tendência emergente? É possível desenvolver a intuição?

Sim. Mas entenda que você não "adquire" intuição como aprende uma nova língua ou como incorpora conhecimentos cursando um MBA. "Não existe um método racional para desenvolver uma função não-racional como a intuição", afirma o analista Colella. "Requer, sobretudo, perseguir o autoconhecimento", diz Fela Moscovici. O primeiro passo, segundo ela, é "olhar para dentro" e tentar descobrir em que medida você pode estar usando de forma exagerada suas funções cognitivas. "Os executivos brasileiros empregam a intuição em nível muito abaixo de sua capacidade", estima Fela, com a experiência de quem os acompanha em programas de treinamento há quase três décadas. Por quê? "É influência do forte status conferido ao saber científico desde a época da escola", diz ela.

Uma das principais razões que hoje levam as empresas a contratar especialistas em comportamento são as dificuldades que enfrentam com o trabalho em equipe, que se tornou rotineiro nessa era da pós-reengenharia. Não imagine que grupos são dínamos de criatividade por natureza. Com freqüência, o que predomina é uma mentalidade coletiva orientada pela lógica. "Da maneira como são feitas essas reuniões, falta espaço para a intuição, o que impede o surgimento de idéias renovadoras", diz Colella. Nos laboratórios conduzidos por Fela para executivos de empresas como Xerox e Shell, eles são induzidos a conectar-se com suas emoções enquanto examinam situações problemáticas. Recorre-se, por vezes, a técnicas de dramatização. Cada sessão dura duas horas, em média. Funciona? Para se certificar disso, são feitas verificações entre os membros da equipe do gerente, no local de trabalho. Nesse campo, os resultados por vezes demoram a aparecer. "É preciso entender que a mente humana não é um computador", diz ela.

Pode ser que você já tenha se empenhado em ampliar o senso intuitivo e desistiu no caminho com a desculpa de que não faz parte dos quadros da 3M ou da Federal Express. Ali, o sexto sentido dos funcionários é até mais considerado que as análises rigorosas. Sua empresa é daquelas engessadas por normas rígidas e pouco interessada em seus palpites, certo? Bem, problemas à vista se mudar de endereço. Mas veja o que diz o consultor carioca Roberto Menna Barreto: "Só existe um tipo de freio à intuição: aquele que o indivíduo incorpora à sua própria mente".

Como então liberar a mente de tais condicionamentos e permitir que a intuição flua?

SINTONIA - No livro Criatividade em Negócios, os professores de Stanford Rochelle Myers e Michael Ray mostram que a intuição costuma brotar de um equilíbrio pessoal mobilizador. Decorre principalmente do fato de você adorar o que faz. Você realmente adora o que faz? Isso é fundamental, sobretudo, para pessoas que exercem atividades que exigem doses elevadas de intuição: estratégia e planejamento empresarial, marketing, relações públicas, recursos humanos e pesquisa.

Aguçar o senso de observação é outra maneira de estar sintonizado com a intuição. Isso não se aprende na escola. Você lembra que a professora desenhava na lousa uma casa para você copiar? Havia um telhado especialmente concebido para a neve e uma chaminé, indicando que dentro dela havia uma lareira. Agora responda: era uma casa brasileira? Com certeza, não. Era do norte da Europa. Se em vez do modelo no quadro a professora o tivesse provocado a desenhar sua própria casa ou apartamento, com perguntas simples às quais você desse uma resposta gráfica, provavelmente sua capacidade de observação seria hoje mais apurada. "A pessoa observadora aprende por estímulo, e não por imitação", afirma Alex Periscinoto, um estudioso de criatividade.

Nos seminários que promove para executivos da Nestlé, Philips e General Motors, Menna Barreto não costuma derramar teorias de criatividade. Seria inócuo. Em vez disso, ele os ensina a ver com o olhar enviesado da intuição. Primeiro, ele expõe uma seqüência de quase 50 slides com a trajetória de uma pessoa -- de bebê até a morte, aos 70 anos. Em seguida, ele faz cerca de 30 perguntas ao grupo. Qual a profissão do personagem? Foi casado? Bebia? Era autoritário ou tolerante? O índice de acertos, na primeira exibição, é praticamente nulo. A razão disso, explica ele, é que as pessoas tendem a projetar no personagem referências pessoais e de seu círculo social -- ou, como detetives, buscam deduzir pistas que o denunciem. A essa altura, Menna Barreto diz: "Pare de pensar. É hora de sentir". Resultado: entre 60% e 70% dos participantes dão respostas corretas a sete entre 10 questões. Como? Observando a expressividade fisionômica que se revela em cada foto.

Você pode aprender muito com os líderes intuitivos. Gente como Jan Timmer, diretor executivo da holandesa Philips. As visitas de Timmer a uma fábrica, não importa em que parte do mundo ele estiver, costumam durar meia hora. "Posso sair dali sem olhar os números e dizer se ela está ganhando dinheiro", diz ele. Como pode? Pela forma como os operários reagem aos supervisores, pelo tom de voz e pelos gestos corporais de seus funcionários. São todas dimensões processadas pelo lado intuitivo do cérebro. Pergunte ao banqueiro Luis César Fernandes. Fernandes, presidente do grupo Pactual, opera no mercado de reestruturações, compras e vendas de empresas. Nesse setor, decisões de risco são tomadas a cada momento. "É uma máquina movida a intuição", diz Fernandes. Quando em uma reunião de negócios no exterior, Fernandes presta menos atenção às palavras do que à entonação com que são ditas. Ele não é versado em inglês. "Só pelo olhar da pessoa consigo descobrir a direção para aonde a banda vai", diz ele. Para Fernandes, a habilidade intuitiva sempre compensou falhas em seu currículo. Ele não chegou a concluir o segundo grau. "Você precisa ter abertura: ver, saber escutar, receber o maior número de informações", diz ele. "O sentido da intuição funciona assim, muito na base da informação."

(Fernandes diz que os intuitivos parecem aquelas pessoas que "enxergam um ET". Isso porque, no primeiro momento, todos se voltam contra suas idéias. É que, na verdade, eles intuem com facilidade certos aspectos de uma questão que ainda estão ocultos para os demais.)

Sair dos trilhos da rotina objetiva é outro caminho para dar chance aos lampejos intuitivos. É o que afirma José Predebon, professor de criatividade em São Paulo. A abertura para o interior é tão importante quanto a comunicação com o exterior. Reserve um tempo para a família. Crianças são inventivas por natureza. Basta ouvir as perguntas espontâneas que fazem. Se você for um gerente de marketing, não deixe de freqüentar cinemas, teatros e restaurantes. Afinal, não é ali que estão seus consumidores? Você carregará sua mente com informações. São elas que alimentam os processos intuitivos. Sabe aquele hobby que você abandonou por falta de tempo? Mãos à obra. Faça isso quando se sentir vencido por um problema insolúvel no trabalho. Não se surpreenda se a solução surgir à sua mente quando você menos esperar.

NA PRÁTICA - Há exercícios em profusão nessa direção descritos em alguns livros que abordam temas da área. O de autoria de Predebon, Criatividade, acaba de ser lançado pela editora Atlas. Criatividade no Trabalho e na Vida (Summus Editorial), de Menna Barreto, chegará às prateleiras este mês. Com a voga recente da chamada inteligência emocional, foram traduzidas diversas obras com dicas de auto-ajuda preparadas por especialistas em comportamento. Os autores de Inteligência Emocional na Empresa (Campus) recomendam, por exemplo, a prática de passar vários minutos em silêncio a cada dia no escritório e aguardar pelos sinais da intuição. Pode vir de uma imagem, de um símbolo, de impressões ou de sensações. Não importa que, no primeiro momento, aquilo seja nebuloso ou não faça sentido. Só não deixe a voz do julgamento interromper o insight intuitivo. (Se nada acontecer, no mínimo você ganhará 15 minutos de relaxamento.)

Nesses tempos de tantas novidades e modismos na administração, você pode achar que essa é mais uma delas. Mas pense na intuição como um turbo que, quando acionado, pode aumentar a sua eficiência. A Harvard Business Review publicou um estudo sobre os fatores que explicam o sucesso de um empreendimento. Depois de investigar como agem os empresários bem-sucedidos de diferentes setores, seus autores não conseguiram estabelecer um perfil padrão. Alguns são mais lógicos, outros mais intuitivos. Um traço, porém, os une: a habilidade de equilibrar um calculado planejamento com ações intuitivas. Eles não esperam por todas as respostas para só então agir. E estão sempre prontos a mudar de rumo. "São vitoriosos justamente porque, em vez de dividir, integram", afirma Clemente Nóbrega, autor de Em Busca da Empresa Quântica.

O jornalista Nelson Blecher foi classificado numa avaliação psicológica como intuitivo do tipo introvertido

 

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